Rio de Janeiro

CULTURA E EDUCAÇÃO

Por que deixar de ler Machado de Assis pode ser um erro irreversível na formação dos jovens?

Declínio da leitura é global e evitar Machado de Assis cedo pode privar adolescentes de um aprendizado transformador

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Brasil ficou em 52º lugar em um ranking internacional de leitura que avaliou as competências de alunos do 4º ano em 57 países - Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Nos últimos anos, o debate sobre a introdução de clássicos da literatura brasileira nas escolas ganhou força, com opiniões divergentes. Recentemente, o influenciador Felipe Neto levantou essa questão durante uma palestra na Bienal do Livro de São Paulo, onde afirmou que forçar adolescentes a lerem autores como Machado de Assis aos 13 anos é um erro. Segundo Neto, obras contemporâneas, com maior apelo juvenil, deveriam ser priorizadas para fomentar o gosto pela leitura. Ele citou sua própria experiência, quando foi "forçado" a ler Senhora, de José de Alencar, e como isso o afastou da obra. Embora a crítica de Neto tenha mérito em alguns pontos, o problema vai além da simples introdução inadequada de clássicos nas escolas.

De fato, ler Machado de Assis pode ser um desafio para adolescentes sem a preparação necessária. Seu estilo sofisticado e crítica social densa podem parecer distantes da realidade juvenil. No entanto, isso não significa que devemos evitar a obra de Machado. Pelo contrário, ele é essencial para a formação cultural e intelectual dos brasileiros, e há razões importantes para que sua obra seja apresentada aos jovens o mais cedo possível.

Quando mediado de forma eficaz, o contato com as obras de Machado oferece mais do que uma leitura superficial: suas histórias ensinam a ler além do texto, a captar as sutilezas e a desenvolver um pensamento crítico sobre a sociedade e a condição humana.

O humor sutil, a ironia e a exploração de temas universais como o amor, a vaidade e a moralidade, presentes nas obras de Machado, são camadas ricas que podem ser extremamente formativas para os jovens leitores. O verdadeiro desafio é como apresentar essas obras de uma maneira que faça sentido para adolescentes de 13 ou 14 anos, tornando a leitura uma experiência acessível e envolvente.

O problema, portanto, não está em Machado de Assis, mas na forma como ele é ensinado.

Declínio da leitura: um problema global

Entretanto, o desinteresse pela leitura vai além da dificuldade com os clássicos. O Brasil enfrenta uma crise mais profunda na formação de leitores. Nos quatro anos que antecederam a pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil", realizada em 2020, o país perdeu mais de 4,6 milhões de leitores, e a porcentagem de pessoas que se identificam como leitoras caiu de 56% para 52%. Esses dados refletem um declínio preocupante no hábito de leitura e ressaltam a urgência de iniciativas para reverter essa tendência.

As maiores quedas foram observadas entre pessoas com ensino superior e nas classes mais altas — grupos que, teoricamente, deveriam ter maior contato com a leitura. Entre as razões apontadas para esse declínio estão a internet e as redes sociais, que competem diretamente pelo tempo e atenção que antes eram dedicados aos livros.

Esse cenário é preocupante. O desinteresse pela leitura tem implicações sérias para o desenvolvimento cultural e intelectual do país. A falta de tempo é uma das justificativas mais comuns para a redução da leitura, mas a pesquisa também destaca a importância do incentivo de outras pessoas, especialmente dos professores, na formação de novos leitores. Isso reforça o papel essencial que os educadores têm em promover o hábito de leitura entre os jovens.

É importante destacar que o declínio na leitura não é exclusividade do Brasil, mas uma tendência global. Veículos internacionais também relataram quedas no número de leitores em países desenvolvidos. Recentemente, o jornal britânico The Guardian revelou que 50% dos adultos no Reino Unido não leem regularmente por prazer, com os jovens adultos sendo o grupo menos propenso à leitura consistente. 

Em 2016 e 2017, o Washington Post e o próprio The Guardian já discutiam o declínio constante da leitura literária. Nos Estados Unidos, em 2022, o Instituto Gallup apontou que os americanos estão lendo menos livros do que no passado. O relatório "What Kids Are Reading" (2022-2023) reforça essa tendência, com uma queda de 4,4% na leitura entre crianças e adolescentes, especialmente nas escolas secundárias. No ano passado, o Brasil ficou em 52º lugar em um ranking internacional de leitura que avaliou as competências de alunos do 4º ano em 57 países, com Cingapura, Irlanda e Hong Kong no topo da lista. 

Um estudo do National Endowment for the Arts, nos Estados Unidos, mostrou que o declínio da leitura entre adultos, especialmente os com mais de 55 anos, está relacionado à disseminação de desinformação nas redes sociais e na mídia sensacionalista. Promover a leitura é cada vez mais essencial para desenvolver o pensamento crítico e combater a ignorância.

A ascensão das redes sociais e o consumo crescente de conteúdos rápidos e digitais têm afastado ainda mais as pessoas da leitura tradicional. Além disso, a crise editorial e o fim de suplementos literários agravam essa situação. No Brasil, onde os desafios são ainda maiores devido à falta de incentivos e políticas públicas eficazes, o impacto desse declínio é particularmente preocupante.

Soluções para incentivar a leitura

O desafio, portanto, é reverter essa tendência global e local, encontrando estratégias eficazes. Entre elas, abraçar soluções digitais, como os e-books, que se adaptam melhor ao estilo de vida moderno e ao tempo limitado dos leitores.

A discussão sobre a introdução de Machado de Assis aos adolescentes vai além da questão de "forçar" ou não a leitura de clássicos. O verdadeiro desafio está em como incentivar a leitura em um contexto de declínio no número de leitores, enquanto as redes sociais monopolizam o tempo dos jovens. Uma abordagem eficaz seria preparar os alunos gradualmente, utilizando obras mais acessíveis, como adaptações dos clássicos ajustadas às faixas etárias iniciais ou até mesmo as versões originais enriquecidas com atividades que promovam uma leitura ativa, orientada e planejada. Dessa forma, os clássicos seriam introduzidos de maneira mais envolvente e contextualizada, despertando o interesse dos estudantes.

Os professores precisam ser capacitados para mediar essa transição, conectando as temáticas dos clássicos à realidade dos estudantes e tornando os textos menos intimidantes.

O contato precoce com Machado de Assis, aliado a uma abordagem pedagógica adequada, pode formar leitores mais críticos, capazes de interpretar textos complexos com prazer. Isso ajudaria a combater o declínio do número de leitores no Brasil, proporcionando aos jovens uma oportunidade única de mergulhar na profundidade da literatura brasileira e desenvolver habilidades intelectuais valiosas.

Em resumo, o problema de "forçar" a leitura de clássicos como Machado de Assis aos 13 anos não reside no autor, mas na ausência de uma preparação adequada para os jovens leitores. Paralelamente, o Brasil enfrenta uma crise mais ampla no incentivo à leitura, marcada pela perda de milhões de leitores e pelo impacto das redes sociais sobre o tempo e a atenção dos adolescentes.

A solução está em uma abordagem educacional mais envolvente, que apresente os clássicos não como tarefas obrigatórias e desmotivadoras, mas como oportunidades valiosas de crescimento intelectual e prazer literário.

Afinal, a formação de novos leitores críticos e apaixonados não depende apenas dos livros que oferecemos, mas da maneira como cultivamos neles o amor pela leitura. Se conseguirmos transformar a leitura de clássicos em uma experiência enriquecedora, poderemos reverter essa tendência de declínio e fortalecer a base cultural e intelectual do país.

*Cláudio Soares é editor da Obliq Livros, escritor e jornalista. Atualmente, está escrevendo a biografia de Machado de Assis. 

**Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato RJ.

Edição: Jaqueline Deister