A ex-presidenta da Bolívia Jeanine Añez começou a ser julgada nesta quinta-feira (17), em La Paz, por terrorismo, formação de quadrilha e associação criminosa por sua participação no movimento que derrubou o seu antecessor Evo Morales em 2019. A ex-deputada já havia sido condenada a 10 anos por golpe de Estado e cumpre pena na prisão Miraflores, na capital.
Agora, o Ministério Público pede que sejam adicionados 20 anos na pena de Jeanine Añez, do ex-governador de Santa Cruz, Luis Fernando Camacho, que também foi candidato à presidência, e de mais seis pessoas, incluindo ex-ministros, militares, policiais e o ex-candidato a vice Marco Antonio Pumari. O caso está sendo conduzido pelo Primeiro Tribunal de Penas Anticorrupção de La Paz. Nesta quinta, começaram a ser apresentados os argumentos da defesa da ex-presidente e dos outros acusados.
Añez repetiu o discurso que já havia feito em 2019, durante o golpe contra Evo Morales: "Não foi golpe, foi fraude. Este processo é um circo, a Bolívia está em chamas, isso é o mais importante agora", disse.
O MP afirma que as ações de Jeanine Añez levaram à "ruptura da ordem constitucional e a saída prematura do governo" do ex-presidente. Em novembro de 2019, mobilizações golpistas de extrema direita forçaram a renúncia de Evo Morales. O ex-mandatário teve que deixar o país e se asilou no México, depois na Argentina.
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Durante o governo de Jeanine Añez, foram registradas prisões arbitrárias de pelo menos 1.534 pessoas. Além disso, movimentos contra o governo golpista foram alvo de forte repressão policial que, muitas vezes, resultou em massacres, como os que ocorreram nas regiões de Senkata e Sacaba. Camacho e Añez são acusados de serem os autores desses movimentos.
Em seu depoimento, Añez negou ter cometido os crimes pelos quais é acusada e afirmou que quem deveria estar sendo julgado por "fraude eleitoral" é o ex-presidente Evo Morales. Ela, no entanto, não apresentou provas de que as eleições de 2018 tiveram o resultado alterado.
"Aqui estamos perante o tribunal sem jurisdição para me julgar por crimes que não cometi, enquanto o autor intelectual e material da fraude eleitoral de 2019, da demissão, do abandono do cargo e da fuga do país, da instigação à violência, Evo Morales, ainda está foragido", disse.
Añez afirmou ainda que os juízes responsáveis pelo seu julgamento foram escolhidos pelo ex-presidente, e disse que Evo Morales deveria enfrentar "os juízes que ele mesmo escolheu e a Justiça que ele mesmo estabeleceu". Ela pediu também que seu julgamento fosse feito com autorização prévia do Congresso.
Añez permaneceu no poder por um ano, até a realização das eleições gerais de 2020, que tiveram como vencedor Luis Arce, ex-ministro da Economia de Evo Morales.
Evo acusado
O ex-presidente também é denunciado pelo Ministério Público, mas por "estupro e tráfico de pessoas" por supostamente ter mantido relações com uma menina de 15 anos em 2015, quando ainda era presidente. De acordo com a denúncia, ele teria tido uma filha com a adolescente em 2016. Evo nega as acusações, que considera "outra mentira" com o objetivo de tirá-lo do processo eleitoral de 2025.
Evo não compareceu para depor na Delegacia Geral de Polícia de Tarija na última semana. Segundo a defesa do ex-presidente, não havia "garantias" de que o depoimento fosse feito dentro do "processo legal". Depois da ausência de Morales, a procuradora do Estado de Tarija, Sandra Gutiérrez, afirmou que emitiria uma ordem de captura para que Evo fosse ao tribunal em uma data posterior. Essa ordem, no entanto, não foi expedida.
O ex-presidente convocou os apoiadores para ir às ruas e defender seu mandato. Ele prometeu "paralisar o país" se fosse emitida uma ordem de captura contra ele. A partir de segunda-feira (14), manifestantes bloquearam estradas em protesto contra a fala da procuradora. Até esta quinta (17), oito rodovias seguem fechadas, a maior parte em Cochabamba, estado em que vive Evo Morales.
O presidente Luis Arce disse nesta quinta que não vai ceder às pressões de quem "quer incendiar o país".
"Não vamos ceder a quem quer incendiar o país para se proteger de acusações pessoais contra as quais devem mostrar a cara", disse o presidente em um evento da Associação de Governos Municipais Autônomos de La Paz.
Os pais da jovem também foram intimados a prestar depoimento. Eles são investigados por supostamente receberem dinheiro ao entregá-la ao ex-presidente. O pai da jovem recebeu ordem de captura e prestou depoimento.
Disputa no MAS
Evo chamou de traição a relação com o atual presidente Luis Arce. O ex-presidente se tornou o principal opositor do atual governo depois de voltar do exílio na Argentina. Morales começou a criticar algumas decisões de Arce e seus apoiadores e a disputar espaço pela candidatura do Movimento Al Socialismo (MAS) nas eleições presidenciais de 2025.
O estopim da desavença, na corrida pela liderança do MAS, se deu em outubro de 2023, quando Morales organizou um congresso em Lauca Eñe, no distrito de Cochabamba. A região é berço político e reduto eleitoral do ex-presidente. No evento, ele chamou os apoiadores de Luis Arce de "traidores".
Agora, a corrida pela candidatura nas presidenciais está permeada por uma decisão da Justiça boliviana. O Tribunal Constitucional Plurinacional da Bolívia decretou, em dezembro de 2023, que presidentes e vice-presidentes só poderiam exercer o cargo por dois mandatos, de forma seguida ou não.
Essa era uma lacuna que já existia na Constituição boliviana. Antes, a Carta Magna afirmava que o presidente não poderia exercer o cargo por mais de dois mandatos, mas não especificava se eram seguidos ou não. Com a sentença judicial 1010, Evo Morales, que foi presidente por quatro mandatos, não poderia voltar ao poder.
No entanto, um novo Tribunal Constitucional será eleito em dezembro. Os apoiadores de Evo consideram que, com novos juízes, essa norma poderia cair e Evo poderia voltar a ser candidato em 2025.
Edição: Nicolau Soares