A guerra civil na Síria ganhou manchetes em todo o mundo em 27 de novembro após a rápida e surpreendente ofensiva rebelde que capturou diversas localidades no país, incluindo sua segunda maior cidade, Aleppo.
A ofensiva iniciada em 27 de novembro por opositores do governo de Bashar al-Assad tem potencial para inflamar um já volátil Oriente Médio, no que é considerada uma das maiores "guerras por aproximação" do mundo. E este foi o tema do quinto episódio do podcast de política internacional do Brasil de Fato, O Estrangeiro.
Como uma das saídas para este cenário na era Trump, Bárbara Motta, coordenadora do Observatório de Política Exterior do Brasil (Opeb) aponta uma vinculação entre os conflitos sírio e ucraniano, isto é, a possibilidade de Rússia e EUA negociarem a Ucrânia pela Síria. "A Rússia consolidaria uma nova posição territorial na Ucrânia. Em troca ele retiraria apoio da Síria e, talvez, engaje em um conjunto de pressões para que Assad saia do poder, algo que me parece que os EUA de Trump estariam confortáveis de fazer".
Nos últimos anos, os grupos opositores ao governo de Bashar al-Assad não deixaram de atuar e de se preparar, a despeito da diminuição da temperatura do conflito. Para Motta, o que deve ser levado em conta no debate sobre a Síria o mundo da geopolítica atual. "Os principais aliados do governo Assad, neste exato momento, [estão] com problemas maiores que demandam maior atenção."
Como exemplo, a analista cita a Rússia envolvida com a guerra na Ucrânia, Irã e Hezbollah envolvidos no conflito em Israel. A Rússia, por exemplo, vem demonstrando um poderio armamentista cada vez mais potente na guerra na Ucrânia. E isso faria com que países do continente europeu e EUA tivessem um desejo de envolvimento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) no conflito.
"Engajar a Otan no conflito da guerra na Ucrânia é interiorizar no continente europeu a guerra que, do ponto de vista de consequências mais trágicas, está contida no território da Ucrânia. E uma resposta possível que não compromete a segurança da Europa ocidental, é incentivar um reaquecimento na Síria", explicita Bárbara Motta.
Isso porque este movimento comprometeria os esforços militares russos, que teria que dividir o poder bélico entre o conflito na Ucrânia com a aliança na Síria. "Isso pode fragilizar a disponibilidade militar que a Rússia tenha contra a Ucrânia. E isso contribui ainda mais para drenar o Irã, que é aliado de Assad."
Serguei Monin, correspondente do Brasil de Fato na Rússia, explica a aliança Síria-Rússia a partir da "natureza das relações" entre esses países, que "se arrasta desde a União Soviética". "A União Soviética tinha relações muito próximas com o pai do Assad, então a Síria já era um aliado da Rússia", destaca.
Monin acrescenta que "a Síria ocupa esse lugar muito importante de ser um contrabalanço da influência dos EUA, e do Ocidente de maneira geral, no Oriente Médio". Os territórios sírios são os únicos no mundo que possuem instalações militares da Rússia fora dos antigos territórios soviéticos e do próprio país.
Os interesses estadunidenses
Segundo Bárbara Motta, a atuação dos EUA dentro da guerra civil síria é "um tanto quanto confusa". Isso porque, oficialmente, a presença militar do país "tem como objetivo derrotar o Estado Islâmico, e está suportada juridicamente pela atuação do uso da força".
"Só que a gente sabe que a atuação dos EUA não se restringe unicamente a esse interesse, existem outros componentes." A analista cita como exemplo a possibilidade de mudar o regime governamental sírio, retirando Assad do poder e colocando um regime mais favorável aos interesses dos EUA. Outro interesse seria evitar uma Síria fortalecida na sua região. "Evitar uma Síria forte seria evitar um aliado muito importante tanto para o Irã, quanto para Rússia".
O podcast O Estrangeiro é apresentado por Lucas Estanislau e Rodrigo Durão ao vivo toda quinta-feira às 10 horas.
Edição: Leandro Melito