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'Não abro mão de aproveitar o espaço que eu tenho na mídia para defender o que acredito', afirma Zezé Motta

Símbolo de luta, representatividade e inspiração, artista fala sobre sua trajetória e arte como resistência ao racismo

Ouça o áudio:

Bem Viver traz uma conversa especial com a multiartista, Zezé Motta. - Divulgação
Não desisto nunca do sonho de ver um mundo melhor, sem discriminação e desigualdade

Com oito décadas de vida e uma carreira repleta de marcos, atriz, cantora e militante incansável,  Zezé Motta segue desafiando limites, provando que o tempo só amplia sua potência e relevância.

Aos 80 anos, Zezé comemora conquistas como o título de doutora honoris causa pela Fiocruz e sua estreia nas passarelas do São Paulo Fashion Week. “Eu recebi o convite muito emocionada, muito feliz e orgulhosa de mim mesma. Estar com saúde, ativa e de bem com a vida aos 80 anos é uma bênção”, celebra em entrevista especial ao Bem Viver, programa do Brasil de Fato, na edição desta quarta-feira (20), Dia Nacional da Consciência Negra.

Como uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado (MNU), ela foi testemunha e protagonista de mudanças significativas na sociedade brasileira. “Eu tive a honra de participar da conquista do 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, como feriado nacional. Isso é resultado da perseverança de tantas pessoas, como Ruth de Souza, Grande Otelo e Milton Gonçalves”, relembra.

Zezé também fala sobre os desafios enfrentados por sempre dar voz às suas crenças e causas, mesmo quando isso resultou em críticas. “Cheguei a ler em colunas que eu fazia ‘racismo ao contrário’ por falar sobre a questão do negro no Brasil. Mas passei por isso com tranquilidade, sabendo que estava no caminho certo”, afirma.  

Sua versatilidade artística foi outra marca de sua carreira, transitando entre teatro, TV, cinema e música. “Eu acredito que todos nós temos uma missão neste planeta. Sou muito grata a Deus e ao público, que sempre me apoiou e me permitiu realizar os meus sonhos”, diz Zezé. 

Com sabedoria e lucidez, ela reflete sobre o futuro: “Não desisto nunca do sonho de ver um mundo melhor, sem discriminação, desigualdade e racismo. É isso que me mantém de pé.”  

Confira a entrevista na íntegra:

Você acabou de chegar aos 80 anos, oito décadas de vida, e está cada vez mais ativa, com muitas conquistas. Como foi essa passagem especial para a senhora?

Muita emoção e muita gratidão. Eu tenho agradecido a Deus todos os dias por essa existência longeva. 80 anos são 80 anos. Muita coisa boa aconteceu na minha vida. Então sou muito grata por isso e procuro me comportar de jeito, ter uma vida de jeito que eu continue sendo merecedora de estar aos 80 anos com vida, com saúde, com atividades. 

Mas, Zezé, mesmo com 80 anos e já tendo feito quase tudo que se podia fazer dentro da arte, você segue com várias conquistas. Recebeu, por exemplo, o título de doutora honoris causa da Fiocruz. Recentemente, também desfilou pela primeira vez no São Paulo Fashion Week. Queria te ouvir um pouquinho sobre essa conquista de desfilar no SPFW, como foi, e como esse convite chegou. Por que demorou tanto para acontecer?

Eu acho que tudo tem seu tempo. Eu acho que não aconteceu antes porque não estava na hora e recebi o convite muito emocionada, muito feliz, orgulhosa de mim mesma e muito grata, como eu já disse, por estar com saúde, em atividade e de bem com a vida aos 80 anos. 

Você sempre militou e esteve ativa, seja interpretando seus papéis ou falando ao público. Ao longo desses anos de atuação na arte, você percebeu diferença na recepção do público com o discurso sobre combate ao racismo? Hoje é mais fácil falar sobre isso do que há 50 anos?

Sem dúvida. Eu sou testemunha desta história e não só sou testemunha, como eu tive a honra de ter participado, de ter sido uma das fundadoras do movimento negro e uma das pessoas que torceu muito para que a gente conseguisse essa conquista de ter o 20 de novembro, dia de Zumbi dos Palmares, como um feriado que agora é nacional. 
 
E essa sua participação, de ter fundado o movimento negro e sempre dado a cara a tapa, de alguma maneira prejudicou sua carreira? Chegou a ser objeto de censura para a sua trajetória? 

Olha, a lembrança que eu tenho nessa ocasião é de um empresário meu, que já não está entre nós, saudoso Guilherme Araújo. Ele ficava preocupado com todas essas questões no sentido de que eu perdesse patrocínio, de que fosse mal interpretada como realmente chegou a acontecer de eu ler em alguma coluna de que eu estava fazendo racismo ao contrário, falando sobre essa questão, é do negro no Brasil. 
 
Mas eu passei por isso com tranquilidade, sabendo que estava no caminho certo. 

A religião é outro ponto em que você sempre se posicionou. Você sente que falar sobre a pluralidade e o sincretismo religioso no Brasil, principalmente em relação às religiões de matriz africana, foi um passo importante para educar a população? 

Eu espero que sim, porque realmente eu não abro mão de aproveitar o espaço que eu tenho na mídia para falar sobre as coisas que eu acredito. E essa questão da diversidade, da fé, da religião, enfim, esse direito que cada ser humano tem de praticar a sua fé, de seguir um caminho espiritual em que ele acredita. Enfim, tem o direito de praticar a sua espiritualidade, viver a sua espiritualidade de acordo com a sua crença. 
Eu acho que tem que ser respeitado mesmo. 

Você conquistou diversos espaços: TV, cinema, rádio, teatro, plataformas de música. Para cada pessoa, Zezé Motta pode ser lembrada por algo diferente. Essa versatilidade foi algo natural ou você precisou conquistar o direito de se manifestar em tantas áreas?

Para mim, sempre foi natural, porque eu acredito que todos nós temos uma missão nesse planeta. Então todas essas conquistas eu acho que fazem parte da minha missão. Mas eu agradeço a Deus todos os dias por isso.  

Sou muito grata a todas as pessoas que apostaram em mim, sou muito grata a todas as pessoas que me acompanham, que me dão apoio, como é o caso do meu público, que comparece para assistir meus filmes, novela ou show, como cantora. Eu sou muito grata sempre ao público por isso e a Deus, porque eu acredito que nem todas as pessoas têm o privilégio de realizar seus sonhos, como aconteceu comigo. 

Eu recebo muitas mensagens de meninas mais jovens do que eu, que eu sou menina idosa, dizendo que o fato de ter dado tudo certo pra mim e que conhecem o quanto eu lutei por isso e o fato de eu ter conquistado todos esses espaços é uma inspiração para que elas também façam sua carreira.  

E eu recebo só de jovens que querem fazer uma carreira artística. Eu recebo mensagens de jovens, geralmente negras, de vários segmentos, enfim, vários jovens que têm um sonho. Isso me deixa muito feliz. 

Qual desses meios, entre TV, cinema, música e novelas, você acredita que conseguiu mais se aproximar o público e, principalmente, levar essa mensagem que você fala, que não abre mão de comunicar todas as vezes que tem a oportunidade? 

No início da minha carreira eu fazia só teatro, depois veio a televisão e depois o cinema. Sem dúvida nenhuma que quando fazia só teatro, ele não era um artista popular, porque o teatro tem um público limitado, não são todas as pessoas que têm esse privilégio, não é? É uma coisa cultural, enfim. 
 
A televisão eu acho que foi o veículo que que mais facilitou a minha vida e o cinema também, por conta do sucesso dos filmes que eu fiz, principalmente, o Xica da Silva, e a televisão, por conta das novelas, é uma coisa que faz parte da nossa cultura, nós brasileiros somos majoritariamente noveleiros. 

E a vontade prosseguir nas novelas ainda está por aí? 

Eu já fiz bastante novelas e prefiro agora participar de projetos mais curtos, assim, especiais. Agora mesmo eu acabei de gravar o quarto episódio de Arcanjo Renegado, do J. Júnior, que eu tenho honra de participar desde o primeiro e é mais tranquilo porque, por exemplo, eu tive a gravação essa semana e eu moro no Rio, já estou em São Paulo para receber uma homenagem. 

Então fica mais fácil mesmo. 

Falando sobre o combate ao racismo, quem foram seus professores e referências? Você fez um curso com Lélia Gonzalez, certo?

Eu sempre digo que Lélia Gonzalez foi minha guru, porque eu tinha consciência de que tínhamos um problema a ser discutido e a ser resolvido no Brasil, que é a questão do racismo. Mas eu não tinha um discurso preparado para isso. E quando eu li no jornal que Lélia ia ministrar um curso de cultura negra e falei, “Ah, a minha salvação para que eu fale sobre o assunto com propriedade”. Então eu corri, acho que fui uma das primeiras a me inscrever no curso e foi uma coisa boa pra mim. Tive o privilégio de ter sido aluna, amiga e irmã de Lélia Gonzalez. 

E no meio artístico eu tive a inspiração dos que vieram antes de mim. Grande Otelo, que foi perseverante na carreira, Ruth de Souza, Léia Garcia, da Chica Xavier, Zózimo Bulbul, Antônio Pitanga, que é meu contemporâneo, mas começou antes de mim com Glauber Rocha. Tudo isso me ajudou a pensar: “Eu também posso!” 

E como que você vê essa nova geração hoje, de pessoas que se inspiram justamente na sua trajetória? 

Quando eu encontro pessoas mais jovens como Isabel Fillardis, Taís [Araújo], Erika Januza e vários outros jovens, eles me perdem a bênção e tudo. Tenho dito que eu virei uma entidade. E eu fico muito emocionada com tudo isso. 

Falar sobre o combate ao racismo hoje é mais fácil que 50 anos atrás. Eu queria voltar essa questão para te ouvir mais: a que você atribui essa conquista? Para onde a gente precisa olhar para conseguir entender que nesse 20 de novembro de 2024, a gente conseguiu avançar tanto? 

Eu acho que foi uma questão de perseverança de todas as pessoas que tiveram essa preocupação de combater o racismo. Isso é resultado de uma luta de Milton Gonçalves, de Grande Otelo, de Ruth de Souza, Chica Xavier, enfim, de todas as pessoas que vi. 

A gente está acompanhando aí a história recente do Brasil e vendo verdadeiras atrocidades, ameaças de retrocesso no que direito, no que diz respeito a direitos constitucionais da população, não só na questão é do combate ao racismo, mas também no direito das mulheres, tantas questões. Qual que é o segredo, Zezé, para, ao longo de 80 anos se manter com essa lucidez política e conseguir indicando caminho certo, mesmo depois de já ter passado por tanta coisa e já visto tanta coisa acontecendo no Brasil? 

Porque essa luta é uma das prioridades na minha vida. Não desistir nunca do sonho de ver um mundo melhor. E, sem dúvida nenhuma, um mundo sem discriminação, sem desigualdade, sem racismo pode ser muito melhor. 
 
E o Brasil vai avançando nesse sentido? 

Sem dúvida. O Brasil é nossa luta é o nosso sonho e não podemos desistir. 

Existe alguma coisa que ainda falta para a senhora conquistar? Tem mais alguma coisa que você vislumbra aí quem sabe nos próximos anos? 

Eu vivo me perguntando isso. Quando eu desfilei no São Paulo Fashion Week, a primeira coisa que eu pensei depois do desfile é que não tem nada, alguém, eu pensei: "O que está faltando agora?" 

Eu tive quando jovem uma experiência que foi dirigir um grupo de teatro amador que eu fui convidada, agora me escapou da memória o nome. Eu disse ao grupo de teatro que me convidou: “olha, eu não posso aceitar esse convite, porque direção não é a minha praia”. E a resposta deles foi: “mas temos certeza que sob seu olhar, com a sua supervisão, o nosso produto vai ficar muito melhor do que esse. Se nós embarcarmos, não é embarco sem Leme”. 
 
E aí eu acabei topando fazer a direção. Foi uma coisa prazerosa, foi sofrido, porque você cria uma expectativa muito grande e você torce muito. Então na estreia foi muito sofrido, porque você fica roendo as unhas e torcendo para que tudo dê certo, que nada falhe, que ninguém esqueça o texto, que a iluminação seja perfeita, que todo mundo troque de roupa em tempo de chegar lá de cima. 

É uma experiência meio delicada, mas muito prazerosa quando dá certo. Então, quem sabe? Quem sabe ainda vão investir em direção? 

Na política não, Zezé? 

Não, nem pensar. Eu realmente acredito que cada um nasce com um dom e uma missão. Graças a Deus eu estou cumprindo a minha, na medida do possível, com dignidade. 
 


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Edição: Nathallia Fonseca