O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se reuniu com os chefes dos demais Poderes, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Roberto Barroso, o deputado federal Arthur Lira (Progressistas-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para discutir a emergência nacional devido aos incêndios florestais que atingiram mais de 18 milhões de hectares até 9 de setembro, o equivalente a todo o estado do Paraná, com potencial para impactar mais de 60% do território nacional.
Lula abriu a reunião, cujo início pôde ser acompanhado pela imprensa, fazendo um chamado aos entes federados, assim como os demais Poderes da República, por um esforço compartilhado no enfrentamento à crise climática.
"A gente quer compartilhar uma solução para esse problema do clima. Essa reunião aqui é para a gente tomar algumas atitudes e algumas atitudes que não estavam previstas até hoje", disse o presidente.
Segundo o chefe do Executivo, há fortes suspeitas de atos criminosos que contribuíram para a proliferação dos incêndios por todo o país, pelo que pediu rigor nas investigações. "A gente não está para brincadeira", declarou.
Pacheco, presidente do Senado Federal, afirmou que há evidências claras de incêndios criminosos e defendeu que o governo passe uma mensagem ao mundo de que o Brasil está preparado para enfrentar a situação.
"Todos os esforços imediatos do governo federal, e com a colaboração do Poder Legislativo, na nossa opinião, devem ser no sentido da contenção do fogo e da apuração de responsabilidades em tantos inquéritos quanto sejam necessários serem instaurados, para poder identificar e punir essas pessoas", afirmou, descartando a necessidade de aprovação de matéria legislativa que aumente penas ou estabeleça novos critérios para punição de crimes ambientais, por considerar que já existe marco legal nesse sentido, e que seria um "populismo legislativo" qualquer medida de endurecimento de penalidades.
Pacheco ainda defendeu o agronegócio brasileiro, que tem sido apontado por especialistas como um dos principais vilões do meio ambiente no Brasil. "Nós não podemos nos envergonhar de dizer que somos os maiores produtores de soja do mundo", disse o senador.
Já Lira, presidente da Câmara, disse que o Brasil está vivendo uma "situação desconfortável" e rejeitou a possibilidade de modificar o Código Florestal para endurecer as consequências para desmatadores e promotores de incêndios criminosos.
O deputado federal reconheceu que há uma organização criminosa de facções por trás de algumas situações registradas no país e se somou às preocupações manifestadas por Pacheco sobre a imagem do Brasil em relação às políticas ambientais.
O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Herman Benjamin, defendeu que sejam tomadas medidas duras contra os crimes ambientais, e sugeriu o impedimento de que os créditos rurais sejam acessados por incendiários e desmatadores. "Se nós não agirmos, enfrentaremos problemas muito mais sérios, que impactam inclusive a pauta das exportações brasileiras", alertou.
Já o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, defendeu que se avance na demarcação de Terras Indígenas (TIs) como uma forma de fortalecer os mecanismos de proteção ambiental e combate aos crimes.
Segundo relatório da rede MapBiomas, as TIs ocupam 13% do território brasileiro, com 112 milhões de hectares, e onde se concentra 19% da vegetação nativa no Brasil. Essas são as áreas com maior nível de preservação, tendo perdido apenas 1% de sua vegetação nativa nos últimos 39 anos.
Panorama
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva, destacou o ineditismo da atual situação pela qual passa o país em relação às queimadas. Segundo ela, trata-se da pior seca da história da América do Sul e uma das piores do planeta. Marina informou que, das 27 unidades da federação, só duas não estão em situação de seca, sendo que nove estados estão 100% em um contexto de estiagem.
Segundo as informações do MMA, foram 690 focos de incêndio identificados nos últimos dias, sendo que 290 foram extintos, 179 controlados e 106 permanecem ativos, sobre os quais há dificuldade de combate.
"Temos 8 milhões de quilômetros quadrados com matéria orgânica altamente ressecada, em processo de combustão rápida, que qualquer faísca de fogo pode gerar um incêndio." Ela destacou ao presidente e demais presentes a complexidade do monitoramento e combate aos incêndios florestais.
"Tem uma dinâmica do fogo que é diferente da dinâmica do desmatamento. O desmatamento ninguém faz em uma hora, duas horas. Eu recebo um alerta do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] e as equipes vão lá, atuam, multam. Eu tenho alguns dias para fazer [o combate a] um desmatamento. Alguém com um palito de fósforo, em menos de 20 minutos, produz um incêndio", explicou.
A ministra observou também que o país não possui tecnologia para lidar com tamanha complexidade. "O equipamento tecnológico de que nós dispomos para que eu possa ter a imagem de satélite e processar essa informação leva pelo menos 40 minutos, ou seja, o fogo já se alastrou. Então é uma complexidade muito grande o processo de monitoramento em relação aos incêndios", afirmou ela, que ainda revelou a ideia do presidente Lula de criar o Conselho Nacional de Mudanças Climáticas para envolver a sociedade civil e o conjunto dos Poderes na elaboração de políticas e ações sobre o tema.
Saúde
A ministra da Saúde, Nísia Trindade, afirmou que o ministério está em permanente contato com as secretarias municipais e estaduais, realizando, portanto, um monitoramento dos casos para que o ministério possa garantir o reforço das equipes de saúde nas regiões mais afetadas. Segundo ela, ainda não houve a necessidade de abertura de leitos para a atenção aos pacientes.
"São vários problemas que podem ser gerados, eles vão desde problemas respiratórios que se tornam mais graves em pessoas já com problemas respiratórios, principalmente asma, bronquite e enfisema, mas também doenças cardiovasculares e hipertensão. Todos esses problemas são agravados nesse cenário."
O presidente Lula pediu que o Ministério da Saúde atue junto a prefeituras e governos estaduais para que seja feita uma busca ativa das pessoas que têm problemas pulmonares e podem precisar de atenção especializada, assim como de crianças e gestantes.
Além das autoridades mencionadas, estiveram presentes o secretário de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, o Advogado-Geral da União, Jorge Messias, e o procurador-geral da República, Paulo Gonet.
Recursos
Lula assinou ainda uma Medida Provisória (MP) que libera um crédito de R$ 514 milhões, distribuídos entre várias áreas do governo, para ajudar no enfrentamento à emergência. Na segunda-feira (16), o ministro do STF Flávio Dino autorizou o governo a emitir créditos extraordinários para o combate aos incêndios.
Mesmo que a MP não seja aprovada pelo Congresso no prazo máximo regimental de 120 dias, o crédito não terá impacto sobre o limite da regra fiscal, a exemplo do que ocorreu com o chamado "orçamento de guerra" durante a pandemia da covid-19. O magistrado também flexibilizou as regras para a contratação de brigadistas temporários para reforçar o efetivo que combate às chamas.
Na reunião de hoje, Barroso, presidente do STF, disse que acompanha os planos de recuperação orçamentária dos órgãos ambientais, tais como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
E anunciou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, na sessão desta tarde, uma recomendação para que todos os juízes deem "preferência e especial atenção" aos inquéritos que envolvem crimes ambientais.
Ele ainda criticou a legislação que impõe penas demasiado leves para esses delitos e fez sugestões. "Em relação aos incêndios criminosos, eu acho que nós precisamos criar uma vedação de regularização fundiária de áreas que tenham sido objeto de queimadas", defendeu.
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Já o chefe da Casa Civil, Rui Costa foi o responsável por fazer o anúncio das ações que serão tomadas no âmbito do governo federal. Além do crédito excepcional para o enfrentamento aos incêndios, o ministro anunciou a reestruturação das defesas civis, bem como dos corpos de bombeiros, em diálogo com os governos estaduais. Temos que discutir com os governadores como capilarizar isso com os municípios. "Em se tratando de incêndio, quanto mais descentralizado, melhor", declarou.
Costa anunciou ainda que o governo enviará outra MP ao Congresso para facilitar a liberação de recursos do Fundo Amazônia, simplificando o rito para casos emergenciais. O governo também vai avaliar a criação de fundos similares para outros biomas.
O ministro também anunciou o envio de um projeto ao Congresso para propor a revisão dos valores de sanções administrativas de acordo com a gravidade do delito, assim como das penas previstas para incêndios florestais. Finalmente, Costa reforçou que as reuniões da sala de situação sobre a emergência climática devem ser mantidas até o fim da crise.
Edição: Martina Medina