Crise climática

A urgência da proteção ao meio ambiente: um lembrete de que nosso compromisso não pode ser apenas discurso

Nosso compromisso com a natureza e com a vida não pode ser ignorado na hora de escolher nossos representantes 

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Mato Grosso é um dos estados mais atingidos pelas queimadas em 2024 - Marcos Vergueiro/Secom-MT

A cidadania ambiental está consagrada no artigo 225 da Constituição Federal de 1988, que garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ressalta que ele é essencial à qualidade de vida de todos os cidadãos. Ou seja, sem ele não temos vida digna, e é exatamente por isso que este direito é protegido como direito fundamental. No entanto, estar na Constituição não garante que esse direito seja efetivo e real na vida dos brasileiros.

Se considerarmos o cenário atual, basta observarmos a fumaça que paira sobre várias cidades brasileiras. De janeiro a setembro, os incêndios atingiram 11,39 milhões de hectares, segundo dados do Monitor do Fogo Mapbiomas. De acordo com o levantamento, 5,65 milhões de hectares – área equivalente ao estado da Paraíba – foram consumidos pelo fogo apenas no mês de agosto, o que equivale a 49% do total do ano. No período, foram identificados 156.023 focos de fogo no território brasileiro. 

Nesse sentido, é importante frisar que a mesma Constituição que resguarda o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado também determina que cabe ao poder público e à toda coletividade defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.  

Sendo assim, preservar e proteger a natureza é de extrema relevância, além de resgatar nosso compromisso pessoal com a defesa do meio ambiente. Como cidadãos, não podemos ser complacentes ou tolerantes com práticas ilegais como as queimadas e desmatamentos.

A Polícia Federal já abriu 96 inquéritos para apurar a autoria e responsabilidade por incêndios que atingiram todo o país e, até agora, a maioria das investigações mostra que as queimadas foram intencionais e estão associadas com outros crimes, como grilagem de terra e exploração ilegal de áreas públicas. 

No caso dos incêndios, é fácil perceber como a conduta criminosa de uma pessoa pode gerar fortes impactos na vida de toda uma população. Os poluentes podem se espalhar por grandes distâncias, impactando a saúde em regiões distantes de onde os incêndios começaram. E a fumaça tóxica, com dioxinas, metais pesados e partículas finas, pode ser inalada causando problemas respiratórios graves. Além disso, gases tóxicos, como monóxido de carbono e óxidos de nitrogênio, aumentam o risco de doenças pulmonares e cardiovasculares, bem como podem agravá-las.

O poder público, em todos os níveis (federal, estadual e municipal), deve estar mobilizado para combater e prevenir crimes ambientais, mas é igualmente imperativo que a sociedade assuma a sua parte nesta luta. Ignorar este dever é negligenciar não apenas o presente, mas também o futuro.

O dever de zelar por um meio ambiente equilibrado para as futuras gerações é um pacto intergeracional estabelecido na Constituição para garantir a sobrevivência e o bem-estar daqueles que sequer vamos conhecer. Este pacto intergeracional deve ser levado a sério, pois, sem um ambiente ecologicamente equilibrado, a nossa própria existência enquanto humanidade estará comprometida, ameaçando não apenas a qualidade de vida atual, mas também o direito das futuras gerações de viver em um mundo biodiverso, com recursos naturais preservados, ar limpo e água potável.

Além disso, não podemos ignorar que os povos indígenas e tradicionais precisam da floresta e do meio ambiente saudável para manter sua forma de vida, cultura e existência. Não podemos permitir que nosso modelo de desenvolvimento dizime e inviabilize suas vidas. Ao deixar que o fogo e o desmatamento destruam a floresta, estamos sequestrando o Brasil de si mesmo, destruindo nossas riquezas em troca de benefícios econômicos de curto prazo que não se sustentam. Não existe estratégia nisso: por exemplo, é da Amazônia a umidade que forma os rios voadores que abastecem as chuvas para nossa produção agrícola.   

Não podemos continuar ignorando as evidências da crise climática e ambiental que se agravam a cada dia. A mudança que precisamos é urgente e depende de um esforço coletivo que precisa mobilizar todos os setores da sociedade. 

As escolhas que fazemos hoje, na esfera individual e coletiva, impactarão diretamente a saúde do nosso planeta, determinando não apenas a qualidade de vida das gerações presentes, mas também o legado que deixaremos para o futuro.

A legislação e o sistema de proteção ambiental que temos foram construídos ao longo de muito tempo e pela luta de muitas pessoas. Vale lembrar que, entre 2012 e 2023, aproximadamente 401 defensores ambientais foram assassinados no Brasil. A estimativa é da ONG internacional Global Witness, que reportou 25 assassinatos no Brasil somente em 2023.

Não podemos ignorar que nossas escolhas estão diretamente ligadas ou com a destruição ambiental, ou com a construção de uma sociedade mais justa e sustentável. Sabemos que construir e executar mudanças leva tempo, mas, em tempos de eleições, não podemos esquecer que para destruir essas conquistas basta um sopro, um isqueiro ou uma canetada que abre porteiras. Os danos podem ser irreparáveis.

Como sociedade, precisamos ter responsabilidade e noção de que as escolhas que faremos nos próximos dias também geram impactos diretos nos rumos da política ambiental do país. Se temos mesmo um compromisso efetivo com a natureza e a vida, isso não pode ser ignorado ou negligenciado na hora de escolher nossos representantes. 

*Dra. Moara Lima, advogada, especialista em direito climático pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Mestre em direito das relações sociais e trabalhistas pela Universidade do Distrito Federal e professora no Centro Universitário de Brasília.

Edição: Martina Medina