O presidente russo, Vladimir Putin, declarou que o Estado-Maior e o Ministério da Defesa estão atualmente selecionando alvos para ataques com o novo míssil Oreshnik em território ucraniano. A declaração, na última quinta-feira (28), aconteceu em meio a uma séria escalada da guerra da Ucrânia.
Ao participar da cúpula da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), no Cazaquistão, Putin destacou que os centros de tomada de decisão em Kiev podem estar entre os próximos alvos do Oreshnik. De acordo com o líder russo, a Ucrânia tentou repetidamente atacar alvos em Moscou e São Petersburgo.
Putin acrescentou que o sistema Oreshnik é capaz de atingir alvos localizados em grandes profundidades e bem protegidos.
Contexto da escalada
A relação entre a Rússia, Ucrânia e o Ocidente passa por um dos momentos mais tensos desde o início do conflito em 2022. Após os EUA autorizarem a Ucrânia a realizar ataques contra o território russo com armas ocidentais de longo alcance, a Rússia identificou o uso desses armamentos em tentativas de ataques ucranianos realizadas em 19 e 21 de novembro.
Moscou reagiu imediatamente, anunciando o lançamento do Oreshnik, com qual atacou a região ucraniana de Dnipro no dia 21 de novembro.
Em pronunciamento à nação, Putin declarou que o ataque com mísseis de médio alcance contra a Ucrânia foi uma resposta aos ataques com mísseis ocidentais de longo alcance ATACMS e Storm Shadow por parte da Ucrânia.
Durante o discurso, Putin acusou os EUA de "destruírem o sistema de segurança internacional e empurrar o mundo para um conflito global".
Nesta semana, a escalada da guerra manteve seu curso. Na terça-feira (26), o Ministério da Defesa russo confirmou que as Forças Armadas da Ucrânia realizaram dois ataques com armas ocidentais de longo alcance contra alvos na região russa de Kursk. De acordo com o ministério, durante estes ataques, 10 mísseis ATACMS foram destruídos e três atingiram o seu alvo, resultando em vítimas e danos à infraestrutura. Moscou afirmou que “ações de resposta estão sendo preparadas”.
Dois dias depois, nesta quinta-feira (28) a Rússia realizou um ataque massivo com drones e aproximadamente 90 mísseis de vários tipos, atingindo instalações de infraestrutura energética da Ucrânia, levando a cortes de energia em muitas regiões do país. De acordo com Putin, esta ação foi uma resposta aos ataques contínuos ataques de mísseis estadunidenses ATACMS de longo alcance contra o território russo.
Já na madrugada da última quarta-feira, dia 27, a Rússia atacou a Ucrânia com 89 drones. No dia anterior, a Força Aérea Ucraniana relatou que a Rússia havia atacado o país com um número recorde de 188 drones.
Ao comentar sobre as características do novo míssil, o Comandante das Forças de Mísseis Estratégicos Russos, Sergei Karakayev, afirmou que o armamento “possui proteção com alta eficiência desde ataques individuais até ataques em grupo”. “Com base nas tarefas definidas e no alcance desta arma, ela pode atingir alvos em qualquer lugar do território da Europa, o que a distingue favoravelmente de outras armas de precisão de longo alcance”, acrescentou.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a pesquisadora de política russa e doutoranda em Ciência Política da USP, Giovana Branco, afirmou que essa atual escalada do conflito não é mais uma demonstração simbólica de força, mas “uma escalada real e muito preocupante deste conflito”.
“Desde o início da guerra, a Rússia vem ressaltando que caso a Ucrânia utilizasse armamentos ocidentais, principalmente vindos dos EUA, para atingir o território russo, isso seria considerado como uma agressão direta dos EUA à Rússia, ou mesmo dos países europeus à Rússia. E isso poderia fazer com que a Rússia respondesse a esses países também de forma direta”, argumenta.
Ao comentar sobre a novidade do míssil russo Oreshnik no campo de batalha, a pesquisadora observa que a apresentação deste novo armamento representa uma demonstração de força por parte da Rússia tanto do ponto de vista militar, quanto econômico.
“[O míssil Oreshnik] é basicamente utilizado para atingir longas distâncias, mas não é o caso entre a Rússia e a Ucrânia. Então por que ele foi utilizado? Basicamente como uma grande demonstração de força por parte da Rússia, não apenas no quesito militar, mas também no quesito econômico, porque mostra o quanto a indústria bélica russa conseguiu sobreviver e se desenvolver mesmo sob várias ondas de sanções dos países ocidentais nesses últimos dois anos e meio”, afirma.
Na quinta-feira (28), Putin afirmou que a Rússia atualmente tem vários mísseis do tipo prontos para uso e que a produção em massa já havia começado. Anteriormente, o presidente russo havia declarado que o novo míssil estava em um estágio “experimental”.
De acordo com Giovana Franco, os russos, portanto, “deram um grande aviso para o sistema internacional” sobre sua capacidade bélica, “mas também um aviso que a Rússia estaria disposta a elevar o nível do conflito, a torná-lo mais custoso, não apenas para os ucranianos, mas principalmente para os aliados ocidentais”.
De olho na posse de Trump
A decisão dos EUA de autorizar armas de longo alcance contra a Rússia acontece em meio à saída da administração de Joe Biden da Casa Branca. O movimento é encarado como uma última cartada do presidente democrata antes de deixar o poder, como uma forma de dificultar a vida do republicano Donald Trump, caso ele busque enfraquecer o apoio à Ucrânia.
De acordo com o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, os EUA buscam agravar a situação a um nível em que as possíveis tentativas de paz já estejam fadadas ao fiasco.
Para a pesquisadora Giovana Franco, apesar da escalada do conflito neste momento, a possibilidade de que exista algum tipo de negociação no futuro não está descartada, considerando as reiteradas posições de Trump de querer buscar uma resolução do conflito, mesmo que seja um processo desfavorável para os interesses ucranianos.
Para a analista, há uma possibilidade de Trump, ao assumir a Casa Branca, não permita mais que a Ucrânia utilize armamentos dos EUA para atingir o território russo.
“Ainda assim, mesmo que esse processo de negociação venha a acontecer no próximo ano, ou ao longo do mandato de Donald Trump, isso não quer dizer que a Ucrânia vai estar satisfeita e que os seus objetivos terão sido atingidos nesse processo de negociação. Pode ser que a gente também observe uma grande separação entre os ucranianos e os norte-americanos, na medida em que, talvez a Ucrânia ainda queira continuar este conflito, no momento em que ela não conseguiu assegurar os seus objetivos, sobretudo territoriais, e os EUA talvez queiram abandoná-la ou, pelo menos, limitar bastante a sua atuação no campo de batalha”, completa.
Edição: Felipe Mendes