Faltando apenas alguns dias para que a 79ª Assembleia Geral da ONU volte a discutir o bloqueio dos EUA contra Cuba nos dias 29 e 30 de setembro, o presidente Joe Biden decidiu estender a vigência da base jurídica interna sobre a qual Washington mantém sua agressiva política contra a ilha caribenha.
Através de um breve memorando publicado no Registro Federal, o presidente democrata estendeu a validade da “Lei de Comércio com o Inimigo” contra Cuba, uma lei que dá poderes ao governo de Washington para restringir as atividades comerciais com qualquer nação que ele classifique como “inimiga”.
Trata-se de um dos pilares da política de bloqueio contra Cuba, que consiste em um extenso e complexo emaranhado de leis, decretos e resoluções com o objetivo de sufocar a economia da ilha caribenha para gerar dificuldades em sua população. De acordo com as últimas estimativas da ONU, o bloqueio gerou perdas de US$ 13 milhões de dólares (R$ 66 bi) por dia para o Estado cubano somente no período 2022-2023.
O que é a Lei de Comércio com o Inimigo?
A Lei de Comércio com o Inimigo foi aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos em outubro de 1917, durante o governo de Woodrow Wilson (1913-1921), em meio à Primeira Guerra Mundial. Ela dá ao presidente o poder de limitar, regular ou proibir o comércio com países “hostis” aos Estados Unidos. Também permite que o presidente estadounidense imponha “sanções econômicas em tempos de guerra”.
Com o passar dos anos, a lei foi alterada para permitir a continuação temporária de sanções econômicas a países mesmo em “tempo de paz”. No entanto, essa possibilidade é concedida em casos de “emergência nacional”, obrigando o presidente a renová-las anualmente se forem consideradas de “interesse nacional” para os EUA.
Assim, o memorando assinado pelo presidente Joe Biden afirma que “a continuação do exercício dessas autoridades com relação a Cuba por um ano é do interesse nacional dos Estados Unidos”. A extensão de Biden da aplicação dessa lei com relação a Cuba expirará em 14 de setembro de 2025.
O bloqueio contra Cuba
Em 1º de janeiro de 1959, a revolução cubana derrubou o ditador Fulgencio Batista, que durante décadas foi o “homem forte” de Washington na ilha. Foi nesse contexto que a inimizade entre a Revolução Cubana e os Estados Unidos não tardou em aparecer.
Até então, as principais empresas e terras do país pertenciam a grupos empresariais norte-americanos, que controlavam Cuba como se fosse uma extensão dos próprios Estados Unidos. Estima-se que 80% das melhores terras de Cuba estavam nas mãos de grupos norte-americanos.
Com o triunfo revolucionário, foi realizada uma reforma agrária que entregou terras aos camponeses e nacionalizou grandes indústrias. Essas medidas buscavam alcançar a autonomia nacional e construir justiça social em um país que havia sido sistematicamente saqueado por potências estrangeiras.
No dia 6 de abril de 1960, Lester D. Mallory, vice-secretário adjunto de Estado para Assuntos Interamericanos, enviou um memorando secreto do Departamento de Estado ao presidente Dwight Eisenhower (1953-1961). Nesse documento, Mallory sugeriu a aplicação “rápida de todos os meios possíveis para enfraquecer a vida econômica de Cuba” a fim de privar o país de “dinheiro e suprimentos, reduzir seus recursos financeiros e salários reais, provocar fome, desespero e a derrubada do governo”.
O memorando afirmava que “a maioria dos cubanos apoiava Castro” e que “a única maneira previsível de minar seu apoio interno era por meio do desencanto e da insatisfação decorrentes do mal-estar econômico e das dificuldades materiais”. A principal aposta de Mallory era “explodir a economia”, algo que os Estados Unidos começariam a aplicar como arma de guerra em vários países, como fariam anos depois com o golpe de Estado contra o governo de Salvador Allende.
Essa política foi aperfeiçoada pelo presidente John F. Kennedy (1961-1963), que logo após assumir o cargo começou a aplicar a Lei de Comércio com o Inimigo para suspender o comércio com Cuba. Foi durante seu governo que começou oficialmente um bloqueio econômico, comercial e financeiro que tem sido mantido, ano após ano, até os dias atuais, durante as 11 administrações seguintes da Casa Branca.
Trata-se do mais antigo sistema de bloqueio econômico em vigor. A situação é ainda pior se levarmos em consideração que ele é aplicado pela principal potência econômica e militar do mundo contra uma pequena ilha.
Ao longo dos anos, Washington justificou sua política de hostilidade com várias explicações. Durante as décadas da Guerra Fria, a Casa Branca sempre argumentou que se tratava de uma forma de “autodefesa” contra a União Soviética. No entanto, com o colapso do campo socialista no leste e o desaparecimento do fantasma da União Soviética, Washington começou a justificar sua política com base na suposta “violação dos direitos humanos” do governo cubano contra a população da ilha. Dessa forma, o bloqueio seria uma forma de “pressão sobre o governo cubano” para defender os “direitos humanos”.
Uma medida ilegal e ilegítima
No entanto, apesar da propaganda dos EUA, todos os anos, desde 1992, Cuba tem apresentado projetos de resolução à Assembleia Geral da ONU que têm como título “Necessidade de pôr fim ao embargo econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos da América contra Cuba”.
Todos os anos, esses projetos de resolução descrevem os terríveis efeitos sociais e econômicos que o bloqueio tem sobre a população cubana. Ademais, descrevem o bloqueio como uma medida “ilegal e ilegítima”. Todos os anos, desde 1992, o projeto foi aprovado por uma maioria esmagadora dos países presentes na Assembleia Geral da ONU. Com as únicas exceções dos Estados Unidos e de Israel, que invariavelmente se opõem à resolução, junto com algum aliado ocasional.
Não obstante, apesar do fato de que há mais de 30 anos a comunidade internacional exige que o governo dos EUA ponha fim ao bloqueio, Washington mantém invariavelmente sua política de hostilidade em relação a Cuba.
No ano passado, a resolução apresentada por Havana foi apoiada por 187 países. Os Estados Unidos e Israel votaram contra e a Ucrânia se absteve. Na resolução também se afirmava que, entre 2022 e 2023, o bloqueio havia causado perdas de mais de 4,867 bilhões de dólares para Cuba.
Efeitos do bloqueio
Este ano, a Assembleia Geral das Nações Unidas deverá debater o projeto de resolução de Cuba sobre o bloqueio pela trigésima segunda (32ª) vez, nos dias 29 e 30 de setembro.
O país perde aproximadamente de mais de US$ 421 milhões (R$ 2,3 bi) por mês, ou mais de US$ 13,8 milhões por dia. Uma quantidade imensa de dinheiro que o país não pode usar para melhorar a situação social de sua população.
Em meio a uma grave crise econômica que afeta o país, estima-se que, na ausência do bloqueio, o PIB de Cuba poderia ter crescido cerca de 8% em 2023.
Ao mesmo tempo, o relatório denuncia as campanhas de difamação da mídia contra Cuba como parte da estratégia do bloqueio. Dessa forma, afirma que “acompanhado de operações sistemáticas de desinformação, o governo dos Estados Unidos tenta responsabilizar o governo cubano pelas consequências e pelos danos que o próprio bloqueio causa, o que constitui um ato desonesto e extremamente cínico, ainda mais quando vem do mesmo governo que aplica uma política de asfixia premeditada da economia cubana”.
“Todas as dificuldades da sociedade cubana não se devem exclusivamente ao bloqueio, mas quem não o reconhecer como o principal obstáculo ao nosso desenvolvimento estaria sendo falso. Nenhum país, mesmo com economias muito mais prósperas e robustas do que a de Cuba, seria capaz de enfrentar poderia enfrentar uma agressão tão implacável, assimétrica e prolongada sem um custo considerável para o padrão de vida de sua população, sua estabilidade e justiça social.
Edição: Rodrigo Durão Coelho