Coluna

Conheça o 'DJ' que embala as terapias assistidas por psicodélicos em pesquisas científicas

Imagem de perfil do Colunistaesd
"Busquei inspiração nas experiências lindas que eu já tive com psicodélicos na minha vida, principalmente com cogumelos", diz Egel - Arquivo Pessoal
A música é um dos elementos usados para estudar os efeitos dos psicodélicos sobre voluntários

*por Caroline Apple

Os impactos da música sobre as experiências psicodélicas são enormes. Ela tem o poder de criar atmosferas emocionais, aprofundar compreensões, resgatar memórias e, porque não, promover situações internas desafiadoras, e tantas outras coisas que podem influenciar a 'viagem' durante ou após o uso dessas substâncias seja lá em qual contexto. O som está presente na maior parte dos rituais nativos e religiosos com psicodélicos e também no contexto de estudo científico.

A terapia assistida por psicodélicos ainda não é uma realidade regulamentada no Brasil, apesar da desobediência civil ser parte inerente em cenários proibicionistas. Sua prática só é permitida em nível de pesquisa, que busca justamente formas de gerar evidências e até mesmo comprovar a eficácia desse processo terapêutico, principalmente no tratamento de doenças e transtornos mentais. E a música é um dos elementos usados pelos pesquisadores para estudar os efeitos dos psicodélicos sobre os voluntários. Mas, que música é essa? 

Raphael Egel é Creative Director do Centro Avançado de Medicina Psicodélica (Camp), dirigido pelo cientista Draulio Barros de Araújo. O artista visual e músico é alemão e tem um sotaque carregado, mas cheio de bossa, mesmo vivendo no Brasil há apenas cinco anos. Egel é casado com Isabel Wiessner, neurocientista psicodélica no Camp. E foi através da sua companheira que chegou o convite para compor músicas e elaborar imagens para as pesquisas de terapia assistida com psicodélicos.

"Quando chegou o convite, eu busquei inspiração nas experiências lindas que eu já tive com psicodélicos na minha vida, principalmente com cogumelos. Foram cinco composições de 11 minutos cada que trazem elementos de música clássica, new age e sons considerados psicodélicos. A ideia é promover uma sensação de gratidão, de satisfação e de união com o todo. São sons de elevação", explica Egel.

E esse lance da música é tão sério que a "playlist" não pode ser modificada no processo, justamente porque qualquer alteração pode influenciar nos estudos, que precisam ser realizados do início ao fim com a mesma metodologia e elementos para garantir a lisura do processo.

Traduzir as experiências psicodélicas em música foi um desafio. O artista conta que, por serem "viagens" carregadas de imagens, é mais "fácil" fazer essa tradução em forma de arte visual. Mas foi através dos psicodélicos que sua memória musical afinou, promovendo um resgate importante das suas influências. 

"Eu tenho essa história da minha família, com quem eu sempre ouvi muita música clássica. Eu tive só duas semanas para fazer essas composições, que considero longas. E, sem dúvida, essa memória reavivada pelos psicodélicos me ajudou bastante", conta.

Cogumelo, Santo Daime e o chamado para a materialidade

"Hippie da nova onda" é como Egel se nomeia ao falar de sua vida na década de 1990. Em 1995, o artista e um amigo compraram um carro dos EUA e foram até a Guatemala. Na viagem, muitas outras viagens foram feitas no calor da juventude. Foi nessa época, em Palanque, no México, que aconteceu sua primeira experiência psicodélica com os "meninos santos" de Maria Sabina. Foi a partir dessa trip interior que Egel impulsionou seu desenvolvimento musical e artístico na direção do fluxo na improvisação livre. Mas foi no Brasil, em um ritual de Santo Daime, que portas importantes da percepção musical se abriram.

"Em julho de 2019, fui em um ritual do Santo Daime com ayahuasca, onde tive uma viagem suave e linda. O mestre da cerimônia me disse que eu tinha tomado 'muito'. Tenho poucas memórias, mas lembro de ver uma cobra cósmica fractalizada se desdobrando multidimensionalmente no espaço e no tempo. Me deram um maracá para tocar, mas logo tiraram da minha mão, acho que era 'funky' demais para o momento. Me vi também tocando algumas músicas no violão com o cientista especializado em DMT, do Imperial College, Christopher Timmermann. Essa primeira experiência com ayahuasca teve um forte impacto em mim, me deixando energizado e entusiasmado com minha atividade musical", relembra.

O artista agora está em outra. A realidade material bateu na porta e as responsabilidades com o trabalho e a família demandam energia, algo que as experiências psicodélicas também ‘cobram’. “Usar psicodélicos exige tempo e disposição. São viagens longas e que exigem muito de nós, então, eu parei. No momento, às vezes, uso cannabis. Mas sou grato a todas as boas e nem tão boas experiências que eu tive”, conta.

Egel também foi o responsável por criar imagens para a mesma pesquisa que rola sua “playlist psicodélica”, que você pode ouvir aqui.

*Caroline Apple é jornalista há quase 20 anos com passagem por alguns dos principais veículos do Brasil, abordando, principalmente, temas relacionados aos Direitos Humanos, como a causa indígena. É uma das primeiras jornalistas no país a se especializar na cobertura de cannabis para fins medicinais. Daimista, ayahuasqueira e psiconauta, Carol é influenciadora digital sobre temas relacionados à espiritualidade e ao autoconhecimento com ênfase no uso da ayahuasca em contexto urbano.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente reflete a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Thalita Pires