PACOTE DO GOVERNO

Mudança do IR reduz desigualdade, mas limite para salário mínimo aumenta, indicam estudos da USP

Medidas foram anunciadas pelo ministro Fernando Haddad e ainda precisam ser votadas pelo Congresso Nacional

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |

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Governo quer isentar trabalhadores que ganham até R$ 5 mil e cobrar mais imposto de quem ganha R$ 600 mil por ano - Marcello Casal Jr. / Agência Brasil

pacote de medidas anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), para reduzir o gasto público e ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) pode ter efeitos contraditórios sobre a economia nacional, segundo estudos do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).

Enquanto as mudanças no IR tendem a reduzir a desigualdade social no país, a imposição de um limite para o aumento anual do salário mínimo tende a ampliá-la. Ainda de acordo com o Made-USP, o limite para o piso nacional – pensado para frear o gasto do governo – pode frear também o ritmo de crescimento da economia, o que afetaria ainda a arrecadação de impostos e forçaria o governo a cortar novos gastos no futuro.

Todas essas conclusões estão em três textos produzidos por pesquisadores do centro de pesquisa antes e depois do anúncio das medidas, o qual foi feito no último dia 27. O Made-USP ressaltou nos trabalhos que nem todas as ações prometidas estavam completamente detalhadas para a aferição de suas consequências sobre a economia.

Mudança no IR

O governo anunciou que vai encaminhar ao Congresso Nacional um projeto para atualizar a tabela de cobrança do IR ampliando a faixa de isenção do imposto para R$ 5 mil. Hoje, não paga IR quem ganha até dois salários mínimos por mês, ou seja, R$ 2.824.

A proposta sobre o tema ainda não foi completamente detalhada. De acordo com o ministro Haddad, ele deve incluir reduções na alíquota do IR para quem ganha até R$ 7.500 por mês.

O Made-USP considerou essas premissas e concluiu que o governo deixaria de arrecadar cerca de R$ 49 bilhões por ano com a mudança.

O próprio governo ressaltou que não pretende abrir mão desses recursos. Por isso, criaria uma espécie de imposto extra de até 10% cobrado sobre quem ganha mais de R$ 600 mil por ano, incluindo salário, dividendos, ganhos com investimentos, etc.

A medida teria o potencial de arrecadar cerca de R$ 47 bilhões por ano. No saldo, o governo perderia cerca de R$ 3 bilhões em arrecadação.

Por outro lado, também de acordo com o Made, o sistema tributário nacional ficaria mais justo, cobrando mais dos mais ricos e menos dos mais pobres. Isso reduziria a desigualdade social no país. O índice de Gini, que mede esse problema, passaria de 0,594 para 0,592 – quanto mais perto de zero, menor a desigualdade.

“Ao olharmos uma medida agregada de desigualdade de renda, como o índice de Gini, a queda é relativamente modesta, de 0,2%. Contudo, quando olhamos para grupos específicos, vemos que a combinação de políticas é capaz de gerar uma redistribuição do topo (sobretudo o 0,1% mais rico) para aqueles da parte intermediária-superior da distribuição – isto é, aqueles cuja renda é maior do que a média, mas menor do que a do 1% do topo, algo como um renda mensal entre R$ 1.490 e R$ 29.933”, concluíram os pesquisadores João Pedro de Freitas Gomes, Guilherme Arthen e Guilherme Klein Martins.

Segundo eles, 574 mil pessoas ganham a partir de R$ 600 mil anuais e seriam taxados com o novo imposto. A medida, em compensação, beneficiaria quase 23 milhões que hoje têm renda entre R$ 2,5 mil e R$ 5 mil, e passariam a ser isentas do IR.

Pelos cálculos do Made-USP, considerando a proposta do governo, 92% da população brasileira deixaria de pagar imposto sobre a renda.


Gráfico simula mudança na tributação da população brasileira caso proposta de governo avance / Reprodução/Made-USP

Salário mínimo

O Made-USP também avaliou a proposta do governo que altera a política de valorização do salário mínimo e enquadra o crescimento do piso nacional às regras do arcabouço fiscal. O arcabouço determina que as despesas do governo devem crescer entre 0,6% e 2,5% ao ano, mais o percentual acumulado da inflação.

Com isso, o mínimo, que hoje aumenta também com base no crescimento da economia, tende a subir menos. A regra deve frear a alta do piso já em 2025 e 2026.

O Made-USP ressaltou que o valor do salário mínimo também influencia o pagamento de até 70% dos aposentados brasileiros e todos os beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Considerando isso, limitar o aumento dele tenderia a ampliar a desigualdade no país, já que afetaria principalmente os mais pobres.

O centro simulou o efeito da limitação caso ele estivesse valendo desde o ano 2000. Verificou que a aplicação dela nas aposentadorias aumentaria o índice de Gini em até 3,8% até 2023. Já com a regra valendo sobre o BPC, o aumento seria de 0,75%.

O estudo é assinado por Martins e Gomes, que também assinam a pesquisa sobre os impactos das mudanças no IR.

Corte de gastos

Já um estudo de Lucca Rodrigues, Maria Luíza Cunha e Clara Brenck analisa os efeitos dos cortes de gastos do governo, incluindo as mudanças no salário mínimo, sobre a economia. O trabalho parte do princípio de que o governo pretende reduzir seus gastos em R$ 70 bilhões, sendo R$ 30 bilhões em 2025 e R$ 40 bilhões em 2026.

A pesquisa foi publicada um dia antes de Haddad anunciar as medidas para o corte. Simula os efeitos da redução de despesas realizada de forma distribuída sobre benefícios sociais, supersalários de funcionários públicos e mudanças no salário mínimo – algo que, de certa forma, foi confirmado pelo ministro no dia seguinte.

Segundo os autores, esse tipo de ação tende a reduzir o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nos anos seguintes ao corte e isso afetaria a arrecadação do governo. “A própria adequação à regra fiscal exigiria novos cortes de gastos no futuro”, acrescenta o texto.

O estudo explica que as consequências negativas são esperadas porque o aumento do salário mínimo, das aposentadorias e benefícios sociais têm efeitos mais do que duplicados sobre a economia. Ou seja, a cada R$ 1 real investido neles, gera mais do que R$ 2, considerando o aumento do consumo, da produção e da arrecadação.

Para o Made-USP, o governo deve considerar esses dados ao realizar o ajuste fiscal, já que medidas podem, ao fim, piorar suas contas.

“Destaca-se aqui a importância de o governo adequar os cortes de gastos tendo em vista critérios distributivos e macroeconômicos. Gastos sociais são não apenas redutores de desigualdades, mas também importam significativamente para o crescimento econômico – e, consequentemente, para o próprio espaço fiscal futuro”, alertam os autores.

Edição: Martina Medina