Colômbia e Venezuela são aliados estratégicos históricos na América do Sul. Mas os dois países que compartilham grandes fronteiras e com economias que são referência na região tiveram nos últimos dois anos tiveram que retomar uma relação que foi cortada durante o governo do presidente colombiano Iván Duque, que presidiu o país de 2019 a 2022.
As relações diplomáticas foram retomadas em agosto de 2022, com a posse de Gustavo Petro. Mas a reaproximação não se limita a um afinamento político e já representou avanços comerciais e sociais grandes para os dois países. O impacto imediato é o econômico. As duas economias sempre tiveram uma balança comercial movimentada, mas o número de transações caiu no período em que as relações foram cortadas.
Em 2008 a Colômbia exportava cerca de US$ 6 bilhões (cerca de R$ 34 bi) para a Venezuela. Em 2021, depois do rompimento das relações e último ano de Iván Duque, esse montante caiu para US$ 331 milhões, ou 5% do valor de 2008. Segundo a Câmara Colombo Venezuelana, depois da abertura das relações esse montante já aumentou. Somente nos primeiros 7 meses de 2024 foram cerca de US$ 526 milhões.
Já as vendas da Venezuela para a Colômbia atingiram o seu auge neste século em 2006, quando foram vendidos US$ 1,4 bilhão em produtos venezuelanos para o país vizinho. O ponto mais baixo foi registrado em 2020, já com a relação entre os países rompida. Naquele ano, a Venezuela vendeu apenas US$ 20 milhões em produtos para os colombianos.
Agora, esse comércio também está aumentando e de janeiro a julho foram 74 milhões de dólares comercializados da Venezuela para a Colômbia. A expectativa do ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Yván Gil, é que as trocas comerciais entre Venezuela e Colômbia este ano atinjam US$ 1 bilhão.
A balança comercial sempre foi favorável à Colômbia muito pela estrutura produtiva dos dois países. Enquanto os colombianos têm uma indústria mais desenvolvida e apresentam maior variedade de produtos exportados para a Venezuela, os venezuelanos têm produção pautada no setor petrolífero, o que dita também as vendas para o país vizinho. Por parte da Colômbia, a agroindústria, indústria química básica e máquinas e equipamentos foram os principais produtos vendidos. Já do lado venezuelano, as exportações se baseiam em petróleo e gás.
Para o professor de Relações Internacionais da Universidade de Antioquia Javier Sanchez a estrutura produtiva dos dois países sempre definiu a forma como se desenvolveu a balança comercial entre Venezuela e Colômbia ao longo do tempo, mas a pauta de exportação venezuela se manteve sempre ligada à indústria petroleira.
“É óbvio que o relacionamento comercial está limitado à estrutura produtiva dos países. À medida que a produção principal da Venezuela se tornou os hidrocarburos, as exportações para a Colômbia tinham um percentual muito alto desses produtos. Do lado contrário, a Colômbia sempre teve uma oferta de exportações mais diversificada e podia oferecer bens manufaturados, agrícolas. Tanto para a alimentação da população como bens manufaturados úteis. Infelizmente, a ênfase da Venezuela em explorar sua riqueza petroleira fez o país limitar sua estrutura produtiva”, afirmou ao Brasil de Fato.
Para Sanchez, dois anos depois da retomada das relações, mesmo que o comércio esteja recuperando sua força, ainda está longe de ser o ideal entre os dois países, principalmente por causa das sanções aplicadas pelos Estados Unidos contra a Venezuela.
“Podemos dizer que se hoje há relações comerciais, elas ainda não recuperaram o nível que tínhamos no passado. Segue muito limitado. O comércio não avançou mais por causa das sanções dos EUA sobre a Venezuela, que ameaça empresas que querem fazer negócios com a Venezuela. Ainda há uma série de desafios para que esse restabelecimento de relações esteja refletido no aumento do comércio”, disse.
Um dos pontos centrais do desenvolvimento das relações comerciais entre Venezuela e Colômbia foi a criação da Comunidade Andina, em 1969. Chamado inicialmente de Pacto Andino, o bloco que tinha Bolívia, Peru e Equador além de Colômbia e Venezuela criou uma zona de livre comércio e uma tarifa externa comum que acabou favorecendo o comércio entre venezuelanos e colombianos.
Nesse período, a Venezuela vivia um boom econômico a partir do aumento do preço do petróleo, que ampliou a arrecadação e dinamizou ainda mais o comércio com países da região, principalmente com a Colômbia.
Avanços sociais
A retomada das relações não só impacta a economia, mas também na reabertura das fronteiras, de consulados e embaixadas. Só do lado venezuelano foram reabertos 15 consulados colombianos, enquanto na Colômbia foram 6 consulados do governo da Venezuela.
Essa representação atende os migrantes que vivem nos países vizinhos, principalmente na regularização de documentos, evitando que cidadãos que cruzaram a fronteira de maneira informal sigam de maneira irregular.
Maria Fernanda Barreto é analista política e escritora colombo-venezuelana. De acordo com ela, a reabertura de consulados e embaixadas corrige uma “violação dos direitos” de migrantes que vivem na Colômbia e Venezuela.
“Essa fronteira é muito viva de um intercâmbio permanente, humano, cultural e que, claro, chega ao econômico e comercial. A recuperação das relações entre Colômbia e Venezuela em primeiro lugar recuperou uma situação de vulneração de direitos. Porque ao não ter uma representação diplomática dos dois lados, nossos direitos enquanto populações migrantes foram deixados de lado”, afirmou.
De acordo com o Ministério de Relações Exteriores da Colômbia, 2.839.150 venezuelanos viviam no país em março deste ano. Já o número de colombianos na Venezuela não é apresentado pelo governo venezuelano, mas a Associação de Colombianos e Colombianas na Venezuela estima que sejam mais de 4 milhões.
Além da retomada das relações, a reabertura de fronteiras também facilitou e barateou o trânsito entre os dois países. Para Barreto, a queda nos custos dos produtos pode ser calculada, mas há uma questão subjetiva que não pode ser mensurada: o distanciamento de familiares que vivem em diferentes países.
“Deveríamos contar muitas histórias para narrar o que de verdade representa poder ter um fluxo tranquilo entre nossos países. Por exemplo, diminuíram os custos da comunicação por transporte, porque a recuperação das relações também implicou uma recuperação da comunicação do transporte terrestre e aéreo. Houve épocas em que para voar de Caracas a Bogotá era preciso ir para o Panamá. Isso encarecia os voos e distanciava ainda mais as famílias que estão divididas entre ambos os países”, afirmou ao Brasil de Fato.
Ao todo, são 2.219 km de fronteiras que ligam cidades grandes dos dois países. Um exemplo é a estrada que vai de San Cristóbal, na Venezuela, a Cúcuta, na Colômbia. Com cerca de 405 mil habitantes, a cidade venezuelana está a 50 km do último município colombiano, que tem 806 mil habitantes. A densidade populacional dessas duas cidades faz com que o fluxo entre elas seja diário, tanto de trabalhadores que fazem essa passagem de maneira regular quanto de familiares.
Mudanças políticas
Ao longo do século 20, os dois países foram governados pela direita. Para Sanchez, essa afinidade política também foi determinante para as relações diplomáticas ao longo desse período. A situação começou a mudar depois da eleição de Hugo Chávez, em 1998. Com um giro na política venezuelana, os vizinhos passaram por um desalinhamento.
Os governos de Chávez e do colombiano Álvaro Uribe já passavam por um tensionamento cada vez maior. Bogotá acusava Caracas de abrigar guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), enquanto o líder venezuelano dizia que Uribe havia enviado paramilitares para assassiná-lo. Como resultado, Chávez anunciou o rompimento das relações diplomáticas em 22 de julho de 2010, em uma coletiva de imprensa em Caracas para receber a visita do então técnico da seleção argentina, Diego Armando Maradona.
A crise, no entanto, durou só até 10 de agosto. Com a posse do novo presidente colombiano, Juan Manuel Santos, Colômbia e Venezuela anunciaram a retomada das relações.
Para Sanchez, a participação de Santos nesse processo foi importante porque, mesmo sendo um líder de direita, ele tinha uma “visão estratégica”, por entender que a Venezuela era uma das entidades garantes nos diálogos de paz entre o governo colombiano e as guerrilhas armadas.
“Santos retomou as relações, mesmo sem ser um governo de esquerda, porque tinha uma visão estratégica. Se ele queria conseguir a paz na Colômbia e iniciar conversas com organizações insurgentes, tinha que conversar com a Venezuela que era um dos países garantes dos diálogos de paz. É um ato de realismo político, já que a conversa com as Farc depende de diálogos com o governo garante”, afirma.
Os dois países voltaram a entrar em rota de colisão em 2019. Já presidido por Iván Duque, o governo colombiano não aceitou a reeleição de Nicolás Maduro em 2018 e reconheceu o ex-deputado Juan Guaidó como presidente. Em resposta, a Venezuela voltou a romper as relações.
Para o professor Javier Sanchez, o desenvolvimento das relações entre os países reflete uma tendência histórica entre Colômbia e Venezuela que passou a ser moldada por desentendimentos políticos no século 21.
“Essa tendência histórica foi afetada notoriamente por acontecimentos de ordem política. Com a primeira onda de governos alternativos na América Latina, a política começa a afetar as relações comerciais. Porque do lado venezuelano estava o governo liderado pelo presidente [Hugo] Chávez enquanto a Colômbia era um amigo dos Estados Unidos e não estava disposto a afetar sua relação com os EUA por uma relação estreita e cordial com a Venezuela. E com o passar do tempo essas relações passaram a ser cada vez mais antagônicas a nível político e diplomático”, afirma.
Com a eleição de Petro, Colômbia e Venezuela retomam um ponto de convergência, principalmente na orientação de se afastar da influência estadunidense. Para Sanchez, mesmo com as tensões envolvendo a eleição de Nicolás Maduro, essa aproximação deve continuar enquanto tiver um governo de esquerda em Bogotá.
“Há uma identidade de tipo ideológico. Talvez não seja uma identidade total, porque há diferenças de visões entre o governo de Maduro e Petro. Mas Petro reivindica, por exemplo, o direito dos povos sobre sua soberania e, portanto, entende que não deve ser parte do jogo que estimula os EUA de impor para os países da América Latina o isolamento internacional da Venezuela”, disse.
Edição: Rodrigo Durão Coelho