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Tite e Flamengo, o "casamento" que nunca funcionou de verdade

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Tite chegou ao Flamengo em outubro de 2023 - Marcelo Cortes / Flamengo
Mesmo levantando alguma taça, Tite jamais seria completamente aceito pelo torcedor do Flamengo

O Flamengo está eliminado da Copa Libertadores da América. A derrota para o Peñarol no Maracanã acabou sendo fatal para a equipe rubro-negra que não conseguiu sair do zero a zero na partida realizada no Campeón del Siglo, em Montevidéu. Alguns esperavam um “milagre” dos comandados de Tite, mas esbarraram no futebol pobre e sem muito repertório de Gerson, Arrascaeta, De la Cruz, Léo Pereira e companhia limitada.

Na prática, a eliminação na principal competição do continente evidencia aquilo que este colunista já percebia há algum tempo. E isso não é ser “engenheiro de obra pronta”. É observar os fatos, as reações após cada partida e a repercussão de cada resultado bom ou ruim.

A grande verdade, meus amigos, é que o “casamento” entre Tite e Flamengo nunca funcionou de verdade.

E não por incapacidade do treinador. Não é exagero afirmar que estamos falando de um profissional que deixou um legado na década passada, com as conquistas da Libertadores e do Mundial de Clubes de 2012 no comando de um Corinthians histórico e que conseguiu emular no mesmo Timão uma das melhores equipes dos últimos anos na conquista do Brasileirão de 2015. E mesmo na Seleção Brasileira, onde foi bastante criticado por uma série de problemas, conseguiu formar um time competitivo que figurou, sim, como um dos favoritos ao título nas Copas do Mundo de 2018 e 2022.

Ou você vai dizer que não sente saudade de Tite vendo o Brasil jogar hoje em dia? Pelo menos a gente não tomava tanto sufoco aqui na América do Sul.

No entanto, os resultados e as últimas atuações do Flamengo nesta temporada não me deixam seguir outro caminho. O trabalho de Tite não é bom e isso pode ser visto dentro de campo. Contra o Peñarol, vimos a equipe abusar dos cruzamentos para a área sem ter quem organizasse as coisas no meio-campo ou, pelo menos, quem chamasse a responsabilidade para organizar as coisas lá no Campeón del Siglo.

Na prática, o que vemos no Flamengo é apenas o processo que vem se desenhando há alguns meses. Mesmo com farto material, Tite não conseguiu fazer “mais do mesmo” no comando de um dos elencos mais estrelados do futebol sul-americano.

É óbvio que as lesões esfacelaram o elenco e deixaram o trabalho de Tite muito mais complicado. E nesse ponto, precisamos apontar os dedos para a diretoria rubro-negra, que cobrou força máxima no Campeonato Carioca sabendo que a comissão técnica precisaria de todos os jogadores descansados para encarar a fase de grupos da Libertadores.

O que se viu na sequência foram as derrotas para Palestino e Bolívar e um empate amargo contra o Millonarios com um jogador a mais. Nem mesmo as goleadas nas últimas partidas da fase de grupos foram suficientes para deixar o Fla na primeira posição da sua chave. Além disso, vários jogadores importantes sentiram demais o calendário puxado e o departamento médico ficou completamente lotado.

Pra piorar, a lesão séria do atacante Pedro deixou Tite literalmente sem pai nem mãe para montar o ataque.

Gabigol vinha do processo de acusação de doping e em péssima fase dentro e fora de campo. Carlinhos, comprado junto ao Nova Iguaçu, sentiu demais o peso. E Bruno Henrique simplesmente não funcionou jogando como “nove”.O esquema tático do treinador exige essa referência ofensiva lá na frente para receber os cruzamentos e fazer as jogadas de pivô para os meio-campistas.

Tudo que Bruno Henrique não sabe fazer. BH é jogador de velocidade, que rompe da esquerda para dentro para finalizar ou buscar a tabela com o centroavante. Seja ele Pedro ou Gabigol.

Some isso aos reforços trazidos pela diretoria nessa janela de transferências que ainda precisam de tempo para se adaptar ao time. Sobretudo Alcaraz e Gonzalo Plata, jogadores contratados a peso de ouro, mas que ainda não se encaixaram no time.

É como se você tivesse que trocar o pneu do carro com ele em movimento.

A impressão que fica é a de que Tite até tentou fugir um pouco das suas convicções para atender aos anseios da torcida do Fla, que pedia um time ofensivo, que marcasse forte no campo adversário e que não deixasse o adversário respirar. Tal como nos tempos de Jorge Jesus. E como abriu mão de suas convicções, acabou fazendo escolhas ruins. Não é a primeira vez.

Tite é mais pragmático. Pensa o futebol de maneira diferente ao treinador campeão brasileiro e sul-americano em 2019 e vai numa linha diferente daquilo que o torcedor tanto pedia. E por mais que as inúmeras lesões do elenco rubro-negro e a má fase de algumas referências do time deponham a seu favor, acabou errando demais em determinadas escolhas e não conseguiu construir um repertório amplo o suficiente para tirar o máximo do elenco que tinha à disposição.

Seja como for, este colunista fica com a certeza de que, mesmo levantando alguma taça, Tite jamais seria completamente aceito pelo torcedor do Flamengo. Dorival Júnior, que recuperou o time depois da malfadada passagem de Paulo Sousa, sofreu com críticas pesadas mesmo levando Copa do Brasil e Libertadores em menos de um mês.

Era uma espécie de “casamento por conveniência”. Tite chegou ao Fla depois da conturbada passagem de Jorge Sampaoli no clube e conseguiu recuperar a confiança de alguns jogadores. Era o nome certo na hora certa. Um treinador apaziguador, que conseguia trazer o grupo para si e formar times competitivos. No entanto, começou 2024 tendo que lidar com a pressão da diretoria no Campeonato Carioca e uma série de problemas extracampo.

Com o passar do tempo, foi fazendo escolhas que não agradaram à torcida e até mesmo parte do elenco rubro-negro.

Difícil prever o que vão ser esses últimos meses de 2024 lá pelos lados da Gávea. O que é certo para este colunista, é que Tite e Flamengo não se entenderam. Nem mesmo nas vitórias.

A tendência é que esse “casamento por conveniência” termine mesmo num divórcio sem muita discussão. Tite me parece cansado e cada vez mais desgastado. Os jogadores parecem desejar o final da temporada. E a diretoria segue completamente perdida nesse tumultuado ano de eleição para presidente do clube.

Edição: Jaqueline Deister