Salvador Allende é uma das figuras mais rememoradas na Venezuela. Junto com os libertadores da América, o ex-presidente do Chile dá nome a prédios, universidades e avenidas da capital Caracas. Um dos principais salões da chancelaria venezuelana tem um quadro de Allende ao lado de uma obra de Che Guevara. Mas a evocação do chileno não fica só no campo imagético e a referência política é usada até hoje no processo de revolução bolivariana.
A relação de Chile e Venezuela remonta a um período anterior à presidência do chileno. Durante o regime militar de Juan Vicente Gómez (1908-35), dezenas de venezuelanos se exilaram no país e construíram uma linha política com outros militantes em Santiago. O Chile também serviu de exílio para Romulo Betancourt, que foi duas vezes presidente da Venezuela. Na segunda vez, em 1939, ele conheceu o então ministro da Saúde, Salvador Allende. Naquele momento, os dois estabeleceramo que seria uma relação de proximidade entre as esquerdas dos dois países.
Quando assumiu a presidência em 1970, Allende não tinha afinidade política grande com o então chefe do Executivo da Venezuela, Rafael Caldera, que era do partido de direita Comitê de Organização Política Eleitoral Independente (Copei). Ainda assim, o chileno fez em dezembro de 1972 uma viagem para Caracas para reunião bilateral com Caldera. Apesar de não ter resoluções significativas, o gesto foi simbólico, já que a Venezuela não nutria relações diplomáticas próximas a governos de esquerda.
A resposta foi dada dois meses depois, quando o venezuelano visitou Santiago em um momento de maior tensão envolvendo a participação dos EUA de cada vez mais ingerência sobre o território chileno.
Com a morte de Allende e a chegada de Augusto Pinochet ao poder, milhares de chilenos deixaram o país e muitos deles tiveram como destino a Venezuela. Uma figura marcante nisso foi a escritora Isabel Allende, sobrinha do ex-presidente. Ela foi morar em Caracas com seus filhos e durante a sua passagem pela capital, escreveu o livro A Casa dos Espíritos.
Influência política
Além da memória de Allende enquanto um importante líder da esquerda latinoamericana em seu tempo, a Venezuela também tem no chileno uma referência para a revolução bolivariana que começou com o ex-presidente Hugo Chávez. De acordo com Reinaldo Tamaris, professor de Economia Política da Universidade Bolivariana da Venezuela, a diplomacia do ex-presidente do Chile teve como principal marca na relação com a Venezuela um intercâmbio cultural muito forte.
Com a morte de Allende, a imagem do importante líder regional de esquerda só é retomada com Chávez.
“Com Chávez, ele volta a aparecer porque ele representa a luta dos povos, é símbolo de resistência. É isso que resgata Chávez, sua admiração com Allende era enorme. Isso Chávez manifestou em muitas ocasiões. O importante aqui é que ele é um símbolo e um mártir do socialismo”, disse Tamaris ao Brasil de Fato.
Para ele, havia não só uma aproximação política entre os dois líderes como também uma semelhança no processo de representação do povo no poder. Tanto Chávez quanto Allende assumiram a presidência em eleições e trazem com isso a ideia de um governo que defende os interesses do povo. Outro ponto de convergência é o resgate dos libertadores da América. Não só o venezuelano fez questão de colocar a imagem do Simón Bolívar no lugar mais alto do processo revolucionário venezuelano, Allende também sempre fez questão de citar o libertador em seus discursos.
Em seu discurso de posse no estádio Nacional do Chile, Allende cita uma frase de Bolívar que coloca o Chile enquanto uma nação com “espírito de liberdade”.
“Simón Bolívar colocou para nosso país: ‘Se alguma república permanecer muito tempo na América, estou inclinado a pensar que será a chilena. O espírito de liberdade nunca se extinguiu ali’. Nosso caminho chileno também será o da igualdade”, afirmou em 1950.
Chávez também incorporou parte do conteúdo de Allende na sua forma de governo. Segundo Tamaris, o fundamental se deu na política anti-neoliberal.
“Politicamente o que mais tomou Chávez é o que tem a ver com o neoliberalismo. Allende sempre foi um lutador contra o neoliberalismo. Ele sempre demonstrou ser anti-imperialista e anticapitalista. Essa é uma política econômica que é tomada pela revolução bolivariana, de lutar contra o neoliberalismo. Por isso que os EUA mantêm esse discurso contra a Venezuela”, disse.
A inspiração de Allende não se limita só à esquerda venezuela. Depois de 51 anos da sua morte, movimentos populares de toda a América Latina ainda reivindicam a imagem de Allende. “Para muitos movimentos de esquerda Allende foi uma esperança de que as coisas poderiam melhorar”, concluiu Tamaris.
Edição: Rodrigo Durão Coelho