A iniciativa fortalece a agricultura familiar e a saúde da população
Para quem nunca ouviu falar, "pila" é uma gíria usada no Rio Grande do Sul para se referir a dinheiro. Já "pila verde" é mais do que isso: é uma moeda social criada pela lei municipal 241/2020, em Santiago (RS). O município de 45 mil habitantes criou a pila verde há quatros anos para incentivar a população a separar e reduzir o descarte dos resíduos orgânicos. No ano passado, a administração municipal colocou em circulação também a pila azul, que lida com resíduos sólidos.
A experiência de Santiago está entre as mais de 700 iniciativas municipais que apoiam a agroecologia identificadas no levantamento Municípios Agroecológicos e Políticas de Futuro, realizado pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e cadastradas na plataforma Agroecologia em Rede. Neste ano, essas iniciativas serviram de referência para a elaboração da Carta Política Agroecologia das Eleições 2024, um documento que reúne 51 propostas de políticas públicas relacionadas ao apoio à agricultura familiar e à agroecologia, à promoção da segurança alimentar e nutricional e ao fortalecimento das cidades diante da emergência climática.
Em Santiago, a cada 5 quilos de resíduo orgânico entregue para a compostagem, a pessoa recebe 1 pila verde, que pode ser trocado por qualquer alimento nas feiras do produtor. As feiras acontecem de segunda a sábado, cada dia em um ponto da cidade.
Já as/os feirantes podem trocar pilas por mudas ou adubo orgânico. Com 30 pilas, dá pra comprar uma tonelada de composto orgânico, que é entregue diretamente nas roças. "Na loja, isso custaria mais de R$ 200, sem contar o frete", compara Dairton Lewandowski, engenheiro agrônomo da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) e integrante da Rede Ecovida, em Santiago.
Segundo Mauro Batista Romio, vice-presidente da Associação dos Feirantes de Santiago, o adubo que resulta da compostagem é de boa qualidade, por um preço muito baixo. O programa também facilita a aquisição de mudas e sementes de verduras e legumes, que são entregues diretamente no hortomercado. "O pila verde nos ajudou muito como feirantes do hortomercado e percebo que a esmagadora maioria dos colegas estão muito satisfeitos com a nova moeda", diz Romio.
A criação da moeda está ajudando a lidar com três problemas: excesso de lixo no aterro sanitário, preço alto de sementes e adubos e baixa procura por alimentos saudáveis. Além de incidir sobre o descarte e acúmulo dos resíduos, a iniciativa fortalece a agricultura familiar e a saúde da população. Para Lewandowski, a medida favorece a geração de uma economia circular no município, agregando renda e contribuindo de forma sustentável para o desenvolvimento de Santiago.
As notas são estampadas, de um lado, com animais da fauna brasileira – como joão-de-barro, lagarto do papo-amarelo, quero-quero e graxaim do campo. De outro, com imagens de lideranças locais. "No ano passado, foram colhidas 230 toneladas de resíduo orgânico. O gaúcho bebe muita erva-mate, então, o volume é grande", conta Lewandowski.
Pila Azul
O sucesso na implementação da lei levou à criação de uma segunda moeda, específica para resíduos sólidos: a pila azul. Nessa versão, as/os moradoras/es recebem o pila em troca de papel, vidro, plástico e outros itens recicláveis. Ainda em fase de estudos, a pila azul já pode ser utilizada em ginásios de esportes para alugar quadras de vôlei, basquete ou futebol, por exemplo.
A ideia é que a troca se estenda para o pagamento de estacionamento em vagas cobradas e, quem sabe, até para dedução no pagamento do IPTU. "Por enquanto, isso é uma ideia, ainda terá de ser aprovada pela Câmara de Vereadores", diz Lewandowski.
De acordo com um levantamento da International Solid Waste Association (ISWA), o Brasil é o maior produtor de resíduos urbanos da América Latina e do Caribe. Com eleições municipais à vista, essa ação pode servir de exemplo para os poderes Executivo e Legislativo nos municípios brasileiros.
Agroecologia nas Eleições 2024
Além da elaboração da Carta Política, a iniciativa Agroecologia nas Eleições 2024 realiza, desde maio, um processo de mobilização nacional, apoiado por organizações e redes estaduais de agroecologia, estimulando o debate das propostas presentes no documento. "Nossa reivindicação é que candidatas/os se comprometam com esta agenda propositiva, abordem publicamente esses temas no processo eleitoral e, caso eleitas/os, dediquem-se a trabalhar para que se efetivem", explica Flavia Londres, integrante da secretaria executiva da ANA
*Este é um artigo de opinião e não expressa necessariamente a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Thalita Pires