Por 57 votos contrários e apenas dois favoráveis, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados negou, nesta segunda (23), o recurso apresentado pelo deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) contra a decisão do Conselho de Ética que recomendou a sua cassação. Preso desde 24 de março por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), Brazão é acusado de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ), ocasião em que também foi morto o motorista Anderson Gomes. Ele nega evolvimento com o crime. O caso agora será apreciado pelo plenário da Casa, mas ainda não há previsão de data para isso.
O texto aprovado pelos membros da CCJ é o parecer produzido pelo relator, Ricardo Ayres (Republicanos-TO), que refutou os argumentos apresentados por Brazão. A defesa pedia que o processo disciplinar em questão recomeçasse a tramitação por supostamente estar viciado. Os argumentos expostos pelo deputado preso eram de que a relatora do caso no Conselho de Ética, Jack Rocha (PT-ES), não teria sido imparcial na condução do processo por ter defendido a prisão dele em postagem feita nas redes sociais e de que as oitivas teriam sido prejudicadas por ausência de 11 das 14 testemunhas que foram convidadas para prestar depoimento. Brazão alegou que, por conta desse cenário, teria tido seu direito ao contraditório e à ampla defesa violado. A defesa afirmou que o resultado do processo teria sido lesado por conta disso.
Sobre esse ponto, Ricardo Ayres disse que "a alegação não se sustenta". Ao afirmar que o processo disciplinar teria seguido "rigorosamente os trâmites estabelecidos pelo Código de Ética", o relator aponta que processos do tipo têm natureza político-administrativa, "o que significa que o objetivo é garantir a moralidade e a decência nas atividades parlamentares, e não julgar questões criminais ou civis, cujo foro adequado seria o Poder Judiciário".
"O Conselho de Ética, por sua vez, não possui poder coercitivo para obrigar o comparecimento de testemunhas, pois o processo é de natureza predominantemente não judicial. A oitiva de testemunhas ocorre mediante convite, o qual pode ou não ser aceito", acrescentou.
No parecer, Ricardo Ayres pontuou ainda que, ao fazer coro pela cassação de Brazão, a relatora Jack Rocha teria lançado mão dos seus direitos à liberdade de expressão e à imunidade parlamentar. O relator também disse que o curso de um processo político no âmbito da Câmara tem trâmite diferente do que ocorre com processos no nível do Poder Judiciário. "A jurisprudência do STF já estabeleceu que a atuação de parlamentares em processos disciplinares não segue as mesmas regras aplicáveis a juízes em processos judiciais. Ademais, o Conselho de Ética seguiu as disposições regimentais ao designar a relatora, não havendo vício no procedimento que justifique a nulidade", acrescentou.
No parecer aprovado pelo conselho, Jack Rocha menciona as acusações feitas a Brazão pela Procuradoria-Geral da República (PGR). A petista destaca que a conduta do parlamentar envolvia práticas ilícitas, como "envolvimento com organizações criminosas e atividades de milícia", além da acusação de autoria intelectual do assassinato de Marielle. A deputada do PT também ressalta, no texto, que "os irmãos Brazão mantinham vínculos com milicianos e utilizavam cargos públicos para consolidar essas relações".
Ela defendeu a cassação de Brazão sob o argumento de que há "incompatibilidade" entre a prisão do deputado e o exercício do mandato parlamentar.
Votação
No placar desta segunda na CCJ, os dois parlamentares que votaram contrariamente ao parecer do relator – e, portanto, favoravelmente ao recurso de Chiquinho Brazão – foram Waldemar Oliveira (Avante-PR) e Dani Cunha (União-RJ), sendo esta filha de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara que foi cassado em 2016.
"Alguma fidelidade oculta ou uma cumplicidade explícita em relação ao modo de fazer política, mesmo com essas suspeitas gravíssimas de associação criminosa do ainda deputado Chiquinho Brazão", atribuiu Chico Alencar (Psol-RJ), membro da CCJ e correligionário de Marielle, ao ser questionado sobre o assunto pela reportagem.
Trâmite
Pelas regras definidas pelo regimento da Câmara, o prazo para apreciação do processo no plenário agora é de duas sessões ordinárias. Se não for votado dentro desse limite de tempo, o relatório aprovado pelo Conselho de Ética passa a trancar a pauta do plenário, o que significa que ele tem prioridade diante das outras demandas listadas na ordem do dia. Como a Casa está sem sessões plenárias por conta do período eleitoral, a tendência é que o caso seja apreciado somente após o pleito de outubro.
Um detalhe, no entanto, pode fazer com que o processo demore mais do que o previsto para ser analisado: o presidente Arthur Lira (PP-AL) tem criado o hábito de convocar prioritariamente sessões extraordinárias, e não ordinárias, o que faz com que o pepista possa flexibilizar regras do regimento. "Mas ele tem poder para colocar isso em pauta quando voltarmos do primeiro turno das eleições. Basta ter vontade política. Espero que a gente aprecie isso no dia 8 ou 9 de outubro. Vamos pressionar pra isso", afirma Chico Alencar.
Edição: Nicolau Soares