Rio de Janeiro

O QUE ESTÁ EM JOGO?

Por que o governador Cláudio Castro odeia a ADPF das Favelas?

Prioridade do governo no orçamento público é a execução e expansão de uma política de morte

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Desde o primeiro semestre de 2020 a 2024, ocorreram 4.386 operações policiais apenas na Baixada Fluminense - Junior Lima @xuniorl

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635 materializa um antigo anseio das favelas e periferias: o controle da letalidade policial, a discussão da implementação de uma forma de policiamento que não seja exclusivamente os conflitos armados em ruas, vielas e becos dos territórios negros da cidade.

Ao contrário de outros dispositivos jurídicos, a ADPF 635, popularmente conhecida como a ADPF das Favelas, é protagonizada por movimentos sociais, coletivos e organizações sociais diretamente impactados pela atual política de segurança pública do Rio de Janeiro. 

A resistência do governo do estado em não aderir às decisões da liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) apenas reitera uma opção política deste estado em promover o genocídio do povo negro sob o argumento do enfrentamento ao combate às drogas. Esta posição apenas resulta em encarceramento em massa da população negra e promoção de terror armado em áreas periféricas e faveladas. 

Com a proximidade do julgamento do mérito da ADPF 635 no STF, previsto para o dia 13 de novembro, o governador tem sistematicamente solicitado a derrubada das liminares do próprio STF em favor à ADPF das Favelas sob o argumento do impedimento da atuação policial.

A medida é vista com preocupação por organizações como a Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJRacial) que identificou, desde o primeiro semestre de 2020 a 2024, a ocorrência de 4.386 operações policiais apenas na Baixada Fluminense. Essas operações policiais resultaram em 230 pessoas assassinadas, 383 pessoas feridas e/ou baleadas e 3.349 pessoas presas.

Esses números demonstram que o governador Cláudio Castro (PL) utiliza com bastante intensidade o argumento de operações policiais de excepcionalidade e não apresenta nenhum resultado efetivo de combate a violência.

Por isso questionamos: quanto custa aos cofres públicos uma operação policial? Operações estas que produzem apenas mortes, feridos e leva ainda mais insegurança aos territórios negros. Quem ganha quando o estado escolhe direcionar seus recursos para uma política irracional e genocida, enquanto vemos escolas, hospitais, equipamentos de cultura e lazer extremamente sucateados e abandonados pelo poder público?

Pensar no desinvestimento das polícias pode ser um caminho ainda pouco fomentado para construirmos uma política de controle da violência policial que, diante da barbárie estatal, pode colaborar com a preservação da vida preta, pobre, favelada e periférica.

Precisamos repensar o modelo atual de segurança pública, que utiliza 15% do total do orçamento público, equivalente a R$ 19,3 bilhões, um aumento de R$ 1,4 bilhões em relação ao ano anterior. A prioridade do governo no orçamento público é a execução e expansão de uma política de morte através do aumento da militarização da vida e o investimento em armamentos bélicos, estamos assistindo à continuidade de uma política de produção de morte por parte do estado.

O ineditismo da ADPF 635 é justamente pensar em outras formas de policiamento, controle da letalidade policial por uma política pública baseada em investigações, inteligência e com a participação popular. Defender os avanços da ADPF das Favelas significa construir outros caminhos para combater a violência que não sejam estruturados no racismo e nem no controle e vigilância de corpos pretos.

*Fransérgio Goulart e Giselle Florentino são diretores executivos da Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial, organização Amicus Curiae da ADPF das Favelas.

**Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha do editorial do jornal Brasil de Fato RJ.

Edição: Jaqueline Deister