NÃO EMPOLGOU

Duas semanas após eleição, atos violentos da oposição perdem força e direita sai das ruas na Venezuela

Pesquisador afirma, no entanto, que não é possível descartar uma reviravolta da situação nos próximos dias

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Manifestações violentas marcaram o dia seguinte das eleições da Venezuela, mas mobilização perdeu força duas semanas depois - RAUL ARBOLEDA / AFP

As eleições de 28 de julho na Venezuela tiveram a vitória do presidente Nicolás Maduro para um terceiro mandato e deram início a uma série de contestações da oposição. No dia seguinte, as manifestações de rua ganharam corpo e a violência foi predominante nos atos da extrema direita. Mas, depois desse primeiro dia, os movimentos perderam força nas ruas e, duas semanas depois, o grupo parece ter recuado.

Antes das eleições o grupo Plataforma Unitária já havia se recusado a assinar um acordo para reconhecer o resultado do pleito. Depois da divulgação dos resultados, a extrema direita liderada pela ex-deputada María Corina Machado afirmou ter vencido a disputa e usou as atas eleitorais como argumento para isso. Segundo este setor, foram recolhidas 70% das atas que garantiriam a vitória do ex-embaixador Edmundo González Urrutia.

Manifestantes foram para as ruas no dia seguinte, 29 de julho, criando um ambiente de violência, depredando e incendiando prédios públicos. As forças de segurança atuaram e, segundo o governo, 25 pessoas morreram, 192 ficaram feridas e 2.229 foram presas nas manifestações. Uma investigação da ONU divugada nesta segunda-feira (12) afirma que o número de presos é de cerca de 1,2mil, com 23 mortes. 

Depois de uma semana, a oposição organizou um ato no bairro nobre de Las Mercedes. Sete dias depois das eleições, aquela revolta em torno dos resultados já não se expressava e a manifestação foi pequena.

De lá para cá, os atos foram se tornando ainda menores. María Corina Machado tentou manter acesa a chama de uma oposição que parecia não ter mais tanto gás para protestar nas ruas. Em sua conta no X (antigo Twitter), ela pediu “mobilização permanente” e usava frases de efeito como “agora é a hora” e “chegou o momento de sair dessa situação”. Mas, apesar do grande número de chamados, cada vez menos pessoas se mobilizaram para os atos. 

Segundo o cientista político da Universidade Central da Venezuela Franco Vielma, apesar de ter formato parecido com as guarimbas - atos violentos organizados pela oposição em 2013 e 2017 - as mobilizações deste ano têm frequência, intensidade e nível de mobilização muito mais baixos do que os registrados nas outras ocasiões. 

“Tem a ver com a atuação das forças de segurança, especialmente porque os agitadores e promotores retrocederam por medo de serem presos. Mas há também outro fenômeno. Uma parte considerável dos opositores sentiu que não há motivo para lutar, já que Maduro ganhou. E também porque muitas vezes a oposição se movimentou sem conseguir uma mudança”, afirmou ao Brasil de Fato

 

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De acordo com Vielma, há também uma “visão pragmática” da população venezuelana, que quer evitar o caos e favorecer a recuperação econômica. A inflação baixou, a moeda do país, o bolívar, está estável em relação ao dólar e muitos venezuelanos voltaram ao país nos últimos anos. Por isso, segundo ele, há uma rejeição da população a movimentos violentos.

A convocação a um golpe de Estado feita pelo ex-embaixador Edmundo González Urrutia na semana passada também não surtiu efeito. Em carta assinada por ele e María Corina, a oposição pediu que militares “desobedeçam ordens” e “respeitem o resultado das eleições”. No texto, o ex-embaixador volta a afirmar, sem provas, que o presidente reeleito Nicolás Maduro não teve mais de 30% dos votos e autoproclama presidente da Venezuela.

“A população venezuelana ficou mais pragmática em geral. Concentra os seus esforços e sua rotina no cotidiano, não quer perder tempo e energia sem um horizonte ou sem possibilidades claras. Muitos opositores não entendem o que María Corina diz quando faz esse chamado. Mas há quem entenda como um golpe de Estado e não se sentem motivados a fazer parte, enquanto tem uma parte menor que se compromete sim em uma mudança de governo”, afirma.  

Guarimbas 2024?

O dia 29 de julho foi marcante nesse caminho. O pós-eleição amanheceu chuvoso e com panelaços nos bairros de classe média de Caracas. A tensão que marcava o dia explodiu durante a tarde. O tradicional ponto de manifestações da oposição é a praça Altamira. Durante a tarde, motoqueiros fecharam as ruas do bairro e circulavam de na contramão para impossibilitar a passagem de carros. 

Todo o comércio fechou cedo. Alguns comerciantes afirmavam que estavam com medo do que aquilo poderia virar, enquanto outros apoiavam as manifestações. 

Uma guarimba não é igual a uma manifestação convencional. Desordenada, opositores caminham em sentidos opostos, muitos “motorizados” - como são chamados os manifestantes de motos - arrancam de cima para baixo e não há gritos de ordem ou músicas pedindo a saída do governo.

A reportagem do Brasil de Fato esteve nesse movimento e muitos dos manifestantes diziam: queremos derrubar o governo, de qualquer forma. As lideranças que convocaram os protestos não foram às ruas. Não havia carro de som nem um palco para centralizar as manifestações. O clima em Caracas era de tensão que aumentava com os panelaços ininterruptos e a ordem era: “Se você não está na manifestação, volta pra casa porque a situação vai piorar”.

A diferença para os protestos de anos anteriores era o perfil dos manifestantes. Em um bairro de classe média-alta de Caracas, muitos jovens de bairros populares fechavam as ruas com motos. Segundo o Ministério Público do país, grande parte deles recebeu, em média, US$ 50 (cerca de R$ 260) para participar das manifestações. 

Naquele dia, manifestantes tentaram ir ao palácio Miraflores - sede do governo venezuelano - mas não tiveram acesso às ruas que circundam o edifício. No interior do país, estátuas do ex-presidente Hugo Chávez foram derrubadas e imagens do governo chavista, apedrejadas. 

Mas, no dia seguinte, os atos já foram menores e, dois dias depois, já tinham rareado. No final de semana seguinte ao pleito, a escolha do local foi decisiva para manifestações ainda menores. María Corina e Edmundo González optaram por Las Mercedes, bairro nobre e reduto da oposição de Caracas. Manifestantes chegavam com roupas de marca e carros de luxo para um protesto que terminou em 3 horas e 30 minutos. 

Para o pesquisador do Instituto Venezuelano de Investigações Científicas Eder Peña, essa escolha foi simbolicamente ruim para a extrema direita porque deslegitima a reivindicação de que diferentes setores aderiram dessa vez ao movimento de derrubada do governo. Para ele, essa movimentação escancara uma dependência de apoio externo.

“Uma manifestação localizada em um dos bairros mais nobres do país contradiz o que eles dizem, que ganharam nos bairros populares. O que se vê nas ruas é desmobilização dos setores opositores, eles recorrem à antipolítica de forma contínua, porque se baseiam em soluções que não dependem das pessoas, mas dos Estados Unidos”, disse ao Brasil de Fato.

Eder Peña vê com estranheza o fato de essas movimentações terem sido organizadas de maneira tão rápida e com uma conduta parecida com as movimentações violentas de outros anos. Segundo ele, esse setor de extrema direita perdeu força também depois da autoproclamação do ex-deputado Juan Guaidó como presidente, que perdeu apoio da sua base eleitoral depois do fracasso de um suposto “governo interino”. 

“As mobilizações de 29 de julho pareceram que foram preparadas com antecedência. Me chama a atenção que todos esses episódios de violência tenham sido feitos logo no dia seguinte, com os mesmos métodos das movimentações anteriores de guarimbas. Mas elas perdem fôlego, porque desde a ascensão do chavismo, suas elites políticas sofreram desmobilização que se deu principalmente com o plano Guaidó. Muito do seu trabalho ele mantinha constantemente na convocação para as ruas, mas ele não tinha força para manter uma mobilização constante. Sua base social vai para as casas e eles focaram mais nas redes sociais”, afirmou.

Ele afirma, no entanto, que ainda não é possível descartar uma reviravolta na situação. Para Penã, o “desespero” ainda é componente que pode mobilizar setores descontentes. No entanto, segundo o pesquisador venezuelano, é difícil que dessa vez o empresariado nacional “embarque” nos protestos como antes por um contexto de recuperação econômica. 

“O jogo está aberto. Não tenho as melhores perspectivas porque o desespero é uma constante perigosa para a oposição. Se não há processos de diálogos para resolver essas diferenças, pode escalar. A oposição sempre recorre aos veículos e as redes sociais e tentam vender uma solução fácil. Mas o empresariado, acho difícil que faça um boicote interno, porque agora eles ganham dinheiro”, disse 

O grupo de extrema direita também conta com pouco apoios para tentar desequilibrar a situação. Os Estados Unidos não se posicionaram de forma mais dura e esperam o desenrolar das questões internas antes de tomar alguma medida mais enérgica. Peña destaca também que a oposição não conta com apoio institucional.

“Eles também não têm força na Assembleia Nacional porque boicotaram as últimas eleições, então como vai ter apoio do Legislativo?”, concluiu.

Edição: Rodrigo Durão Coelho