"Ministério dos Direitos Humanos atua onde o Estado brasileiro falhou", afirmou Macaé Evaristo, que recentemente assumiu a pasta no governo Lula, ao Bem Viver, programa do Brasil de Fato.
A ministra trouxe uma nova perspectiva para os desafios enfrentados no país, especialmente no que diz respeito à reforma agrária, à proteção dos defensores de direitos humanos e à reparação das vítimas da ditadura militar.
Professora da rede municipal de Belo Horizonte desde os 19 anos e reconhecida nos debates sobre educação e racismo, Evaristo é formada em Serviço Social e mestre e doutoranda em Educação.
A até então deputada estadual mineira pelo PT se comprometeu no seu discurso de posse a "aproximar o debate dos direitos humanos da vida cotidiana das pessoas".
Evaristo esteve, recentemente, em um diálogo na Escola Nacional Florestan Fernandes com o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), para aproximar a pasta das pautas da organização, sobretudo, a violência no campo.
"Nossa conversa passou pela preocupação de garantir a vida dessas pessoas. O Estado brasileiro precisa trabalhar para que conflitos como esses, que muitas vezes levam ao assassinato de defensores de direitos humanos, não ocorram", pontou Evaristo.
Uma das primeiras medidas como chefe da pasta de Direitos Humanos e Cidadania foi assinar 179 portarias de anistia para perseguidos na ditadura militar, que estavam represadas na gestão anterior.
Sobre a exoneração de Silvio Almeida, afastado após a acusação de assédio, a ministra ressaltou a prioridade na reestruturação da pasta. "É preciso reconhecer que temos processos e denúncias de assédio."
Confira a entrevista na íntegra:
Para começar, ministra, quero perguntar sobre a sua vinda à ENFF. O que foi tratado com a direção do MST? Quais temas foram abordados e você se comprometeu com alguma reivindicação que foi colocada?
Primeiro, é uma alegria estar aqui na Escola Florestan Fernandes, uma instituição que trabalha a formação de vários movimentos populares. Já estive aqui outras vezes e é uma escola que nos inspira a pensar em outros modelos educativos. Portanto, a alegria de estar aqui de volta é enorme e este é um momento importante.
Estamos assumindo o Ministério dos Direitos Humanos e dialogar com o MST é essencial, pois é um movimento que está completando 40 anos e tem uma pauta muito relevante para o nosso país, que é a luta pelo direito à terra.
Quando falamos do direito à terra, também estamos falando do direito à moradia, mas também de uma concepção do uso social da terra. Pensar nisso é pensar em direitos humanos.
Uma das coisas que eu mencionei no meu discurso de posse é que precisamos aproximar o debate dos direitos humanos da vida cotidiana das pessoas.
Assim, ao pensarmos em formação humana integral, a nossa humanização passa por garantir direitos que são básicos: ter terra, ter uma casa para morar, ter um trabalho decente e ter alimento saudável na mesa para nós e nossas famílias. O diálogo com o MST abrange todas essas temáticas: a luta pelo direito à terra e um movimento que também tem educado o Brasil sobre como produzir alimentos orgânicos de maneira sustentável, sem exaurir a terra, para que possamos continuar tendo terra em nosso país por muitos anos.
Nossa pauta passou por isso e, é claro, por alguns casos graves de violação de direitos humanos que já ocorreram anteriormente no Brasil e que ainda estão em curso.
Desde que assumi o Ministério, tivemos alguns casos graves de violência no campo, e discutimos que mecanismos podemos utilizar e aprofundar para garantir direitos e permitir que as pessoas possam viver no campo com tranquilidade, sem ameaças às suas vidas. Esta é uma questão muito importante para mim, e a tratamos aqui. Claro que isso passa pela resolução de uma série de conflitos, e é fundamental que avancemos na democratização do acesso à terra.
Vivemos um momento de acirramento dos conflitos no campo. Não sei se a senhora concorda com isso, mas os avá-guarani no Paraná sofreram ataques de fazendeiros e dois sem-terra foram assassinados pela polícia civil no Pará. Imagino que esses casos tenham sido discutidos na reunião. Que mecanismos o Ministério dos Direitos Humanos pode ou pretende acionar para lidar com esses casos de violência que estão ocorrendo no campo?
Esses casos nos preocupam. Vivemos um período anterior de muita liberalização do porte de armas, e já prevíamos o que está acontecendo, ou seja, o armamento de forma desmedida nas mãos de pessoas que não estão preparadas para isso acaba provocando esse tipo de situação. Isso nos preocupa, e de certa forma, existe uma ação organizada que também se mistura a isso. Estamos vivendo muitas questões ambientais no país que se associam à pauta da luta pela terra.
No âmbito do Ministério dos Direitos Humanos, temos um programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, ambientalistas, jornalistas e todas as pessoas cujas vidas são ameaçadas por sua atividade de luta pelos direitos humanos. Esse programa atua na proteção dessas pessoas e de suas famílias, além de acompanhar e monitorar para que os responsáveis pelos atos sejam responsabilizados.
Nossa conversa hoje passou pela preocupação de garantir a vida dessas pessoas. O Estado brasileiro precisa trabalhar para que conflitos como esses, que muitas vezes levam ao assassinato de defensores de direitos humanos, não ocorram.
Essa foi uma das nossas preocupações, pensar em como ampliar esse diálogo no âmbito do governo federal, mas também com os governos estaduais e municipais, para que possamos ter ações preventivas e diminuir esse acirramento por meio de medidas preventivas. Esse foi um pouco do nosso diálogo aqui.
Não é o Ministério dos Direitos Humanos que faz demarcação de terra indígena, titulação de terra quilombola ou a regularização de assentamento da reforma agrária. Mas, pensando na prevenção desses conflitos no campo, sabemos que essas são medidas fundamentais que precisam acontecer no Brasil. A pasta tem interlocução com outros ministérios e possibilidade de pressionar para que avance essa regularização de terra?
Acredito que uma das tarefas do nosso ministério é ser esse espaço e construir espaços de diálogo, participar das mesas de negociação e trabalhar para que as pessoas possam se reunir, conversar e buscar mediação e solução para os problemas. Esse é um grande sentido do nosso ministério. Além disso, trabalhamos com vários conselhos com participação popular. Esses conselhos nos ajudam a balizar as discussões, pois incluem a participação de diversos movimentos populares, bem como de lideranças e técnicos das várias áreas do governo.
Esse é um espaço onde podemos aprofundar alguns temas e trabalhar para produzir entendimentos dentro do governo, além de buscar o avanço das pautas com os outros entes federados.
Em geral, esses temas não estão sob a alçada exclusiva do governo federal. O governo federal é um ente importante, mas atuamos em regiões com terras que pertencem à União, parte que é dos governos estaduais e parte que é de pessoas jurídicas e físicas.
Portanto, é necessário ter uma compreensão dos casos, sem tratá-los de maneira genérica, pois cada um possui suas especificidades. Precisamos trabalhar para chegar a um termo, ou seja, para solucionar os problemas. Quanto mais demoramos para solucionar esses problemas, mais percebemos que a violência no campo vai escalando.
Recentemente, a senhora assinou 190 portarias relacionadas a processos julgados pela Comissão de Anistia. O que o Ministério pretende fazer em relação às reparações ligadas à ditadura militar no Brasil e qual é sua opinião sobre a lei da Anistia?
Temos uma tarefa grande e inconclusa no Ministério dos Direitos Humanos. Temos trabalhado, por meio da Comissão da Anistia, para avançar no julgamento de todos os casos e das pessoas que entraram com processos esperando ser anistiadas. Alguns processos são pedidos de reparação e outros são pedidos formais de desculpa.
Nesse primeiro momento, estamos realizando uma conversa profícua com a Comissão de Anistia e estabelecemos um fluxo para o andamento dos processos e a publicação dos seus resultados. Tenho uma expectativa positiva de que, ao final de 2026, teremos todos os processos que estão tramitando concluídos.
O debate da Anistia não se encerra com o fim do julgamento dos processos. Por que ele não se encerra? Porque uma questão importante que precisamos levar em consideração é que o Estado e a sociedade brasileira precisam compreender o que é uma ditadura e os impactos que isso provoca na sociedade, para que nunca mais esqueçamos e fortaleçamos o ideário democrático. Isso ainda é assustador. Muitas vezes, existem pessoas que, do ponto de vista do senso comum, podem imaginar que uma ditadura é um modelo que devemos seguir.
Portanto, o grande legado de todo esse processo é não apenas o reconhecimento do mal que foi causado a inúmeras pessoas, famílias e cidadãos brasileiros, mas também a projeção de uma sociedade futura. Isso se faz com mais estudo, mais conhecimento, para que as pessoas compreendam o que foi esse processo. Assim, temos toda uma tarefa em relação ao registro, à memória e à verdade, para que possamos deixar para as gerações futuras os ensinamentos de que não precisamos passar por isso novamente.
Falando sobre a sua terra, Minas Gerais, recentemente pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Samarco Vale entregaram uma carta de reivindicações ao Ministério dos Direitos Humanos e a outros órgãos, pedindo a participação na repactuação dos processos de reparação e o controle sobre os recursos da União, Estado e do município para esses territórios afetados. Como a senhora vê isso e como vai caminhar o atendimento a essa reivindicação?
Recentemente, estive em Minas Gerais, participei de visitas técnicas a vários territórios que foram atingidos pelos dois crimes: o de Mariana e o de Brumadinho. Acompanhamos isso no estado e sabemos os impactos que isso provocou para essas famílias e para a sociedade mineira como um todo.
Essa é uma preocupação que já venho trazendo de Minas Gerais e, claro, ao chegar ao Ministério agora, vou me inteirar sobre a situação. Não fiz nenhuma conversa específica sobre essa questão, mas sabemos que a coordenação desse processo é com o ministro Jorge Messias. Já está na minha agenda a solicitação de um diálogo com ele sobre essa questão, além de levar o pleito que o Ministério recebeu.
Ainda não posso afirmar que esse pleito não foi levado, mas ao chegarmos aqui neste momento, uma das coisas que pretendo fazer é esse diálogo, pois me parece que, até então, o Ministério dos Direitos Humanos não participava diretamente do processo de negociação e não acompanhava esse debate. Estamos chegando e queremos ter mais informações para já levar essa reivindicação.
A senhora chegou ao Ministério após a exoneração de Silvio Almeida, em meio a denúncias de assédio contra mulheres e assédio moral dentro da pasta. Como estava, ou está, o clima dentro do Ministério quando a senhora chegou e o que está sendo feito em relação a isso?
Quando cheguei ao Ministério, havia um clima de muita tensão. É preciso reconhecer que temos processos e denúncias de assédio. Isso não é uma prerrogativa do nosso Ministério; o assédio existe na sociedade brasileira e é fruto de uma estrutura social que é racista, machista e, muitas vezes, patrimonialista. O que precisamos é constituir espaços próprios onde essas questões possam ser tratadas.
O presidente Lula, por meio de um decreto, orientou os vários ministérios do governo federal sobre o tema do assédio.
O MGI, que é o ministério responsável pela gestão interna, se relaciona com todos os ministérios e publicou uma portaria para organizar um comitê gestor específico para tratar dessa questão. O Ministério dos Direitos Humanos participa desse comitê.
No âmbito do Ministério, não estamos fazendo uma reestruturação ampla. Estamos reorganizando a ouvidoria e a corregedoria, além de criar um grupo de trabalho que articula a ouvidoria, a corregedoria e a regulação interna para cuidar desses processos.
Eu também fico muito preocupada, pois precisamos evitar misturar o joio com o trigo. Dentro do Ministério dos Direitos Humanos, temos profissionais sérios e competentes que trabalham arduamente na construção de uma agenda muito difícil. O Ministério atua onde o Estado brasileiro falhou ou não garantiu os direitos da população, e é ali que devemos nos concentrar.
Temos profissionais muito competentes e o que estamos fazendo é reorganizar a estrutura e criar canais claros sobre como essas questões devem ser tratadas.
Assim, minha avaliação é de que já melhoramos bastante. Não temos um mês desde que chegamos, mas, à medida que deixamos os processos mais transparentes, acredito que a tendência é diminuir o nível de ansiedade. Muitas vezes, as pessoas ficam expostas à ausência de processos e fluxos definidos, o que as torna vulneráveis, tanto em situações de assédio quanto na insegurança sobre o que fazer, qual o caminho a seguir ou qual instância vai responder por determinada situação.
Estamos trabalhando intensamente para organizar essa estrutura interna, mas também mantendo uma dinâmica que o Ministério precisa preservar: o diálogo com os conselhos, com os movimentos sociais e ouvindo a sociedade. Não podemos construir a pauta dos direitos humanos sem um amplo processo de diálogo com toda a sociedade.
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Quando e onde assistir?
No YouTube do Brasil de Fato todo sábado às 13h30, tem programa inédito. Basta clicar aqui.
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Na TV Brasil (EBC), sexta-feira às 6h30.
Na TVE Bahia: sábado às 12h30, com reprise quinta-feira às 7h30, no canal 30 (7.1 no aparelho) do sinal digital.
Na TVCom Maceió: sábado às 10h30, com reprise domingo às 10h, no canal 12 da NET.
Na TV Floripa: sábado às 13h30, reprises ao longo da programação, no canal 12 da NET.
Na TVU Recife: sábados às 12h30, com reprise terça-feira às 21h, no canal 40 UHF digital.
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Sintonize
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Edição: Nicolau Soares