Corpos negros

Brasília (DF) é a primeira cidade a receber exposição sobre pesquisadores negros na astrofísica

Cientistas falam sobre a sub-representação na ciência e a importância do reconhecimento para crianças e adolescentes

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Projeto em exibição no Planetário fala de forma lúdica sobre estrelas luminosas e raios cósmico - Foto: Gilearde Gomes Ascom/MCTI

Antigamente, uma das grandes questões da física era solucionar um problema teórico conhecido como “radiação de corpos negros”. As tentativas de solucionar essa questão só vieram com a Mecânica Quântica. Atualmente, a comunidade científica persegue outra questão envolvendo "corpos negros": a sub-representação de pessoas negras nas ciências e nas pesquisas.

Vivendo essa realidade, três pesquisadores brasileiros resolveram criar a exposição intitulada “Astrofísica dos Corpos Negros”. Com objetivo de apresentar temas importantes da área, o astrofísico Alan Brito, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); e as astrofísicas Eliade Lima, da Universidade Federal do Pampa (Unipampa); e Rita dos Anjos, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) estabelecem uma nova perspectiva sobre a ciência e seus protagonistas.

A iniciativa busca conscientizar sobre a desigualdade étnico-racial e de gênero no meio científico e na sociedade, ao mesmo tempo, em que incentiva jovens cientistas, destacando a trajetória de astrofísicos e astrofísicas negros brasileiros. Temas fascinantes da astrofísica, como nebulosas, aglomerados estelares, gigantes vermelhas e raios cósmicos, serão explorados de forma envolvente.

O pesquisador e professor Alan Brito, conta, ao Brasil de Fato DF, que a ideia era criar a exposição com base nas histórias dos acadêmicos. “A gente queria fazer uma exposição que trouxesse as experiências de astrofísicos e astrofísicas negras e negros no Brasil, a partir da ideia da descolonização da ciência e trazer representatividade e representação positivas de modelos negros nessa área, onde há uma sub-representação de corpos negros”, destaca.

A exposição foi concebida a partir de um artigo que o pesquisador publicou, em 2020, na revista Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, que debate a sub-representação e ausência de corpos negros na física. Depois, a exposição ganhou corpus ao ser submetido em uma chamada pública do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para projetos de divulgação cientifica.

O conteúdo da exposição é organizado através do Diagrama Cor-Magnitude, um gráfico amplamente utilizado em pesquisas astrofísicas. Cada seção do diagrama apresenta tópicos interligados, permitindo que os visitantes acessem informações de maneira independente. Ao explorar um tópico, o usuário encontrará materiais de divulgação científica, perfis de pesquisadores brasileiros e experiências em realidade virtual (Experiência RV), projetadas especialmente para enriquecer a interação.

Em exibição


Planetário de Brasília recebe exposição de astrofísicos negros / Foto: Paulo H. Carvalho/ Agência Brasília

Dividida em duas, uma exposição online e outra presencial, a capital federal foi escolhida como a primeira cidade a receber a iniciativa, uma vez que ela possui caráter itinerante. Isto porque, neste mês, foi realizada a 21ª Edição da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, principal evento de divulgação científica do Brasil. Com isso, a prévia da exposição foi realizada no evento. 

"A exposição foi inaugurada virtualmente e com os óculos, mas vamos nos deslocar pelo Brasil, levando essa exposição em diferentes lugares, escolas, museus, planetários e observatórios", conta Alan. “A gente resolveu começar a exposição durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia porque tem muita visitando, são milhares de pessoas por dia.”

Para a exposição física, as histórias dos três idealizadores foram transformadas em uma animação, pelo artista Camilo Martins, apresentadas na SNCT. A professora, coordenadora e uma das idealizadoras da exposição, Eliade Lima, conta que as ilustrações foram transformadas em realidade virtual, e a partir do uso de óculos apropriado, é possível acompanhar as trajetórias.

Na ocasião, a iniciativa foi presentada para diversos estudantes da Educação Básica de escolas públicas e ao público em geral. Rita dos Anjos, também docente e uma das idealizadoras da iniciativa, conta que o foco foi, de fato, as crianças para que elas pudessem se enxergar na ciência produzida no Brasil.

“Com a exposição, de repente, elas se deparam com um universo de pesquisadores das histórias sendo negros e negras, o que já causa um certo impacto”, diz a pesquisadora. “Se formos pensar na nossa população, metade é mestiça. Então, imagina uma menina mestiça olhando para exposição, é uma oportunidade dela se enxergar ali.”

A exposição "Astrofísica dos Corpos Negros" também está disponível para o público no Planetário de Brasília. O projeto pode ser visitado até o dia 28 de dezembro no Planetário, localizado no Eixo Monumental, das 7h às 19h30, de terça a domingo.

Quem você vê?

Ao fechar os olhos e ser questionado sobre uma figura cientifica, quem você imagina? Se a imagem foi de um homem branco, normativo e de jaleco, a exposição propõe romper justamente essa ideia. Com objetivo de representar uma oportunidade única de aprendizado e reflexão, a exposição encorajando a nova geração de cientistas a se ver refletida nas histórias e conquistas de seus predecessores.

A professora Eliade Lima conta que a importância da exposição veio através de sua experiência pessoal. "Eu não tive cientistas negros como referência na minha infância e, tampouco, na minha vida acadêmica. Nunca tive professores negros em física; apenas tive contato com uma professora de matemática do departamento de Matemática da minha universidade, na Bahia", conta a pesquisadora.


Idealizadores da exposição, Alan Brito e Elaide / Foto: Reprodução/Arquivo pessoal da exposição

"O que tenho percebido, por exemplo, na experiência da Semana Nacional, é como as pessoas, especialmente crianças e adolescentes, ficam felizes e se reconhecem. Temos alguns depoimentos de pessoas dizendo: 'Nossa, eu não sabia que havia tantos astrofísicos negros'. Isso, que consideramos pouco, surpreendeu-os, e eles pensaram na possibilidade de que também podem seguir esse caminho", completa.

Dados sobre raça e cor só começaram a ser coletados pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) a partir de 2017 . Em um levantamento realizado em 2020, foram coletados dados relacionados aos titulados em instituições públicas e privadas pela plataforma Sucupira. 

Conforme autodeclaração de raça e cor, nos programas de pós-graduação stricto sensu, dos  80.1115 diplomados, foi possível identificar que:  2.746 de cor preta; 9.909 de cor parda; 508 de cor amarela; 154 da raça indígena e 30.818 de cor branca, 10.772 não declararam e 25.208 não há informação.  

Para Eliade, na academia e em todos os espaços, os corpos negros estão presentes. Eliadne explica que pesquisadores negros que estão tentando ocupar espaços que "não foram pensados para as pessoas negras", como as universidades, centros de pesquisa, instituições e o governo.

“Esses são espaços que, no imaginário da população em geral, não são destinados a pessoas negras, devido ao racismo que enraizou e a ideia de que apenas pessoas brancas ocupam posições de poder. Por isso, quisemos mostrar que existem pesquisadores negros e quais são as pesquisas que eles realizam. Na verdade, é uma exposição de astronomia e astrofísica em que trazemos temas dessas áreas e relacionamos com os pesquisadores negros que os estudam”, explica a pesquisadora.

Com isso, a "Astrofísica dos Corpos Negros" ajuda a refletir sobre questões como o surgimento das estrelas e os elementos que constituem a natureza, ao mesmo tempo que lança luz sobre atravessamentos sociais que impactam até hoje os acessos à ciência e à qualidade de vida.

Alan Brito afirma que a importância da exposição é no sentido de construção de outros modelos, para trazer outras histórias para uma ciência que é predominantemente masculina, branca, hétero, cis-normativa.

"É no sentido também de trazer para crianças negras para meninas e meninos negras a possibilidade de sonhar em ser um astrofísico ou astrofísica, porque essas formações elas não estão dadas para essas pessoas, é muito cedo na escola na família na sociedade assim diferentes contextos e ambientes sociais é dito muito cedo para crianças negras que esses não são os lugares delas", diz o astrofísico.


Astrofísica dos corpos negros / Foto: Reprodução/Arquivo pessoal da exposição

A pesquisadora Rita dos Anjos explica a importância de divulgar a ciência feita pela população negra dentro da grande área que é astronomia. Para ela, a exposição faz isso e, ao mesmo tempo, divulga quem está fazendo essa pesquisa em termo de diversidade. "Todos nós da mostra somos pesquisadores e pesquisadoras negras. Olhando a história do Brasil, conseguimos ascender, enquanto movimento, nos últimos anos.”

"Hoje, se você observar os pesquisadores sêniores da CNPq, que buscam produtividade A, poucos pesquisadores negros estão lá. Então, a ideia da exposição é chamar atenção desses corpos negros na ciência e chamar atenção para nossa área acadêmica", pontua.

Exposição Astrofísica dos Corpos Negros

Data: de 13 de novembro a 28 de dezembro

Local: Planetário de Brasília 

Horário: Terça a domingo, das 7h às 19h30

Entrada gratuita

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Fonte: BdF Distrito Federal

Edição: Flávia Quirino