No plano de governo do prefeito reeleito para 2025-2028, não existe nenhuma meta para novas ciclovia
O colega Caio Guatelli do Ciclocosmo, coluna de ciclismo na Folha de SP, alerta: Prestes a ser inaugurada, ciclopassarela na zona oeste de SP ainda tem falhas de conexão. Respondeu a Secretaria de Mobilidade do prefeito Ricardo Nunes: 'Conexão da futura ciclopassarela com a avenida Faria Lima se encontra em fase de estudos', diz prefeitura
Sinto dizer, querido Caio, mas a passarela por cima do canal do Rio Pinheiros ligando os bairros do Butantã e Pinheiros, que levará o nome de sua saudosa companheira Erika Sallum, vai ter a mesma qualidade e usabilidade de todas as ciclovias e ciclofaixas entregues pelo Exército de Brancaleone que o Ricardo Nunes (MDB) colocou para gerir a pífia expansão do sistema cicloviário. Construída de forma isolada, só está sendo feita pois não atrapalha o trânsito de carros, é bonita de se ver, paga um bom dinheiro para a empresa construtora e liga as duas regiões mais ricas da cidade. Infelizmente, ela não vai ajudar muito a estimular o uso da bicicleta na cidade mais rica da América do Sul.
A nota oficial que você recebeu em resposta à sua questão tem 99% de chance de ter sido escrita, ou aprovada, pelo coordenador do Plano Cicloviário, Dawton Roberto Batista Gaia, funcionário concursado da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) lotado na Gerência de Mobilidade, alçado ao posto em agosto de 2021 pelas mãos do vereador Ricardo Teixeira, primeiro secretário de Mobilidade e Trânsito de Nunes.
E se você leu “estudos” nessa nota, significa que eles não têm nada, pois a expansão cicloviária da cidade está sendo sabotada desde que o atual prefeito assumiu a cadeira do falecido Bruno Covas. Juntos, Nunes, Teixeira e Gaia atuaram para sistematicamente sabotar o cumprimento o Programa de Metas escrito pela equipe de Covas, que previa 300 novos quilômetros até o final de 2024, mas que só foram entregues 47 até o momento, parcos 16%.
Ciclofaixa Dr. Vital Brasil, Butantã, entregue no final de 2023 com acúmulo constante de água / Reprodução/George Queiroz
Meta inexistente
E pior: no plano de governo do prefeito reeleito para 2025-2028, não existe nenhuma meta para novas ciclovias, pois a ideia desse grupo para a mobilidade é fazer túneis caros e obsoletos onde só passam automóveis, esticar 200 quilômetros faixas para motociclistas se matarem em alta velocidade - e depois dizerem que estão contribuindo para a segurança viária - e gastar R$ 5 bilhões em asfalto. Tais ações são totalmente contrárias tanto a cumprir para o Plano de Ação Climática da cidade, que tem uma meta de fazer a bicicleta chegar a 4% do total de viagens diárias até 2030, e que hoje não chegam a 1%, quanto para o Plano de Mobilidade, que tinha meta de chegar a 1.300 quilômetros de infraestrutura exclusiva para bicicletas até 2028.
Hoje, a prefeitura informa que existem 747 quilômetros, contando com as inúteis ciclorrotas, e incluindo aquelas que foram apagadas pelo tempo e nunca revitalizadas.
Assim, a conexão da ciclopassarela com a ciclovia da avenida Brigadeiro Faria Lima que deveria ser feita a partir de uma nova na Rua Butantã vai ser aquela mesma que você viu, ou seja, nenhuma. A única conexão existente no pé da passarela, pela Rua Eugênio de Medeiros, leva para o Terminal de Ônibus de Pinheiros, bem distante da linha do desejo de quem precisa ir para a região central.
Quem vem do fundão do Butantã, como eu, em geral, vai continuar usando o passeio de pedestres da Ponte Eusébio Matoso para alçar a avenida de mesmo nome, um caminho paralelo à ciclopassarela, mas que promove ligação direta da ciclofaixa da avenida Doutor Vital Brasil, com a Faria Lima e Rebouças, sem ter fazer desvios que só vão aumentar o tempo de chegada no destino.
Promessas vazias
Minha opinião e constatação são fundamentadas pelo acompanhamento que faço das reuniões da Câmara Temática da Bicicleta (CTB) e do Conselho Municipal de Transportes e Trânsito (CMTT), instâncias de participação popular criadas no governo Fernando Haddad (PT) que hoje não têm qualquer influência nas decisões da mobilidade da Cidade.
A condução desses encontros que eram presenciais e, depois da pandemia de Covid-19, passaram a ser realizadas pela Internet, fica ao cargo da Secretaria de Mobilidade e Trânsito e o representante do secretário (hoje Gilmar Pereira) é o Dawton Roberto. Na reunião da CTB de 4 de julho de 2023, foi apresentado o projeto da ciclopassarela por uma funcionária da Secretaria de Infraestrutura e Obras (Siurb), pois a obra não é da área de mobilidade. Dawton foi questionado tanto por você, Caio, quanto pelo conselheiro George Queiroz, representante dos ciclistas, sobre as conexões em ambos os lados do rio.
Ele respondeu: “(A conexão está) sendo pensado (sic) para os dois lados; aí acho que isso eu já até perguntei o prazo da obra aí para Antônia (Siurb), para gente ter tempo de fazer um estudo bem legal e poder implantar e na inauguração não ter esse problema dessa conexão. Mas isso aí vai ser resolvido tranquilamente”.
Passado mais de um ano dessa reunião, a tal conexão, como você percebeu, ainda está em “estudos”, ou seja, “tranquilamente” não estudaram nada.
Esses três anos de acompanhamento dessas reuniões têm acontecido ao mesmo tempo em que acompanho a execução de obras de ciclovias de uma concorrência que se arrasta desde 2022. Ambas me tornaram cético quanto a quaisquer promessas realizadas por Dawton roberto. São aguardadas, por exemplo, a finalização da obra da ciclovia da ponte do Jaguaré, que já consumiu R$ 1 milhão, mas nunca foi entregue. Junto com ela, há estruturas paralisadas na rua Alvarenga, avenidas Mutinga, Radial Leste e Carlos Caldeira Filho e ponte da Ponte da Freguesia do Ó.
Os motivos para a não conclusão são geralmente os mesmos e a desculpa mais comum é que vai atrapalhar a fluidez dos carros, como é o caso da Carlos Caldeira, na Zona Sul, em que a CET opera uma faixa reversível para escoar fluxo de automóveis e ônibus mais rapidamente em horário de pico.
Corrupção em Brasília
Enrolar cicloativistas quanto aos prazos ou qualidade da execução do abandonado plano cicloviário paulistano, provavelmente não estivesse nos planos de Dawton. A especialização desse arquiteto que entrou na CET como gestor de trânsito em 1980 é a sinalização semafórica. Ele caiu de paraquedas na gestão cicloviária depois de voltar apressadamente de Brasília (DF) devido ao envolvimento dele em um caso de tentativa de fraude de licitação do sistema semafórico do Detran do Distrito Federal, que foi desmontada pela Polícia Civil e Ministério Público do DF .
No final de 2018, ele foi chamado para compor o gabinete de transição do então governador eleito do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, que venceu a eleição daquele ano. Foi nomeado em 4 de janeiro de 2019 como diretor de Engenharia de Trânsito do Detran, sob protesto do sindicato dos trabalhadores do órgão, que o considerou um alienígena, já que ele, junto com outros dois executivos nomeados, nunca haviam trabalhado para o órgão de trânsito do Distrito Federal. Segundo o blog do Donny Silva, um jornalista local, Dawton até se gabava pela cidade de ser “amigo do Ibaneis”.
A permanência dele no cargo, contudo, durou pouco menos de cinco meses. No dia 21 de maio daquele ano, foi exonerado pelo governador já que, no dia anterior, sua casa no setor de mansões do Lago Norte em Brasília recebeu a visita matinal de policiais e promotores de justiça que estava estavam deflagrando a Operação Blitzkrieg.
Criminoso confesso
A residência e o escritório de Dawton no Detran foram alvos de mandados de busca e apreensão autorizados pelo juízo da 5ª Vara Criminal do Distrito Federal e 48 itens como celulares, documentos e computadores foram confiscados pelos agentes da justiça. Outras quatro pessoas envolvidas com ele, incluindo o diretor-geral, Fabrício Moura, e o diretor comercial do Detran-DF, Gilberto Andrade de Farias, passaram a ser investigados pelo crimes de corrupção passiva e contra a administração pública em geral pela tentativa de fraude em licitação.
A operação policial buscou provas referentes a uma articulação que Dawton participou diretamente dentro do órgão de trânsito da Capital Federal que havia frustrado uma
licitação de manutenção de semáforos de custo de R$ 7 milhões, já em andamento, para dar espaço a outra com valores acima de R$ 100 milhões, e que iria beneficiar uma empresa ligada ao grupo do novo governador no Detran-DF, encabeçado por Fabrício Moura. A intenção era trocar todo o sistema de sinalização do Distrito Federal que era operada pela Sitran, empresa de Belo Horizonte, por uma empresa paulista chamada CLD/Consladel. A formatação de toda a licitação e contratação estava ao cargo de Dawton, segundo constatou a investigação policial.
Com a Operação Blitzkrieg, Dawton deixou Brasília apressado. Trazendo praticamente só a roupa do corpo, voltou para sua casa em Jandira, cidade da Região Metropolitana de São Paulo e reassumiu o cargo de gestor na CET da Capital. Ficou quietinho por mais de um ano, enquanto as investigações em Brasília se desenrolavam, e só voltou para a um cargo de chefia em agosto de 2021, quando assumiu a Gerência de Mobilidade e o cargo de coordenador-geral do Plano Cicloviário por determinação do vereador Ricardo Teixeira, recém-empossado secretário de Mobilidade do Ricardo Nunes. A partir de dezembro do mesmo ano, Dawton assume a secretaria do Conselho Municipal de Trânsito e Transportes.
Lá no Planalto Central, no entanto, o inquérito continuou e ainda que ele não tenha se tornado réu no Tribunal de Justiça, o resultado da investigação deu uma bela manchada na sua ficha corrida. Dawton teve que admitir publicamente a autoria do crime de tentativa de fraude à licitação tipificado no artigo 90 Lei 8666/1993 junto com o artigo 14 inciso II do Código Penal para não responder a um processo judicial. Segundo sentença expedida em 22 de maio de 2022 pela juíza Ana Claudia de Oliveira Costa Barreto da Quinta Vara Criminal de Brasília, ele assinou com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios um acordo de não persecução penal que resultou na suspensão do processo judicial e na extinção da punibilidade.
Com isso, fica ainda mais difícil acreditar em qualquer promessa que ele venha a fazer para ciclistas ou qualquer outro munícipe.
* Rogério Viduedo é jornalista de São Paulo e integrante do Programa de Jornalismo de Segurança Viária da Organização Mundial da Saúde. Cobre as áreas de segurança viária a mobilidade sustentável desde 2016. Em 2018, criou o site Jornal Bicicleta para cobrar autoridades por soluções eficientes para deslocamento da população. Recebeu o Prêmio Abraciclo em 2021 com a reportagem, "Cultura da bicicleta se aprende na escola".
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
Edição: Nathallia Fonseca
