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As reservas técnicas dos museus de todo o mundo no centro das atenções

Conferência tratou sobre armazenamento inadequado, falta de espaço, infraestrutura precária e práticas defasadas

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Conferência Internacional Reservas de museus: situação atual e novos desafios foi realizada em Paris (França) - Foto: Acervo Pessoal/Marino Alves

Quais são os principais problemas enfrentados pelos museus na gestão física de seus acervos, e como enfrentá-los, contribuindo assim para a preservação do patrimônio cultural para o presente e futuro?

Essa foi a linha condutora da Conferência Internacional Reservas de museus: situação atual e novos desafios, realizada entre os dias 29 e 31 de outubro, em Paris, França. Um encontro organizado pelo Conselho Internacional de Museus (Icom), o Comitê Internacional para Arquitetura e Técnicas de Museus e pela Universidade Sorbonne Nouvelle, evento do qual pude participar graças ao Programa Conexão Cultural, do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal.

A maior parte dos itens conservados pelos museus não está nas exposições, mas sim nas reservas técnicas, como são conhecidas no Brasil esses espaços. Ali, os objetos que integram as coleções ficam acondicionados, às vezes durante anos, e precisam ser protegidos de fatores de deterioração, como umidade relativa e temperaturas indevidos, pragas, poluentes, água, e até mesmo roubo, que podem danificar e até mesmo destruir esse patrimônio. Para assegurar que as condições sejam as ideais, as reservas precisam ser dotadas de infraestrutura e equipamentos adequados, além de uma equipe capacitada.

Dada a diversidade e complexidade do quadro museal no mundo, o Icom instituiu em 2022 o Grupo de Trabalho para coleções em reservas de museus com a missão de realizar uma pesquisa internacional para melhor conhecer o estado das reservas dos museus. O relatório final dessa pesquisa, da qual responderam 1.132 museus dos cinco continentes, culminou na realização desse encontro internacional para debater os problemas relatados, compartilhar experiências e pensar coletivamente em soluções.

Conferência

A programação da conferência foi dividida em sessões plenárias, sessões paralelas e visitas a reservas de museus. As sessões plenárias foram organizadas em torno de três eixos.

O eixo "As reservas do mundo, estado atual" foi composto de apresentações que compartilhavam recortes da pesquisa e de projetos e outras experiências exitosas na gestão das coleções, como a ferramenta RE-ORG, uma metodologia gratuita, testada em diferentes contextos e aplicável não só a todas as tipologias de museus, mas também a bibliotecas e arquivos.

O eixo "Novas infraestruturas, novas arquiteturas" foi uma sessão um pouco mais técnica, dedicada a compartilhar concepções inovadoras no planejamento e gestão das reservas, como as reservas externalizadas – situadas fora do edifício do museu – e compartilhadas, ou seja, uma mesma reserva recebe coleções de diferentes museus, ou mesmo de particulares, como é o caso do depósito - outro termo utilizado para se referir às reservas -  do museu Boijmans Van Beuningen, nos Países Baixos.

Por fim, "Desafios e perspectivas", uma sessão diferente das demais, com palestrantes pesquisadores e acadêmicos, que convidaram o público a refletir, a partir das reservas dos museus, temas que estão bastante em voga nos últimos anos, como repatriação de coleções e decolonização de práticas museais.

As dez sessões paralelas foram realizadas de forma simultânea após as sessões plenárias e organizadas na forma de pequenas apresentações em torno de um tema relacionado ao tema central da conferência. Já as visitas foram realizadas em dois dias: na visita que precedeu a abertura da Conferência, visitamos o Centro de Conservação dos museus da cidade de Reims, e o Centro de conservação do Museu do vinho de Champagne e de arqueologia regional, na cidade de Epernay; na visita que encerrou a programação da Conferência, visitamos a reserva do Museu de Artes e Ofícios. 

Participar de um evento internacional é sempre uma ótima oportunidade de capacitação profissional, pois é possível  conhecer a realidade de outros países, se inteirar sobre as adversidades existentes e como elas foram (ou têm sido) confrontadas, e refletir sobre o que pode ser replicado no Brasil. Conhecer a metodologia RE-ORG foi uma grata surpresa e que pode contribuir para contornar problemas de gestão de coleções que muitos museus brasileiros, de qualquer porte, enfrentam.

Outros pontos que merecem ser melhor debatidos são as reservas externalizadas e compartilhadas, que podem ser alternativas para os recorrentes problemas de falta de espaço e de equipe por que passam museus públicos brasileiros, ainda que esbarraria em outros obstáculos, como alto investimento inicial. 

Entretanto, um grande problema que identifiquei nesta Conferência foi a tímida participação de profissionais não europeus. Ao menos nas sessões plenárias, houve somente uma apresentação de um país não localizado na Europa – uma palestra sobre o programa de renovação dos museus do Benin. Além disso, na sessão plenária 'Desafios e perspectivas', percebi que não houve grande empolgação do público no debate, o que demonstrou para mim que os profissionais europeus não estão preparados - ou não se interessam – em se aprofundar em discussões fundamentais para os países situados fora da Europa e América do Norte.

Nas conclusões, foi encaminhada a solicitação de criação de um Comitê Internacional no âmbito do ICOM para tratar das reservas técnicas. Os comitês internacionais são fóruns de discussões permanentes que reúnem especialistas e fomentam estudos, propõem debates e prestam apoio técnico aos entes governamentais, museus e outras instituições em assuntos específicos.

Com a instituição deste Comitê, a comunidade museal seria amparada por pesquisas, discussões e ferramentas que auxiliarão no manejo das coleções. O coração dos museus, como as reservas foram referidas em várias ocasiões ao longo do encontro, continuará pulsando. 

* Marino José Ferreira Alves, museólogo e servidor público federal.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato DF.

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Fonte: BdF Distrito Federal

Edição: Flávia Quirino