Coluna

Trabalho intermitente formalizou condições ainda mais precárias de contratação

A validade do contrato de trabalho intermitente está em discussão no STF, com julgamento interrompido após pedido de vista do ministro Cristiano Zanin - Foto: Dorivan Marinho/SCO/STF
A contratação de trabalho intermitente fere o princípio da valorização do trabalho

Sob o pretexto de gerar de novas oportunidades de emprego, está uma das muitas inovações introduzidas pela reforma trabalhista de 2017: o contrato de trabalho intermitente, previsto no artigo 452-A da CLT, que permite o registro de um trabalhador ou trabalhadora sem um expediente definido, até que o empregador realize uma convocação para cumprimento de uma determinada escala. A convocação deverá ser efetuada com antecedência mínima de 03 (três) dias.

Os pagamentos mensais são proporcionais à quantidade de horas trabalhadas e, portanto, o empregado ou empregada poderá receber um valor inferior ao salário mínimo mensal. Porém, ainda que o valor da hora trabalhada deva obedecer ao mínimo legal, trata-se da institucionalização do trabalho precário, por meio do qual haverá o registro formal em Carteira de Trabalho e Previdência Social, mas não haverá garantia de trabalho ou remuneração, uma vez que o período de inatividade não será considerado como tempo à disposição do empregador para fins de cálculo de remuneração.

A lei tampouco estipulou uma carga mínima de trabalho, deixando a exclusivo critério das empresas o momento da convocação para o serviço. Sendo assim, quem estiver sob o regime de trabalho intermitente, poderá permanecer ocioso por meses.

Por esses fatores, foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5826, perante o Supremo Tribunal Federal, para discutir a validade do contrato de trabalho intermitente. Até o momento, apenas Edson Fachin e a aposentada ministra Rosa Weber entenderam ser inconstitucional o contrato de trabalho intermitente. 

A seu turno, os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Gilmar Mendes, André Mendonça e Kassio Nunes consideraram que os direitos previstos em Constituição foram respeitados, e que não há prejuízo a quem trabalha nestas condições. Atualmente, o julgamento está interrompido por pedido de vista do ministro Cristiano Zanin.

É necessário ponderar que o contrato de trabalho intermitente é uma modalidade de contratação que não valoriza ou dignifica as relações de trabalho e promove grande insegurança financeira aos profissionais, em desacordo com os princípios da Constituição Federal. Da mesma forma, a responsabilidade pelos riscos da atividade econômica compete aos empregadores, e não aos empregados, conforme o artigo 2º da CLT. 

A contratação de trabalho intermitente fere o princípio da valorização do trabalho, uma vez que transfere também ao empregado os riscos da atividade econômica. Portanto, ainda que haja registro formal, o trabalhador ou trabalhadora estará sujeito à demanda do estabelecimento para que efetivamente possa prestar o serviço e, consequentemente, receber sua devida remuneração. 

Outro direito ignorado pelo artigo 452-A da CLT é o descanso semanal remunerado, previsto na Constituição. O descanso é condição essencial à saúde e, por essa razão, não pode prejudicar o sustento de quem trabalha.

Quais os direitos da pessoa trabalhadora?

Uma das possibilidades, para casos assim seria a rescisão indireta, prevista no artigo 483 da CLT, que admite a rescisão do contrato de trabalho quando “o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários".

Para obter a rescisão indireta, o trabalhador ou trabalhadora deverá buscar apoio jurídico e, caso seja comprovada a irregularidade, receberá todas as verbas rescisórias a que teria direito caso fosse dispensado sem justa causa.
 
Antes da aprovação da reforma trabalhista, o modelo intermitente de contratação já inspirava preocupações entre especialistas em direito do trabalho. Transcorridos sete anos, o modelo se mostra deficitário, não entregou as ocupações prometidas e formalizou condições ainda mais precárias de contratação. Retomar as discussões acerca da Reforma Trabalhista continua sendo uma pauta urgente e relevante na nossa sociedade atual. 

*João Victor Bomfim é advogado trabalhista e membro fundador da FADDH – Frente Ampla Democrática Pelos Direitos Humanos.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Nathallia Fonseca