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Dominar a inflação não é fácil

A inflação, assim como outras variáveis reais e nominais, deve ser controlada com a máxima acurácia

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Se a inflação aumenta, a solução não poderia ser somente majorar a taxa de juros ou elevar o valor da meta - Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil - Arquivo

Países estabeleceram metas para a inflação. Uma variável crucial para manter o poder de compra e a qualidade de vida não poderia ser tratada com negligência. A inflação, assim como outras variáveis reais e nominais, deve ser controlada com a máxima acurácia.

É dada a muitos bancos centrais uma tarefa hercúlea. Mas Hércules, somente com a sua espada, não é capaz de vencer o dragão da inflação. O herói da mitologia grega tem usado somente uma arma, a sua espada: a taxa básica de juros.

Nesse contexto, haveria duas possibilidades. Enfrentar o dragão com somente uma espada ou aumentar o tamanho da arena de batalha (afrouxar as metas) e se esconder. Mas o dragão pode crescer e Hércules teria que usar a sua espada novamente. Com o tempo, dragão e espada poderiam ficar grandes demais.

O dragão (da inflação) é uma imagem metafórica. O dragão é a representação dos diversos tipos de inflação que Hércules teria que enfrentar. A espada de Hercules teria, por exemplo, que matar "o leão de Neméia", "a hidra de Lerna", "as aves do lago Estínfalo", "o touro de Creta", entre outros.

Na mitologia, o leão foi estrangulado. A hidra teve suas cabeças cortadas. As aves foram flechadas. O touro foi aprisionado. Foram utilizados diversos instrumentos para enfrentar os diferentes tipos de inflação. 

Contra o “leão”, poderiam ser utilizados estoques reguladores. Contra a “hidra”, utilizar-se-iam as reservas internacionais. Os “touros” seriam contidos com negociações em câmaras setoriais. As “aves” poderiam ser abatidas com uma política de aumento da produtividade.

Se a inflação aumenta, a solução não poderia ser somente majorar a taxa de juros ou elevar o valor da meta. Quando somente existe um instrumento de controle, uma meta mais elevada para a inflação em nada auxilia a sua contenção. A inflação é um fenômeno multifacetado e requer, portanto, um instrumento diferente para cada causa específica.

Essa abordagem não é uma novidade. Por exemplo, Fritz Machlup, em 1960, propôs que o termo inflação fosse utilizado de forma qualificada. Não seria apropriado afirmar que uma economia tem inflação, mas sim, por exemplo, que tem uma inflação de alimentos. Nesse caso, estoques reguladores poderiam ser ofertados. Em 1963, Martin Bronfenbrenner e Franklyn Holzman constataram que políticas monetárias e fiscais poderiam debelar uma inflação de custos de produção causando desemprego ou crescimento mais lento.

O método sugerido para o debate é minucioso; identificada a origem da inflação, buscar-se-ia desenhar políticas específicas que possam sufocar a pressão inflacionária sem atingir outros setores que estão tendo um comportamento compatível com a estabilidade. Reduzir o tamanho da arena, ou seja, baixar a meta de inflação, não controla o dragão. 

Tal como Hercules, o governo central poderia utilizar diferentes instrumentos para debelar os diferentes tipos de inflação. Bancos centrais deveriam ser apoiados por governos e sociedades. A estabilidade dos preços é um pilar necessário do bem-estar social.


* João Sicsú é professor do Instituto de Economia da UFRJ.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

Edição: Nathallia Fonseca