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Coluna

O futebol brasileiro precisa descer do salto

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A Seleção Brasileira foi derrotada pelo Paraguai nesta terça-feira (10), pela oitava rodada das Eliminatórias da Copa do Mundo - Rafael Ribeiro / CBF
Outros países podem ter olhado o que fizemos aqui e buscado soluções dentro do contexto de cada um

*Luiz Ferreira

No dia 15 de julho deste agitado ano de 2024, a Argentina levava mais uma Copa América pra casa ao bater a melhor Colômbia desde Valderrama, Rincón e Asprilla na prorrogação com um gol de Lautaro Martínez. É essa mesma Argentina que conquistou tudo desde a Copa América de 2021 realizada aqui no Brasil.

O trabalho iniciado por Lionel Scaloni após a péssima passagem de Jorge Sampaoli no comando da equipe (e a campanha terrível na Copa do Mundo de 2018) rendeu frutos, criou uma base sólida e trouxe todos os jogadores para junto da seleção. De Paul, Lautaro, Emiliano "Dibu" Martínez, Di María, Julián Álvarez, dos mais velhos aos mais idosos há uma unidade e uma identificação muito grande em torno da tricampeã mundial, onde quase todos jogam fora da Argentina. 

Em tempo: a confiança em torno do trabalho de Lionel Scaloni à frente da Argentina ganhou força depois da Copa América de 2019, mesmo com a derrota da Albiceleste para o Brasil nas semifinais. Ao invés da caça às bruxas, os dirigentes ouviram os jogadores e deram mais tempo para o treinador. O resultado está aí.

Nesse mesmo dia 15 de julho, a Espanha comemorava seu quarto título de Eurocopa (o terceiro neste século) com uma equipe formada por jogadores que frequentam as seleções de base há bastante tempo. Além das referências Carvajal, Rodri e Morata, há a confiança em jovens como Pedri e os filhos de imigrantes Nico Williams e (talvez a grande sensação do momento) Lamine Yamal. Dois jogadores pretos que se destacam num país que fez o que fez com Vinícius Júnior não tem muito tempo.

Vale lembrar também que esta mesma Espanha tinha sete jogadores (eu disse sete jogadores) que disputaram a final Olímpica de Tóquio contra o Brasil no seu elenco na Eurocopa. São eles: Unai Simón, Cucurrella, Merino, Dani Olmo, Pedri, Zubimendi e Oyarzabal. Apesar das campanhas ruins nas Copas de 2014, 2018 e 2022, o trabalho foi mantido com foco na base e a confiança em Luis de la Fuente, treinador que conhecia a grande maioria desses jogadores desde a base. Foi campeão europeu com a equipe Sub-19 e Sub-21 antes de chegar na seleção principal.

Hoje, podemos afirmar sem medo nenhum de errar que Argentina e Espanha são as seleções mais influentes do planeta nesse século XXI. Cada uma com seus métodos e suas maneiras distintas de praticar o velho e rude esporte bretão, mas altamente competitivas e extremamente talentosas.

E o Brasil nessa história toda?

Antes de mais nada, eu gostaria de relembrar uma conversa que tive com meu pai, Seu Fernando, angolano de nascimento, torcedor do Benfica de Portugal que se apaixonou pelo Botafogo quando chegou por aqui em 1976. O Brasil havia acabado de ser eliminado pela França da Copa do Mundo de 2006 com aquele show do Zidane. Este que escreve, furioso como todo torcedor daquela época, não entendia como um time que tinha Ronaldo, Adriano, Ronaldinho Gaúcho, Kaká e tantos outros craques tinha feito um Mundial tão fraco. Eis que Seu Fernando, com toda a sua sabedoria, largou a bomba no meu colo...

"O problema de vocês, brasileiros, é que vocês se acham os melhores do mundo, mas não sabem como ganharem e se esquecem de que os outros também sabem jogar bola!". Aquilo doeu mais do que o gol do Thierry Henry. Mas o "velho" tava certo.

A (até agora) única seleção pentacampeã do planeta vive uma crise sem precedentes.

Na última terça (10), o Brasil foi derrotado por um valente Paraguai no Defensores del Chaco apresentando um futebol pobre e sem brilho. Dorival Júnior, o escolhido para substituir Fernando Diniz no comando da amarelinha, conseguiu bons resultados no começo, mas vem errando demais nas escolhas e apostando em jogadores que não se encaixam no modelo de jogo escolhido. São quatro derrotas em oito rodadas das Eliminatórias da Copa do Mundo.

Além do treinador, jogadores como Vinícius Júnior, Rodrygo, Bruno Guimarães e Lucas Paquetá simplesmente não conseguem jogar nem dez por cento do que jogam pelos seus clubes. Enquanto isso, a imprensa se divide entre aqueles que afirmam que "a seleção não mete mais medo em ninguém" e os que dizem que "não formarmos mais grandes talentos".

A mesma imprensa que defendeu renovação ampla e irrestrita e o combate à "Neymardependência" agora se rende ao talento do único jogador "diferente" que essa geração teve. E que dificilmente deve retornar aos gramados em alto nível depois da grave lesão sofrida no joelho durante um jogo da Seleção Brasileira.

Este que escreve não compra a ideia da "crise de talentos" que a imprensa tenta vender para o torcedor. Se fosse assim, não teríamos Vinícius Júnior e Rodrygo brilhando pelo Real Madrid, Ederson engatando várias temporadas como titular no Manchester City e mais uma série de jogadores jovens sendo vendidos a peso de ouro para o futebol europeu. Temos sim, muito talento por aqui e muita gente boa trabalhando no futebol dentro e fora dos gramados.

O problema é que até hoje nós não sabemos como e por que ganhamos. E nem como e por que perdemos. Sempre que somos derrotados (como fomos nessa Copa América) os discursos e as justificativas são as mais estapafúrdias possíveis. Treinadores, jogadores e imprensa, todos parecem desconectados da realidade. E desde 2006, o discurso é sempre o de terra arrasada, o de desastre completo. Nada presta e tudo precisa ser modificado.

A CBF, por sua vez, coleciona escândalos de corrupção desde a década retrasada. Se estiverem de bobeira qualquer dia desses, deem um Google e confiram. O ano de cada escândalo bate perfeitamente com cada derrota pesada da seleção brasileira.

Incluindo os 7 a 1 em 2014...

Em tempo: lembrem-se de que essa mesma CBF demorou dois anos para escolher o substituto de Tite na seleção brasileira, apostou na vinda de Carlo Ancelotti, manteve Fernando Diniz como interino e jogou Dorival Júnior num tremendo rabo de foguete pra fazer o que desse pra fazer. Planejamento zero. E são poucos os jornalistas que se lembram disso.

Dorival tem sim sua parcela de culpa. Assim como os jogadores. Mas apenas pedir a demissão ou a saída de A ou B é ignorar tudo que a CBF vem fazendo. É o maior festival de besteiras que o planeta já viu desde o FEBEAPÁ do grande Stanislaw Ponte Preta.

Além disso, cada youtuber, jornalista ou influencer de hoje se esquece de Copas do Mundo começam a ser vencidas lá atrás com planejamento, trabalho e muita dedicação de todas as partes. Esqueçam aquele papo de que a camisa amarelinha ainda tem peso e que basta juntar todo mundo para que "a magia aconteça".

Quer magia? Abre um livro do Harry Porter. O papo aqui é futebol, meu consagrado.

Não sabemos porque vencemos e nem porque perdemos. Mas o futebol brasileiro segue calçando um salto quinze e se recusando a descer dele. O futebol mudou. Isso é fato. E negar essas mudanças é negar que o mundo evolui em todos os aspectos (apesar de todos os problemas). É negar que outros países podem ter olhado o que fizemos aqui e buscado soluções dentro do contexto de cada um. Quando foi que você pensou que veria Marrocos chegando numa semifinal de Copa do Mundo, por exemplo? E com um time cheio de atletas que atuavam no futebol marroquino?

Não existe receita de bolo no futebol. Já falamos que a Argentina tem um elenco composto por jogadores que atuam fora do país quase na sua totalidade. A Espanha ainda valoriza a sua liga, mas olha muito para o trabalho de base.

São métodos diferentes. Mas todas essas seleções desceram do salto e entenderam que precisavam trabalhar e largar discursos velhos.

Não quero me alongar muito. Mas a sensação que fica cada vez que eu ligo a TV pra ver algum debate esportivo é a mesma. Paramos no tempo e não sabemos porque ganhamos ou perdemos. É sempre a mesma ladainha e nada de apontar as reais causas do problema.

Ou a gente começa a ter a humildade de reconhecer que precisamos mudar o pensamento com relação ao futebol, ou vamos permanecer estagnados sem saber o que fazer. Já estamos dois anos atrasados com relação aos outros países. Não precisamos jogar todo o resto do ciclo até a Copa de 2026 no limbo do futebol...

*Luiz Ferreira escreve para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.

**Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato RJ.

Edição: Mariana Pitasse