Treinador cubano, unanimidade na modalidade, retorna à seleção brasileira como chefe de equipe
Por Michel de Paula Soares
Apesar da tímida e ofuscada participação da equipe de boxe brasileira nos Jogos Olímpicos de Paris, com apenas uma medalha de bronze da Beatriz "Bia" Ferreira, este foi um ano importante para o boxe nacional. Vale lembrar que 2024 foi o ano em que a própria Bia conquistou um cinturão no boxe profissional, em abril, ao vencer a argentina Yanina Lescano em Liverpool, assim como outro medalhista olímpico, o baiano Robson Conceição, também sagrou-se campeão mundial profissional, ao vencer o estadunidense O’Shaquie Foster, em New Jersey, no dia 6 de julho.
Após as Olimpíadas, duas competições internacionais importantes aconteceram, ambas organizadas pela World Boxing, federação internacional que passa a organizar o boxe nos jogos olímpicos a partir da próxima edição, em Los Angeles 2028, substituindo a controversa IBA. No campeonato mundial juvenil, realizado em outubro nos Estados Unidos, para atletas com 17 ou 18 anos de idade, o Brasil conquistou duas medalhas, uma de bronze com a carioca Letícia Eleutério – oriunda do projeto Todos na Luta, localizado na Comunidade do Vidigal –, e uma medalha de prata, conquistada por Gabriel Dias – soteropolitano da equipe Objetivo Olímpico, comandada pelo treinador Reinaldo Solis. Na última competição do ano, o World Boxing Cup Finals, que aconteceu em novembro na Inglaterra, a participação brasileira foi surpreendente, terminando na primeira colocação por equipes, ao conquistar nove medalhas, sendo 4 de ouro.
Nesta última competição, a equipe técnica foi formada por Didio Soares, Marco Antônio "Marquinho" e Raphael Piva, treinadores que, ao que tudo indica, passam a integrar, de forma permanente, o quadro de profissionais da equipe nacional a partir de 2025. Resultado de uma série de inovações e alterações levados a cabo pela Confederação Brasileira de Boxe após as Olimpíadas. Aliás, completando o cenário de mudanças, está programado para o próximo ano o retorno do treinador cubano Paco Garcia à seleção brasileira, como chefe da equipe.
Paco Garcia é quase como uma unanimidade no Brasil. São diversas as narrativas que relatam sua chegada como paradigmática para o desenvolvimento da modalidade no Brasil. Conforme contou-me o treinador Ivan de Oliveira, "Paco Garcia é o divisor de águas do boxe brasileiro, quando ele chegou aqui, a coisa mudou. É o pai de todos".
Paco chegou ao Brasil em 1995, a convite oficial da Confederação Brasileira de Boxe, a partir de um convênio de cooperação esportiva, firmado entre Cuba e alguns países da América Latina, com a finalidade de preparar a seleção olímpica nacional para os Jogos Olímpicos de Atlanta em 1996. Desde então, passou mais de dez anos trabalhando na seleção brasileira, por mais que de forma intermitente. Nascido na província de Villa Clara, Paco iniciou-se como atleta aos quatorze anos de idade, tendo feito mais de cem lutas até os dezoito anos, quando, com problemas no ombro, abandonou a carreira de competidor. Passou então a dedicar-se aos estudos, se formando em Cultura Física e especializando-se no boxe olímpico.
Logo após sua chegada, outro treinador cubano, tão importante quanto Paco, também aterrissou no Brasil. Seu nome é Otílio Olivé. Otílio permanece na equipe nacional até hoje, exercendo o cargo, atualmente, de coordenador técnico.
Alguns treinadores que conheci, como, por exemplo, Elber Passos e Washington Silva, eram atletas da equipe nacional quando o método cubano foi implementado nos quadros de formação da seleção olímpica por estes dois treinadores. Ou seja, a fase vitoriosa do boxe brasileiro possui relação direta com a implementação da pedagogia cubana em seus quadros de formação. Assim, o boxe olímpico brasileiro tem uma data de fundação mítica, e esta é o ano de 1995, quando Paco Garcia chega para trabalhar com a equipe nacional.
Desejo toda sorte aos novos treinadores da equipe nacional. Todo treinador é, antes de mais nada, sua paixão pelo boxe. A distribuição do prestígio é desigual. O retorno financeiro é relativamente baixo. A renúncia, a abdicação da família e outros contextos associativos, tudo isso torna árdua a trajetória. Assim, não há como romantizar a posição de treinador de boxe no Brasil. É preciso ressaltar que, apesar de financiar boa parte dos boxeadores de alto rendimento com bons resultados nacionais, o programa federal de financiamento das modalidades olímpicas não é capaz de gerar condições de autonomia financeira para a maioria dos principais responsáveis pelos atletas, justamente os treinadores. De forma geral, a renda obtida com as aulas e treinos de boxe não garante as condições materiais mínimas para se viver dignamente. Assim, a grande maioria exerce outro cargo, ou profissão, paralelamente à posição de treinador. Na Bahia, essa conjuntura é mais acentuada que no eixo Rio de Janeiro – São Paulo. Um grande número de treinadores está empregado na área de segurança privada, na construção civil ou na área têxtil.
Apesar das mudanças significativas ocorridas na última década, percebe-se, através dos discursos e narrativas que se multiplicam, uma falta de apoio e incentivo para a rede de profissionais que formam e sustentam o boxe olímpico. De maneira geral, há uma indeterminação e precarização nas relações de trabalho que tornam significativa a maneira como se institucionalizada a modalidade. Ou seja, no cenário do boxe olímpico, muitos de seus protagonistas, homens negros e periféricos, acabam por não receberem o reconhecimento necessário, dificultando o acesso às garantias da plena cidadania. Que em 2025, a Confederação Brasileira de Boxe, assim como o Comitê Olímpico Brasileiro, prestem o suporte necessário a esta rede de trabalhadores.
A última participação internacional da equipe olímpica em 2024 deixou claro como o boxe brasileiro continua forte e promissor para o próximo ciclo olímpico. O boxe olímpico já é uma tradição brasileira. Que as mudanças sejam positivas e retornemos no próximo ano com força, apoio e a disposição necessária para novas conquistas e bons resultados.
* Michel de Paula Soares é antropólogo formado pela Universidade de São Paulo, pesquisador do LabNAU e treinador do Boxe Autônomo
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
Edição: Thalita Pires