EFEITO EMANCIPADOR

'Quem é contra a PEC ou não trabalha ou é o explorador' afirma Jorge Souto Maior sobre o fim da escala 6x1

Mobilização popular leva discussão sobre a diminuição da carga horária máxima permitida no país

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O movimento Vida Além do Trabalho (VAT) defende o fim da escala 6x1 - Divulgação/VAT
A economia deve servir ao bem-estar das pessoas, e não o contrário

A proposta de emenda constitucional (PEC) que visa extinguir a escala de trabalho 6x1 no Brasil provocou intensos debates no Congresso e nas redes sociais. De autoria da deputada federal Erika Hilton (Psol-SP), a iniciativa foi inspirada no movimento Vida Além do Trabalho (VAT), criado pelo vereador eleito pelo Rio de Janeiro, Rick Azevedo, também do Psol. A proposta, que prevê a redução da jornada para 36 horas semanais distribuídas em quatro dias, tem como objetivo melhorar a qualidade de vida da classe trabalhadora.

"Os capitalistas se deram conta que não dá pra manter esse padrão de exploração, porque eles não podem matar a galinha de ovos de ouro que é a classe trabalhadora", destacou João Pedro Stedile, líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ao analisar a relevância da PEC.

Para o jurista e professor Jorge Luiz Souto Maior, ex-desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, a mudança é urgente. "O que essa PEC está propondo é um avanço necessário. No Brasil, o limite constitucional de 44 horas semanais, que deveria ser um teto, se transformou em regra mínima, com trabalhadores frequentemente obrigados a ultrapassar esse limite, realizando horas extras sem a devida compensação", afirmou.

Além de aliviar a sobrecarga dos trabalhadores, a proposta busca restabelecer o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Souto Maior ressaltou que, atualmente, muitos trabalhadores enfrentam jornadas superiores a 10 horas por dia, quando considerado o tempo de deslocamento e intervalos obrigatórios. "Ao fim de um dia de trabalho, o que resta ao trabalhador é apenas o cansaço", pontuou.

Stedile trouxe uma perspectiva histórica ao debate, destacando como a resistência a mudanças sociais no Brasil segue uma lógica que favorece poucos e perpetua desigualdades. "Se continuarmos a priorizar a economia sobre as pessoas, perpetuamos um modelo que favorece poucos à custa do sofrimento de muitos", afirmou, comparando a situação atual ao atraso na abolição da escravatura.

O episódio desta sexta-feira (15) do podcast Três por Quatro, produzido pelo Brasil de Fato e apresentado por Nara Lacerda e Nicolau Soares, também contou com a análise da Cristina Vieceli, economista do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudo Socioeconômicos (Dieese).

A PEC que propõe o fim da escala de trabalho 6x1 já ultrapassou as 171 assinaturas necessárias para avançar no Congresso, e tornou-se o símbolo de um momento de repactuação social e política. Segundo Vieceli, ela representa uma oportunidade para criar um modelo de trabalho mais digno e humano. "A economia deve servir ao bem-estar das pessoas, e não o contrário", concluiu.

Agora, a proposta segue para tramitar na Câmara dos Deputados. Se aprovada, passará ainda pela apreciação do Senado. Apesar de "todos os indicadores levarem a crer que [a readequação proposta por Erika Hilton] aumenta a produtividade do trabalho", como salienta Stédile, e de que "se a gente reduz a jornada, a gente tem um aumento da qualidade de vida da classe trabalhadora", como sublinha Vieceli, a parcela da extrema direita que compõe a bancada de deputados vem se opondo a uma possível redução de jornada.

A luta pela redução da jornada e os riscos da apropriação conservadora

Encabeçado por Rick Azevedo (Psol) o movimento Vida Além do Trabalho (VAT) ganhou notoriedade, inicialmente, no mundo digital, por meio das redes sociais do agora parlamentar, que à época era um trabalhador em escala 6x1. O engajamento de seus seguidores, que também discordam da escala de trabalho com apenas um dia de folga semanal, fez o movimento alcançar expressividade nacional e chegar à deputada Erika Hilton, que levou a proposta de alteração à Constituição adiante.

Com discussões em alta nas ruas, nas redes sociais e no Legislativo, a iniciativa marca um importante passo para redefinir as relações de trabalho no Brasil, mas sobretudo, tem "uma potência emancipatória para os trabalhadores", como destaca Souto Maior. 

Stédile relembra que as melhorias propostas por Rick e endossadas por Hilton evidenciam não apenas a urgência de medidas em prol do trabalhador, mas também mostram relevância dos movimentos progressistas, historicamente conhecidos pelo seu poder de influência "casa em casa".

Apesar da crescente adesão à proposta, Souto Maior alertou para a necessidade de atenção quanto ao apoio de setores conservadores à PEC. "Quem é contra [a PEC] ou não trabalha, ou então é o explorador, mas também não podemos permitir que a direita use o apoio como moeda de troca para contrapartidas que enfraqueçam o alcance da proposta", advertiu.

Stedile reforça a importância da mobilização popular para garantir que a PEC mantenha seu caráter progressista e não seja apropriada por interesses conservadores. "A esquerda tem que se preocupar com o trabalho de base. Na história da humanidade, todas as conquistas sociais só aconteceram fruto da mobilização popular", afirmou.

Souto Maior também alerta como a direita pode futuramente imputar ou sugerir "lógicas de compensações" aos trabalhadores caso a PEC seja aprovada. Ele ressalta a importância de destacar que a redução da carga horária do trabalhador é um movimento progressista e que, mesmo com a adesão praticamente coercitiva de uma parcela conservadora do Congresso, nenhum crédito deve ser atribuído aos parlamentares tradicionalistas pelas medidas em favor da saúde e do bem-estar dos trabalhadores.

Redefinindo o futuro do trabalho no Brasil

Embora empresários afirmem que a redução da jornada poderia aumentar custos, estudos internacionais apontam o contrário. A economista do Dieese explicou que experiências em países como o Reino Unido mostram que jornadas menores elevam a produtividade e reduzem casos de esgotamento.

"O número de trabalhadores que trabalha mais de 40 horas semanais no Brasil gira em torno de 79,5%. É muita gente. A grande maioria dessa classe trabalhadora está alocada nessas jornadas", destacou.

Viaceli argumenta que o Brasil pode adotar uma transição gradual, como ocorreu em Portugal, para facilitar a adaptação de micro e pequenas empresas. Ela também defendeu que a redução da jornada pode trazer benefícios fiscais, ao reduzir custos relacionados a doenças ocupacionais e aumentar a arrecadação previdenciária por meio da criação de novas vagas de trabalho. 

"[É possível] fazer as mudanças paulatinamente, realizar as adequações dessa forma para que os empresários não tenham uma mudança muito abrupta. Há várias estratégias que podem ser traçadas", ilustra Vieceli.

Um mudança na escala dos trabalhadores também pode favorecer os empregadores e os caixas públicos. Além da diminuição no índice de desemprego gerado pelo aumento da demanda no mercado de trabalho, uma elevação no número de trabalhadores "geraria efeitos muito positivos, inclusive previdenciários, já que a Previdência Social é financiada pelos trabalhadores na ativa", destaca Vieceli.

Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país e do mundo.

Edição: Thalita Pires