Às vezes, quando o remédio chega, chega tarde e não dá tempo de salvar a pessoa
Para enfrentar a crescente judicialização do acesso a remédios de alto custo, é preciso organizar processos no próprio Sistema Único de Saúde (SUS). O Brasil carece de uniformização da assistência farmacêutica nos territórios, prazos bem definidos para o fornecimento de medicamentos e atualização na incorporação de tecnologias.
As percepções são defendidas pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), que participou do debate sobre o tema no Supremo Tribunal Federal (STF). Em decisão recente, a corte definiu critérios que precisam ser cumpridos para que um medicamento, que não esteja na lista do SUS, seja fornecido por decisão judicial.
É preciso comprovar que o medicamento foi negado pelo SUS e que não existe outro produto que possa substituir o solicitado. O consenso científico sobre segurança e eficácia e o laudo de que o remédio é indispensável para o tratamento da doença também são obrigatórios. Além disso, pacientes precisam provar que não têm condições financeiras para adquirir a substância.
Em conversa com o Podcast Repórter SUS, a coordenadora adjunta da Comissão Intersetorial de Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica do Conselho Nacional de Saúde (CICTAF/CNS), Priscila Torres, afirma que a decisão do STF, apesar de importante para a organização do sistema, é um reflexo da necessidade de fortalecer o SUS.
"Nós precisamos que os municípios sejam fortalecidos pelos conselhos municipais de saúde e não por conchavos políticos. Que a participação do controle social seja fortalecida nos territórios. Temos exemplos de judicialização para pessoas pré-diabéticas. Precisamos olhar a nossa assistência do SUS. Será que todas as pessoas judicializadas realmente deveriam estar sendo judicializadas?"
Priscila Torres representou o CNS na comissão especial convocada pelo STF para debater o tema. Ao Repórter SUS, ela destacou a importância da participação popular na discussão. "Essa decisão do STF traz uma necessidade urgente de todos os usuários do país estudarem o SUS, ampliarem sua participação social nos ambientes de decisão do Sistema Único de Saúde. Porque não há nada por nós sem nós."
A especialista também ressaltou a criação de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas que atendam às necessidades da população brasileira como passos urgentes nesse processo e na garantia de igualdade de acesso no SUS.
"Nós temos que parar de incorporar medicamentos para provocar protocolo clínico e diretrizes terapêuticas e inverter essa dinâmica. Precisamos olhar a necessidade da população brasileira, fazer uma análise de horizonte tecnológico, viabilidade econômica e provocar a criação de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas."
De acordo com o STF, em 2020 foram protocoladas, em média, 21 mil novas ações judiciais por mês relacionadas à saúde. Em 2024, esse número saltou para 60 mil. Segundo Priscila Torres, não há como reverter esse cenário somente no judiciário, é preciso implementar políticas públicas fortes.
"Se o doente fica sem remédio, às vezes, quando o remédio chega, chegou tarde. Não deu tempo de salvar a pessoa, não deu tempo de impedir a progressão da doença e custa mais caro para o SUS. Precisamos, além da uniformização trazida pelo STF, uniformizar a assistência farmacêutica no país, criar fluxos robustos, pactuados e uniformes. Não podemos ter diferentes tipos de acesso ao mesmo medicamento no mesmo país."
O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a escola Politécnica de saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz. Novos programas são lançados todas as semanas. Ouça aqui os episódios anteriores.
Edição: Martina Medina