A eleição para a Prefeitura de São Paulo deste ano deve ser decidida pelos bairros da periferia consolidada da cidade, situada entre o centro expandido e a extrema periferia, que inclui regiões como Vila Sônia, Rio Pequeno, Vila Prudente, Brasilândia e São Mateus.
A região central e o centro expandido tradicionalmente escolheram candidatos tucanos e, mais recentemente, aqueles ligados aos diferentes partidos de direita, como o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB), que tenta reeleição. Já a extrema periferia historicamente votou em nomes associados à esquerda, onde Guilherme Boulos (Psol) se constrói hoje como figura central.
A partir da análise dos mapas de votação das eleições presidenciais de 2022 em São Paulo e da eleição municipal na cidade em 2020, Lincoln Telhado, cientista político e diretor do Instituto de Estudos Legislativos e Políticas Públicas (Ielp), afirma que se esperava um desempenho expressivo natural de Boulos sobre a periferia consolidada, onde seu principal cabo eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ganhou em 2022. “Em 2022, tanto Lula quanto Haddad ganharam na cidade de São Paulo. Logo, esperávamos que em 2024 o candidato da esquerda, apoiado por Lula e por Haddad, chegaria forte. Mas vemos que o Boulos tem feito um esforço para ir da extrema periferia em direção ao centro [passando pelo que especialistas chama de ‘periferia consolidada’], e com uma rejeição muito alta”, afirma o cientista.
Os mapas mostram que, em 2020, os votos de Bruno Covas (PSDB) se concentraram no centro até se diluírem em direção à extrema periferia, onde Boulos ganhou. Já em 2022, o movimento foi contrário. Os votos de Lula se acumularam na extrema periferia, mas conseguiram até mesmo furar a bolha tucana do centro em alguns lugares.
Olhando para o último pleito, Telhado afirma que se “imaginou que o eleitor paulistano fosse mais alinhado aos valores da esquerda. Mas hoje é um cenário diferente, inclusive com uma dispersão grande de votos”, afirma. Em 2022, Lula ganhou em algumas regiões que Bruno Covas saiu vitorioso, mas perdeu para Jair Bolsonaro (PL) em outros lugares que escolheram o tucano. “Isso nos permite dizer que os eleitores consideram fatores diferentes conforme a eleição.”
“Em 2020, o eleitor paulistano praticamente, na maior parte do território, votou em peso no Bruno Covas. Depois, em 2022, algumas dessas mesmas regiões deram a vitória para o Lula, que tem um projeto mais à esquerda”, diz o analista. “O que chama atenção é que de certa forma há uma resistência de votar no projeto da esquerda. Por mais que o Lula tenha ganhado, a gente vê que tem uma concentração nas regiões centrais que se mantiveram apoiados por um projeto de direita, existindo uma disputa bastante grande pelo eleitorado”, explica.
Esquerda distante da periferia consolidada
Camila Rocha, doutora em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), explica que Boulos não está tendo o mesmo desempenho que Lula teve sobre a periferia consolidada em 2020 porque, assim como a esquerda no geral, o PT vem perdendo espaço nessa região.
“O PT consegue manter votos na extrema periferia, mas tem dificuldade de vencer no que a gente chama de periferia consolidada, que fica entre o centro expandido e o extremo da periferia. São os bairros que têm uma maior concentração de pessoas de faixa C de renda. São os bairros que não tem metrô ainda, mas já tem um comércio, alguma estrutura urbana”, afirma Rocha.
A cientista também pondera que o desempenho do PT nas eleições de 2022 na periferia consolidada foi um ponto fora da curva, uma vez que o padrão é a sigla perder espaço nessa região. “Foi uma eleição muito específica, contra o bolsonarismo. As pessoas tiveram uma reação muito mais negativa em relação ao governo Bolsonaro por conta da gestão da pandemia, por ser realmente muito reacionário.”
Além disso, o desempenho nas eleições presidenciais não se traduz nas municipais, uma vez que os critérios utilizados pelos eleitores são diferentes. Outro ponto é o desconhecimento de parte do eleitorado sobre quem são os candidatos de lideranças nacionais, como Lula e Bolsonaro. Mesmo aqueles eleitores que sabem dos apoios não consideram a relação completamente relevante para voto, já que consideram, por exemplo, que o mesmo apoio não necessariamente reflete em uma boa gestão municipal.
Segundo a pesquisa Quaest de 11 de setembro, dos eleitores paulistanos que votaram em Bolsonaro em 2022, 50% têm a intenção de votar em Marçal neste ano. Já Ricardo Nunes tem uma fatia de 32% nesse eleitorado.
Do outro lado, entre os eleitores que escolheram Lula na última eleição presidencial, 42% dos entrevistados dizem que votarão em Guilherme Boulos, 17% em Ricardo Nunes e 13% em Tabata Amaral.
'Cria da periferia'
De acordo com Camila Rocha, a periferia consolidada está sendo disputada pelos três principais candidatos: Nunes, Boulos e Marçal. Não à toa, os três vêm se vendendo recorrentemente como “cria da periferia”, ou seja, nascido e criado nessas regiões, onde a eleição deve ser definida, segundo a cientista política.
Em um dos vídeos de campanha do atual prefeito, veiculado no horário de propaganda eleitoral na televisão, afirma que “muita gente não sabe, mas Ricardo Luis Reis Nunes, nascido em 13 de novembro de 1967, é cria da periferia”.
“Morou no Parque Santo Antônio [bairro localizado no extremo-sul da capital paulista], no Socorro, na Zona Sul da cidade. Estudou em escola pública. E foi exatamente essa experiência de morar na periferia que ensinou ao Ricardo o valor da persistência e a coragem para superar obstáculos e cuidar de gente”, diz o vídeo da campanha.
Um de seus jingles, música de campanha eleitoral, diz que “Ricardo é cria da periferia”. “Criado no Parque de Santo Antônio e no Socorro, desde cedo ele aprendeu a virar o jogo. Sem migué, sem mutreta, sem atalho. Ricardo é assim, nunca foi sorte, sempre foi trabalho. Na perifa, ele virou empreendedor. Pensa que ele saiu de lá? Não, continuou, porque cria que é cria sempre ajuda aos seus”, traz um trecho da propaganda.
Na mesma linha, Guilherme Boulos sempre reitera que é o único candidato a morar na periferia, no Campo Limpo, na Zona Sul da cidade, apesar de ter nascido em Pinheiros, na região central.
"Sou o único candidato às eleições municipais de São Paulo a morar na periferia. Não estou na política para ganhar dinheiro, nem por ego, nem por vaidade. Estou na política porque acredito que é o instrumento que a gente tem para melhorar a vida das pessoas, fazendo da cidade um lugar mais justo”, declarou o psolista durante o debate desta terça-feira (17), promovido pelo Uol em parceria com a RedeTV!
Marçal, além de falar repetidamente que vai “abençoar a periferia”, foca em propostas direcionadas para essa população, como cerca de dois milhões de empregos nas regiões mais afastadas da cidade e a implementação de um teleférico nas periferias.
Dados de 2022 da Tendências Consultoria mostram que os brasileiros que estão dentro da faixa C de renda têm uma renda mensal domiciliar entre R$ 2,9 mil e R$ 7,1 mil, o que representa uma variação de dois a cinco salários mínimos – a classificação de renda por faixas não é utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas somente por pesquisas de mercado.
Seguindo esse critério e de acordo com a pesquisa Quaest, encomendada pela TV Globo, divulgada nesta quarta-feira (18), Ricardo Nunes é o candidato que tem o melhor desempenho entre os eleitores que ganham até três salários mínimos, com 24% de intenções de votos, seguido por Boulos (19%) e Marçal (18%). Entre aqueles que ganham entre três e sete salários mínimos, a vantagem se dá para Boulos, que tem 26%, seguido por Nunes (23%) e Marçal (20%).
Edição: Nathallia Fonseca