O governo da Venezuela disse nesta sexta-feira (23) que a “ingerência” dos Estados Unidos em torno das eleições do país é “inaceitável”. O comunicado foi uma resposta à nota dos EUA questionando a decisão da Justiça venezuelana de validar a reeleição de Nicolás Maduro para um terceiro mandato.
O Departamento de Estado dos EUA publicou uma nota afirmando que a decisão do Tribunal Supremo de Justiça “carece de credibilidade, dada a evidência esmagadora de que González recebeu a maioria dos votos em 28 de julho”. Para isso, o governo estadunidense argumenta que as “atas disponíveis publicamente” indicam que o “povo venezuelano escolheu Edmundo González Urrutia”. Os EUA pedem também que os partidos organizem uma “transição pacífica”.
A Justiça venezuelana, no entanto, disse que as atas divulgadas pela oposição em dois sites são “falsas” e o Ministério Público indiciou o ex-candidato Edmundo González por “usurpar as funções” do Conselho Nacional Eleitoral (CNE).
O Ministério das Relações Exteriores da Venezuela respondeu a nota não só dos EUA, mas também o posicionamento de Argentina, Costa Rica, Chile, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai, que têm criticado o resultado das eleições venezuelanas. Segundo o chanceler Yván Gil, a ideia desses países é formar um “novo Grupo de Lima”. O bloco foi criado em 2017 para promover ações contra o governo venezuelano na Organização dos Estados Americanos (OEA).
“Esses países, emulando o nefasto, fracassado e derrotado Grupo de Lima, pretendem continuar violando o direito internacional, cometendo um ato inaceitável de ingerência em assuntos que só convém aos venezuelanos. A Venezuela exige respeito à sua soberania. Esses governos abalam e se fazem cúmplices da violência criminosa que atacou edifícios públicos e deixou um saldo de assassinados e feridos”, afirmou Yván Gil.
Desde a eleição de 28 de julho, que deu a vitória a Nicolás Maduro, os EUA adotaram uma postura errática. Três dias depois do pleito, o Departamento de Estado dos EUA disse, sem apresentar provas, que o candidato da Plataforma Unitária, Edmundo González Urrutia, havia recebido mais votos na eleição presidencial. Mas, em 5 de agosto, o porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Matthew Miller, afirmou que o país não reconhece González como presidente da Venezuela.
Agora, o país afirma que Edmundo González venceu o pleito, mas usa as atas divulgadas pela oposição como argumento. No entanto, a veracidade desses documentos não foi comprovada.
Mediação de vizinhos
Logo depois das eleições, Brasil, Colômbia e México começaram a articular uma negociação com o governo da Venezuela. Primeiro eles pediram que "as controvérsias sobre o processo eleitoral devem ser dirimidas pela via institucional" e que o resultado do pleito deve passar por "verificação imparcial". Depois, pediram que o resultado fosse divulgado não pela Justiça, mas pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE).
Depois, Lula e Petro sugeriram a realização de novas eleições e de um "governo de coalizão" para esse momento. O chefe do Executivo mexicano, Andrés Manuel López Obrador, disse que não vai falar com os presidentes Lula (Brasil) e Gustavo Petro (Colômbia) até que o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela (TSJ) emita um posicionamento sobre as eleições do país.
Nesta sexta, Obrador disse que é preciso esperar, já que o TSJ deu a sua decisão e ainda cobrou a publicação dos resultados desagregados. “O Tribunal sustenta que o presidente Maduro venceu as eleições e, ao mesmo tempo, recomenda que as atas sejam divulgadas. Acho que tem uma data na resolução, então vamos esperar ”, afirmou.
Além de validar o resultado eleitoral, o TSJ pediu a publicação dos resultados na Gazeta Eleitoral do país. O CNE tem 30 dias para a publicação dos resultados a partir da proclamação dos candidatos, realizadas em 29 de julho. A Corte também citou na decisão casos de outros países em que as eleições foram judicializadas, como do Brasil em 2022 e dos Estados Unidos em 2020.
Judicialização
O processo eleitoral venezuelano está sob disputa judicial. A oposição contestou a eleição de Nicolás Maduro para um terceiro mandato. Isso, somado à denúncia de ataque hacker pelo CNE, levou Maduro a pedir uma investigação pela Justiça. O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) investiga os supostos ataques, recolheu todo o material eleitoral do órgão e ouviu nove dos dez candidatos que disputaram o pleito. Só o opositor Edmundo González Urrutia não compareceu.
O grupo liderado pela ex-deputada ultraliberal María Corina Machado afirma ter recolhido mais de 80% das atas eleitorais e que, a soma desses resultados, daria a vitória a Edmundo González Urrutia. Os opositores de Maduro divulgaram em dois sites uma suposta lista das atas eleitorais. Em um deles, o usuário digitava o seu documento de identidade e aparecia supostamente a ata eleitoral da mesa que aquele usuário votou. No outro, havia um compilado com os dados de todas as atas que a oposição afirmava ter.
Mas eles não enviaram a relação completa das atas à Justiça venezuelana e nem entraram com processo pedindo a revisão ou a impugnação dos resultados eleitorais. Corina disse que seu candidato, Edmundo González, ganhou o pleito por larga margem, supostamente com 67% contra 30% de Maduro.
Com o início das investigações pela Justiça, Edmundo González Urrutia não se apresentou ao TSJ e enviou como representante o governador de Zulia, Manuel Rosales. Em discurso depois da oitiva, Rosales disse que a oposição "não precisa entregar nada" e exigiu a apresentação das atas eleitorais pelo CNE.
O setor de extrema direita tinha duas opções: ou abrir um processo próprio na Justiça do país ou apresentar as provas na investigação que já está em curso. O grupo, no entanto, não optou por nenhuma das duas saídas.
Edição: Leandro Melito