Mais do que um programa de desenvolvimento, o LNN reafirmou-se como um espaço de movimento e criação
Por Udinaldo Junior*
Prepárense bailadores que esta fiesta ya se formó!
Foi com esse convite que em 2024, o Lab Negras Narrativas reafirmou seu papel como um espaço essencial de resistência, criação e amplificação de novas metodologias negras na formação e no mercado audiovisual brasileiro. Convocando o som místico e mítico da voz preta na América Latina, o LNN compôs um baile que celebrou a música e o pensamento afrodiaspórico, incorporando elementos sonoros que moldaram o coração desta edição.
O Lab Negras Narrativas foi criado em 2016 como uma iniciativa da Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro (APAN) para fomentar narrativas afrocentradas e fortalecer a representatividade negra no audiovisual. Desde 2020 o projeto conta com patrocínio da Amazon MGM Studio e Prime Vídeo, e já desmembrou em edições regionais como o Laboratório Negras Narrativas Amazônicas (2023), conduzido por uma equipe comprometida com a valorização da voz preta e com a construção de espaços de colaboração e criatividade para cineastas negros de todo o Brasil.
Neste ano, o LNN decidiu por um fluxo ritmado que ocorresse em três etapas interconectadas: RUM, RUMPI e LE, inspirados nos três tambores que puxam o Xirê. Como introduz a equipe de coordenação composta por Melina Bomfim, Talita Arruda, Maíra Oliveira e Udinaldo Júnior, os três ciclos foram "projetados, cada um, para criar experiências significativas e coletivas que, ao mesmo tempo, trabalhassem elementos das tradições negras em Abya Yala, e acolhesse espaços laboratoriais de experimentação de novos jeitos - mais pretos – de se fazer e pensar cinema".
Durante RUM, a primeira etapa, as 16 equipes participantes mergulharam no campo do pensamento negro nas artes, em uma série de encontros formativos que enriqueceram e provocaram seus projetos, em torno das possibilidades de imaginação radical negra, novos exercícios narrativos decoloniais, incorporação de Adinkras e cosmologias não ocidentais no cinema negro, além da preparação para um pitching encantador. Nathalia Grilo, Maíra Oliveira, Clara Anastácia, Igor Verde, Mariana Paiva, Vitã, Paula Gomes e Haroldo Borges foram alguns dos formadores que musicaram esse atabaque tocado à muitas mãos, promovendo reflexões profundas e urgentes sobre a complexidade da experiência negra nas imagens e narrativas fílmicas. Além disso, desde o primeiro dia de laboratório, as participantes puderam contar com o acolhimento de Lucas Veiga, psicólogo autor do livro Clínica do Impossível: linhas de fuga e de cura, e com a facilitação em idiomas do nosso professor e tradutor Angel Wilson, ambos colaboradores que contribuem na construção do LNN desde outras edições.
Na segunda etapa, RUMPI, saímos das telinhas para respirar o mesmo ar no Ateliê e Escola de Artes Sertão Negro, em Goiânia, junto aos seus anfitriões, Dalton de Paula e Ceiça Ferreira. No passo aterrado da Catira e na floresta invertida da ecologia do ateliê, nos cobrimos de folhas e saudamos o chão e o território do Centro-Oeste, com uma programação rica composta por um acompanhamento mais próximo dos projetos com tutorias de direção e roteiro, além das investigações poéticas oraculares com o tarô, método que o LNN tem construído para alimentar as equipes além dos paradigmas de linearidade do tempo. O Rumpi, símbolo dessa segunda etapa, tem um tamanho intermediário e uma afinação média. O Rumpi complementa o Rum, fazendo a marcação dos ritmos principais. Ele tem um papel de sustentação e diálogo com o Rum, ajudando a criar a estrutura musical necessária para os rituais.
Por fim, o LNN encerra suas atividades em 2024 com LE, menor e mais agudo dos atabaques, essencial para manter a cadência do som tocado durante a cerimônia. É a etapa construída para o refinamento e expansão das trajetórias e parcerias – roteiro, direção e produção –, culminando na solidificação do papel do Laboratório na internacionalização das carreiras negras com uma vivência no Uruguai, durante o Ventana Sur, principal encontro de mercado audiovisual na América Latina. Nessa etapa, cinco equipes estiveram presentes e puderam construir novos horizontes criativos que incorporassem co-produções e parcerias internacionais nos planejamentos. "Foi a minha primeira vez em um ambiente de mercado, e já iniciei essa experiência participando de um mercado internacional", celebra a participante do Lab Laynara Rafaela (TO).
Ao longo de 2024, o Lab Negras Narrativas celebrou a força das vozes e das histórias negras como verdadeiros motores do impossível. Mais do que um programa de desenvolvimento, o LNN reafirmou-se como um espaço de movimento e criação, onde a música, o som e as histórias se encontram para transformar realidades.
Axé a todes que contribuíram para essa jornada!
* Udinaldo Junior é jornalista, Relator Nacional de Direitos Humanos (DHESCA) e coordenador de conteúdo do Laboratório Negras Narrativas (APAN)
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
Edição: Nicolau Soares