Coluna

Resoluções Rebeldes no esporte para 2025

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Marcelat Sakobi, da República Democrática do Congo, durante protesto nos Jogos Olímpicos em Paris - Mohd Rasfan/AFP
Podemos transformar o campo esportivo em um espaço de contestação?

Durante o ano de 2024, confirmamos que os esportes podem ser vividos enquanto palco onde as emoções, por vezes instintivas e imediatas, e os sentimentos, as interpretações conscientes dessas emoções, têm lugar para se desdobrar. Ao mesmo tempo, em 2024, observamos que os esportes podem ser entendidos enquanto suportes que refletem as desigualdades estruturais presentes na sociedade, como, por exemplo, o racismo, o sexismo e o elitismo.

Em abril de 2024, jogadoras do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino realizaram um protesto simbólico contra a permanência de um técnico acusado de assédio. Em campo, elas cruzaram os braços em sinal de resistência, mostrando que o silêncio não pode ser uma opção diante das violências de gênero. Em outubro do mesmo ano, presenciamos novamente o protesto de jogadoras de futebol diante de outra situação de preconceito de gênero na modalidade. Esta se traduziu a partir das barreiras estruturais e desigualdades profundas vivenciadas pelas jogadoras durante o Campeonato Copa Libertadores da América de Futebol Feminino. As atletas do Corinthians, vencedoras naquele ano e logo após o final do campeonato, lançaram um vídeo denunciando a falta de investimento e estrutura física, condições precárias para treino e jogo e ausência de respaldo e apoio por parte da Confederação Sul-Americana de Futebol, organizadora do campeonato.

Durante os Jogos Olímpicos de 2024 em Paris, ocorridos entre os meses de julho e agosto, duas manifestações se destacam. A primeira manifestação veio da boxeadora congolesa, Marcelat Sakobi, que após a derrota e com o intuito de atrair atenção mundial para os conflitos na República Democrática do Congo, colocou a mão sobre a boca e dois dedos apontados para a têmpora, assim simulando uma arma e denunciando a grave crise de violência e abusos de direitos humanos que assola seu país. Cabe dizer que o gesto foi reproduzido, pela primeira vez, em fevereiro daquele ano pelos jogadores de futebol da equipe congolesa durante a Copa Africana de Nações.

A segunda manifestação que merece destaque veio da atleta afegã e dançarina de breaking dance, Talash. Após sua apresentação, ela levantou um pano onde era possível ler “Free Afghan Women” (Libertem as mulheres afegãs), assim denunciando as condições opressivas enfrentadas pelas mulheres no Afeganistão após a retomada do regime Talibã. Por conta de uma medida do Comitê Olímpico Internacional, Talash foi desqualificada dos Jogos Olímpicos. Entretanto, sua mensagem expôs as contradições de um sistema esportivo que prega neutralidade política e que frequentemente fecha os olhos para violações de direitos humanos.

Ainda durante o ano de 2024, foi possível acompanhar o caso do jogador de futebol brasileiro Vinícius Júnior, que foi alvo de insultos racistas reiterados por parte de torcedores e da imprensa espanhola. A resistência do jogador, que transformou os episódios de violência racial em luta pública e coletiva, forçou a Espanha a encarar seu próprio racismo estrutural, ainda que respostas concretas das autoridades e clubes tenham sido tímidas e tardias.

É evidente que o ano de 2024 foi marcado por manifestações que foram além do campo esportivo e trouxeram à tona questões fundamentais de equidade de gênero, racismo estrutural e direitos humanos. De protestos simbólicos contra o assédio no futebol feminino no Brasil à denúncia das desigualdades estruturais na Copa Libertadores, passando por gestos corajosos de atletas como Marcelat Sakobi e Talash, até a luta de Vinícius Júnior contra o racismo estrutural, os esportes mostram-se tanto um reflexo das opressões da sociedade quanto um potente espaço de resistência e luta. A pergunta que emerge dessas experiências é: podemos transformar o campo esportivo em um espaço de contestação contra as opressões da sociedade? É a partir dessa provocação que podemos vislumbrar mudanças necessárias para o cenário esportivo em 2025, ou que chamo aqui de Resoluções Rebeldes.

1ª Resolução Rebelde: Os(as) atletas devem assumir o desafio de se tornar agentes de transformação social

A primeira resolução vem com a expectativa de que 2025 possa ser um ano em que mais atletas, especialmente no Brasil e na América Latina, se posicionem publicamente e abertamente sobre temas como violência de gênero, homofobia, racismo e violação dos Direitos Humanos. Entretanto, para que haja espaço para essas manifestações individuais, é preciso que clubes, confederações e organizações esportivas assumam seu papel nesta luta.

2ª Resolução Rebelde: Clubes, Confederações e Organizações Esportivas podem (e devem) tomar decisões mais ousadas contra as violências e violações dos direitos humanos

A segunda resolução conversa intimamente com a primeira. Não basta apenas que os(as) atletas se tornem agentes dessa transformação; é preciso que clubes, confederações e organizações esportivas estipulem punições exemplares, planejem e incluam ciclos de formação e educação antirracista, feminista e de Direitos Humanos para atletas e torcedores(as), bem como fortaleçam redes de apoio às pessoas que continuam sendo vítimas de um sistema esportivo negligente.

3ª Resolução Rebelde: Torcidas Organizadas e torcedores(as) devem ser aliados nesta luta

A terceira resolução conversa diretamente com as torcidas organizadas e torcedores(as) de diversas modalidades esportivas. O ano de 2025 pode e deve ser um ano de maior articulação a partir das mobilizações por ingressos mais acessíveis, de campanhas de inclusão de pessoas LGBT+ nos estádios e nas torcidas, de práticas que coíbam as violências de gênero dentro e fora das arquibancadas, de ações contra o avanço do autoritarismo e manifestações fascistas nos esportes. Só assim poderemos garantir que os esportes sejam lugares seguros para acolher e conviver com as diferenças.

4ª Resolução Rebelde: As grandes corporações devem se posicionar abertamente contra as violências sociais nos esportes

A quarta resolução aparece em forma de pergunta: Como sua busca por lucro pode ser confrontada a partir de exigências éticas e sociais? Ou seja, qual é o papel que desempenham as grandes marcas e os patrocinadores esportivos nesse cenário? Para além de um alinhamento ético das marcas, é preciso que nós, consumidores, façamos pressão pública contra patrocinadores que não se alinham abertamente aos valores antirracistas, antissexistas e antihomofóbicos nos esportes.

Para finalizar, deixo a reflexão: O novo ano que se inicia nos oferece 365 novas oportunidades de transformação. Especialmente neste espaço, proponho que os esportes se tornem campo de contestação e luta contra as violências raciais, de gênero, homofóbicas e entre outras. Assim, cada uma das Resoluções Rebeldes apresentadas depende da coragem e da ação conjunta de atletas, clubes, torcedores(as) e patrocinadores. Se queremos ver mudanças reais, precisamos nos engajar ativamente ou, nas palavras de Mahatma Gandhi, "devemos ser a mudança que queremos ver no mundo". E você, leitor(a), que papel está disposto(a) a desempenhar nessa luta?

* Mariane Pisani é antropóloga e professora na Universidade Federal do Piauí.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

 

Edição: Nathallia Fonseca