Coluna

Fogo e lamaçal

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Incêndio na região de Votuporanga (SP): quem estaria por trás de tamanha destruição? - Defesa Civil de SP
Depois da Amazônia e do Pantanal, foi a vez do estado de São Paulo arder em chamas

Olá,

Não é o apocalipse, é apenas mais um dia normal num país refém do agronegócio, das finanças e da extrema direita.

.Um país canavial. Depois da Amazônia e do Pantanal, foi a vez do estado de São Paulo arder em chamas. O que não significa que nas outras regiões o pior passou, se considerarmos que o fogo na Amazônia já consumiu quase o dobro da média histórica para o mês de agosto. No caso de São Paulo, a coordenação e a intensidade do fenômeno demonstram que os incêndios nada têm de acidentais, pois imagens de satélite mostram que os focos surgiram quase ao mesmo tempo no dia 23 de agosto. Mas quem estaria por trás de tamanha destruição? Os ingênuos podem acreditar que o agronegócio não cometeria suicídio queimando as próprias plantações. Ideia que é reforçada pelas fake news disseminadas por deputados da bancada ruralista, com a versão fantasiosa de que o MST e o governo federal seriam os responsáveis. Porém, o fato de que propriedades de grandes empresas, como São Martinho SA e da Raízen SA, tenham sido atingidas não desmente os culpados. Para além das condições climáticas propícias à disseminação das chamas, o fogo é o meio mais eficiente para os proprietários escaparem à fiscalização do IBAMA por desmatamento. Os desmatadores também têm vantagens na Bovespa, que canaliza R$560 bilhões do agronegócio e que não conta com mecanismos de punição para crimes ambientais. Além disso, como nos lembra a queima do café em 1930, não é a primeira nem a última vez que o fogo presta um vantajoso serviço para a economia capitalista. Uma das vantagens para os proprietários é a alta do preço. Foi exatamente o que ocorreu com o açúcar esta semana, que valorizou imediatamente na Bolsa de Valores de Nova Iorque. Outro impacto que pode beneficiar os empresários é a subida dos preços no varejo, tanto dos alimentos quanto do etanol, o que também sugere um possível envolvimento da máfia dos combustíveis no episódio. Isso sem contar o pacote de R$100 milhões de indenizações liberado pelo governo de São Paulo aos produtores da região. E, se o desfecho for o mesmo do "dia do fogo" ocorrido no Pará em 2019, ninguém ou só "peixes pequenos" serão punidos. Pelo menos é isso o que deseja o deputado estadual de São Paulo Lucas Bove (PL), que pretende conceder uma anistia aos envolvidos.

.Gambiarra. Lula venceu uma eleição altamente polarizada em que, na prática, nenhum setor, nem os trabalhadores, se somaram unitariamente a um dos candidatos. Salvo o Exército e o agronegócio que não abandonaram Bolsonaro, todos estavam divididos. Parte do capital financeiro votou em Lula, parte não. Parte da indústria aderiu, parte não. Eleito, Lula teve que compor um governo com setores que não concordavam com os seus planos econômicos e sociais, tentou retomar sem sucesso o casamento dos primeiros mandatos com os ruralistas e ainda precisou lidar com duas heranças do governo anterior no Planalto, Arthur Lira e Campos Neto.  Passados quase dois anos, fazer a geringonça funcionar tem sido mais difícil do que parecia e os resultados estão abaixo da própria expectativa do governo. Na economia, por exemplo, a volta de políticas sociais melhoraram um pouco as condições, mas com o comportamento birrento e mimado do mercado financeiro, que não aceita o que não seja "juros altos", é difícil soltar o freio de mão do crescimento. Como resultado, a pobreza diminuiu, mas os super ricos estão cada vez mais ricos. No Congresso, Arthur Lira instalou uma ditadura parlamentar na base de emendas que impede qualquer iniciativa legislativa ou executiva. Em ambos, a esperança de Lula é que 2025 seja diferente com as mudanças na presidência do BC e da Câmara. No primeiro caso, o nome de Gabriel Galípolo parece já ter passado pela sabatina da mídia e do mercado e agora espera pelo referendo do Senado. O próximo passo é a escolha do substituto de Galípolo na Diretoria de Política Monetária. No segundo, o xadrez é mais delicado. O Planalto tem combinado o jogo com Lira, mesmo que sinalize o contrário, mas sabe que o favorito do coronel alagoano, o deputado Elmar Nascimento, será a continuidade da ditadura emendista. Ainda assim, o governo não quer correr o risco de começar o ano com uma derrota fragorosa na casa, apostando num nome sem a unção de Lira que, por hora, ainda tem a caneta e o poder. Mas o jogo se decide mesmo em janeiro, que é quando o governo vai saber se pisa no acelerador ou se terá mais dois anos no ritmo da gambiarra.

.Metástase. Da esquerda à direita, as análises semanais deram visibilidade a Pablo Marçal (PRTB), o outsider candidato à prefeitura de São Paulo. O que, em si, já é uma vitória para quem adota a velha estratégia do "falem bem, falem mal, mas falem de mim". Mas ignorar o problema também não iria resolvê-lo, o que só prova que os esforços do TSE e do STF para evitar o vale-tudo em época de eleições foram insuficientes, como demonstra o enorme sucesso do candidato nas redes, superando inclusive o fenômeno Bolsonaro em 2018. Agora, as opiniões se dividem entre os que defendem que o coach deve ser tratado como um criminoso e expurgado do processo eleitoral e os que acham que ele precisa ser vencido no campo da política. Seja como for, Marçal se tornou peça-chave também na estratégia eleitoral de seus adversários. A discussão passa por responder se ele seria ou não compatível com o bolsonarismo, tendo em vista as insatisfações demonstradas por Bolsonaro e sua familícia, ou se a direita neopentecostal e verde-amarela estaria perdendo espaço por sua versão puro suco de capitalismo selvagem. A verdade é que a candidatura de Marçal também é uma demonstração de que a extrema direita cresceu e frutificou. E, apesar do capitão estar se fazendo de difícil para ter a mão beijada antes de entregar o que tem de mais valioso, sua base eleitoral, a aproximação de Carluxo indica que uma aliança pode estar a caminho. Por outro lado, a permanência do coach no páreo beneficiaria Guilherme Boulos (Psol) porque obriga Ricardo Nunes (MDB) a ir mais para a direita, polarizando o cenário político, avalia Maria Cristina Fernandes. Convenhamos também que o cenário se explica pela notória incapacidade de Nunes decolar nas pesquisas mesmo com toda máquina administrativa nas mãos. Seja como for, as eleições paulistanas evidenciam que a direita está demonstrando maior capacidade de renovação que a esquerda, além de vencer novamente o debate público e midiático. O que contrasta com o fraco desempenho do PT nas pesquisas eleitorais da região onde Lula teve maioria em 2022 - o nordeste - saindo atrás em Fortaleza-CE, Aracaju-SE, Teresina-PI e Natal-RN.

.O grande blefe de Elon Musk. Por que Elon Musk se tornou a melhor notícia para a extrema direita e como o bilionário também depende dela. No Outras Palavras.

.CIA monitorou racismo no Brasil na ditadura militar. Como a questão racial atraiu a atenção da CIA durante a ditadura brasileira. Na Agência Pública.

.Emendas parlamentares: como fragilidade de Dilma e Bolsonaro abriu caminho para crise bilionária. Na BBC, a crise política do Poder Executivo gerou a explosão de emendas.

Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Martina Medina