Para enfrentar o fascismo, é preciso combinar a luta ideológica com a luta de massas
As conquistas obtidas pela extrema direita nas eleições municipais de 2024 evidenciam a resiliência desse setor na sociedade brasileira, indicando um alerta sobre a necessidade de não desprezarmos o tamanho de nosso inimigo principal imediato e abrindo na esquerda brasileira o debate sobre qual é a tática mais acertada para impor derrotas ao neofascismo.
A ascensão da extrema direita ao redor do mundo se dá em um momento de declínio da hegemonia do imperialismo norte-americano e de crise econômica estrutural do capitalismo, combinada com a crise social, política e ambiental.
Para tentar retomar o seu padrão de acumulação de capital, os capitalistas investem na ampliação da exploração dos trabalhadores, no saque de recursos naturais e na promoção de guerras e conflitos militares, em especial nos países do chamado “Sul global”, que compreende América Latina, África e Ásia.
Entre as consequências desse cenário está o aumento da pobreza e da concentração de renda, a ocorrência cada vez mais frequente de eventos climáticos extremos e o aumento da violência. Forma-se também uma massa de trabalhadores desalentados que, com razão, não veem mais nos instrumentos formais da democracia liberal saídas para a resolução de seus problemas.
No Brasil, mesmo com a retomada de políticas sociais fundamentais e a melhora dos indicadores econômicos após a eleição de Lula (PT), ainda são milhares em condição de extrema pobreza, desempregados e trabalhadores em regime de restrição quase total de direitos. Ou seja, são milhares que, diante da não realização da promessa do neoliberalismo de “reconhecimento do mérito” e de “abundância”, perdem a perspectiva de futuro e anseiam por alternativas de ruptura.
Nos países onde tem sido mais bem-sucedida em seus propósitos, a extrema direita, para construir força social de massas, tem apostado justamente na mobilização dessa frustração, se apresentando como o setor “antissistêmico” da sociedade e, a partir da disputa de valores e do uso da violência como método de coerção e de atuação política, vem ganhando terreno.
Esse cenário faz emergir uma questão: diante da massa desalentada de trabalhadores sem perspectiva de futuro que anseia por propostas de mudança, cabe à esquerda brasileira se apresentar como “gestora da crise” ou como portadora de um projeto radical de transformação estrutural do Brasil?
Alguns acreditam que, para conter o avanço da extrema direita, o governo Lula e até mesmo os movimentos populares e sindicais deveriam ir cada vez mais ao centro. Ou seja, acreditam que a tática mais acertada para o atual momento é a de se eximir de incidir na polarização em curso, se apresentando com uma roupagem mais “neutra” e, em alguns casos, se abdicando da defesa de bandeiras históricas.
Em termos práticos, a consequência é, entre outras, abrir mão de convocar e de atuar incisivamente nas lutas da classe trabalhadora, como as mobilizações pelo fim da escala 6x1 e contra a PEC do Estuprador; abrir mão de disputar a sociedade com um programa próprio e; consequentemente, ficar a reboque da frente ampla não só na condução do governo federal, mas também no campo da luta política. Ainda nas eleições de 2024, em alguns municípios, essa já foi a tática implementada pela esquerda.
Porém, ao se abdicar da disputa ideológica, de valores e de projeto, a esquerda brasileira pode incorrer em um erro cujas consequências podem demorar décadas para serem revertidas: deixar de aproveitar a oportunidade que se abre com a eleição de Lula em 2022 para acumular forças.
É um equívoco atribuir a responsabilidade sobre alteração da correlação de forças na sociedade brasileira apenas ao governo federal, que, mesmo sendo constantemente tensionado pelas forças neoliberais, têm conseguido melhorar alguns indicadores. Porém, a retomada das políticas sociais, por mais essenciais que sejam, sozinhas, não serão suficientes para reconquistar as parcelas das classes populares que hoje são disputadas pela extrema direita.
É preciso incluir a disputa ideológica nessa equação. É tempo de disputa de projetos na sociedade brasileira. As experiências históricas demonstram que, para enfrentar o fascismo, é preciso combinar a luta ideológica com a luta de massas.
Para tanto, é preciso que esquerda retome a sua capacidade de iniciativa política própria; qualifique o seu método de trabalho de base, a partir dos princípios da educação popular; fortaleça instrumentos próprios e autônomos de comunicação popular, como o sistema Brasil de Fato; aposte na formação de uma nova geração de lutadores e lutadoras; e encare com a centralidade devida a urgência da tarefa da unidade.
Unidade é essencial
Essencial para a vitória de 2022, o arranjo de forças que se unificou em defesa da democracia para impedir a reeleição de Jair Bolsonaro tem dado cada vez mais sinais de que em 2026 não será tão amplo assim. Além disso, os dois primeiros anos do terceiro governo Lula foram marcados por uma crescente fragmentação das forças populares.
Ao mesmo tempo em que as experiências demonstram que não se combate o fascismo sem uma ampla unidade democrática, elas também indicam que é preciso construir uma frente popular no seio da frente ampla que consiga, ao mesmo tempo, disputar a capacidade de direção da frente ampla e acumular forças na disputa da sociedade.
A constituição e o fortalecimento da frente popular também é essencial para tensionar o arranjo que compõem o governo federal, de forma a dar melhores condições para que a gestão de Lula consiga implementar o programa eleito nas urnas. Não existe contradição entre a sustentação e a pressão do governo.
Na realidade, construir um polo que consiga pressionar o governo à esquerda, é fundamental para a sustentação do mesmo, uma vez que, ao ficar “refém” dos setores neoliberais — sem a atuação organizada da esquerda —, o governo corre o risco de não conseguir implementar o seu programa e de, inclusive, ser tensionado a implementar medidas impopulares, como já vem sendo.
Precisamos aproveitar o atual momento político e rearticular as forças populares, construindo a unidade em torno das lutas que têm emergido. O combate à escala 6x1, a taxação dos super-ricos, a luta pela punição aos golpistas e por uma reforma nas Forças Armadas e o enfrentamento à PEC do Estuprador trazem ao debate público temas caros e históricos para a esquerda brasileira e são uma oportunidade para intensificar a construção da frente popular necessária para o enfrentamento à extrema direita e para a transformação do país.
Que 2025 seja um ano marcado pelo fortalecimento e pela unidade entre aqueles que querem um projeto popular para o Brasil.
*Ana Carolina Vasconcelos, jornalista e integrante da direção nacional do Movimento Brasil Popular.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
Edição: Martina Medina