A cidade do Rio ganhou protagonismo por ser a primeira do país a adotar a proibição do uso de celulares nas escolas pelos estudantes. O Ministério da Educação considera esta medida uma urgência. O Congresso vem se dedicando à pauta, em Brasília, via Projeto de Lei (PL) 104/2015. A matéria avançou na Câmara e no Senado, e falta agora apenas a sanção do presidente Lula.
Países como Suíça, Portugal e Austrália já produziram legislações neste sentido. A Finlândia, por exemplo, reforça seu engajamento social na educação e promove políticas informativas sobre fake news e manipulação via inteligência artificial. Ou seja, o mundo se movimenta para tratar do tema do uso das tecnologias nas escolas e há bastante preocupação em relação aos seus efeitos deletérios, como a falta de concentração dos jovens nas aulas devido ao uso de celulares, como indicam os dados do relatório do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), de 2022, produzido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Sem dúvidas, é necessário destacar a importância do decreto do prefeito reeleito Eduardo Paes (PSD), que vigora há cerca de um ano. O Rio está, assim, na vanguarda dessa temática incontornável na contemporaneidade.
Renan Ferreirinha, secretário municipal de educação e também deputado federal (PSD), foi o relator do PL 104/2015 na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. De acordo com seus pronunciamentos nas redes sociais, Ferreirinha se afastou temporariamente da função de secretário exatamente para priorizar, neste final de ano, o debate que protagonizou no Rio anteriormente.
Se a conjuntura descrita acima vem produzindo algum grau de consenso na imprensa e em parte importante da bancada política mais republicana, o mesmo não pode ser dito sobre o contexto do Rio. O cenário político educacional carioca também foi alvo de movimentações que geraram notícias com considerável teor de animosidade, com fissuras e perdas sendo notadas.
O motivo foi a aprovação, na Câmara Municipal, do Projeto de Lei Complementar (PLC) 186/2024, que altera a contagem da carga horária de trabalho dos professores, aumentando o tempo em sala de aula. Houve ainda modificações na licença especial e no tempo de férias. O Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Estado do Rio de Janeiro (Sepe) vem criticando a proposta, que tem como autor o Poder Executivo.
Voltando ao equilíbrio das forças, o prefeito Eduardo Paes, apesar de ter sofrido críticas do Sepe, parece não ter perdido capital político, e continua em clima de lua de mel pós-eleição.
Na votação do projeto na Câmara Municipal, dos 51 vereadores, 31 votaram a favor, 15 conta, e 5 não votaram. Este quórum serve como um termômetro da força de Paes, que foi reeleito em primeiro turno com quase 61% dos votos válidos. O projeto agora vai para sanção do prefeito.
Desde 2013, quando outra proposta de modificações na carreira dos professores também acirrou os ânimos, a relação de Paes com a categoria não é das melhores. Na ocasião, ainda sob efeito das chamadas Jornadas de Junho, um embate entre a categoria do magistério e o então prefeito ocorreu por conta de uma proposta de modificação no Plano de Carreira, Cargos e Remunerações (PCCR), que foi considerada negativa para os educadores. O Sepe criticou a matéria tanto no teor quanto no método de debate, considerado apressado por não ter envolvido uma negociação prévia mais consistente. O desfecho do conflito foi uma greve, avaliada como vitoriosa pelo Sepe.
Onze anos depois, respaldado em diversos argumentos, como a necessidade de ajustes nas contas da cidade, a carreira dos professores volta ao debate, e o impasse prontamente se estabelece. Contudo, o cenário atual está bem favorável a Paes.
Se o ambiente entre o magistério e o prefeito parecia não ser dos melhores, nesse momento, o “clima” ficou ruim de vez. Todavia, ainda não se sabe o peso político disto para os projetos de Paes.
Em termos de repercussão na opinião pública imediata, nota-se que a sociedade não se engajou com o debate. Historicamente, quando os profissionais da educação se sentem desestimulados, dificilmente a educação consegue obter bons resultados. A população costuma levar um tempo para fazer tais conexões ou sequer consegue fazer relações, neste nível. Mas de algum modo o descontentamento fica nítido, o que não é benéfico para ninguém.
Base política
Fissuras também ocorreram entre alguns parlamentares do campo progressista da Câmara. Refiro-me especificamente ao PT, que se dividiu na votação. Dois vereadores petistas (Tainá de Paula e Edson Santos) estão sendo criticados pelo magistério, por conta do "sim" ao PLC. O PT compõe a base aliada do governo Paes, logo, em uma votação relevante como essa (do ponto de vista do empenho governamental sobre a matéria), o partido não se desconectou do Executivo, mas também sinalizou que há divergências sobre o teor do projeto. O cálculo político de hoje, feito pelos parlamentares, será mensurado com o tempo.
Sobre a base política mais ao centro ou à direita na Câmara, a repercussão aparenta fazer pouca diferença. Nas redes de alguns parlamentares, o tema não foi muito mencionado. A movimentação mais intensa dos parlamentares da direita, quando o assunto é a educação, acaba se dando quando o teor da proposta é de cunho moral, envolvendo a chamada pauta dos costumes.
Quanto ao secretário Renan Ferreirinha, há uma dupla sensação, pois ele está usufruindo de visibilidade, via inserções na imprensa e nas redes sociais. Em Brasília, podemos dizer que ele colhe os louros da temática do uso de celulares nas escolas. Porém, frente ao magistério municipal, há um descontentamento pelos motivos descritos. Novamente, o tempo vai revelar os ônus e bônus para este agente público. Considerando que a vida política de um parlamentar demanda votos, parece seguro dizer os educadores cariocas, uma categoria fundamental da área de atuação de Ferreirinha, dificilmente depositarão confiança eleitoral nele.
Uma coincidência igualmente paradoxal marca esta conjuntura e, com ela, fecho a análise. É comum que projetos educacionais de teor mais negativo ou polêmico sejam apresentados no final do ano. Desta vez, o Rio, com suas diversas contradições, foi palco de duas movimentações em direções opostas, ainda que por motivos conjunturais.
*Rafael Bastos é professor do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e membro do Laboratório de Políticas Públicas.
**Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato RJ.
Edição: Clívia Mesquita