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Juros, emendas e votos

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Vale lembrar que, em 2008, a crise global chegou como marolinha no Brasil porque o governo adotou medidas de estímulo ao consumo e não de retração como gosta tanto Campos Neto - Foto: Agência Brasil
Talvez estejamos passando de uma guerra de movimento para uma guerra de posições

Olá,
O destino do governo passa por três desafios: superar a austeridade, desvencilhar-se das emendas parlamentares e ir bem nas eleições.


.Fundamentalismos. Em um mundo em que os bancos tiraram o lugar das indústrias no centro do capitalismo e a especulação substituiu a produção, as crises financeiras se tornaram mais frequentes. Como vimos em 2008, 2020 e na segunda-feira passada. Resumidamente: com o mundo cada vez mais implicado em conflitos bélicos, a economia estadunidense dando todos os sinais de entrar em recessão e com uma eleição à frente cujo resultado é uma incógnita, os apostadores globais correram em busca de um porto mais seguro, trocando dólares por ienes japoneses. A moeda do Japão valorizou, mas numa economia de juros baixíssimos as exportações ficaram mais caras e os juros de empréstimos maiores, derrubando as bolsas de Tóquio, da Ásia e da Europa. E o Brasil? Segundo Luis Nassif, que explica o contexto histórico da crise neste artigo, o país pode ter uma oportunidade para crescer. O economista-chefe da insuspeita XP também acha isso e sugere que os juros brasileiros não deveriam aumentar. Mas, em se tratando da seita do Reverendo da Austeridade Roberto Campos Neto, qualquer episódio é justificativa para repetir o mantra de “vamos subir os juros”. Ideia que já é repetida em coro pela Faria Lima, que continua alvoroçada com o aumento do emprego, e que, segundo Miriam Leitão, já está em campanha para manter a taxa nos níveis estratosféricos mesmo com a mudança na presidência do BC no fim do ano. Vale lembrar que, em 2008, a crise global chegou como marolinha no Brasil porque o governo adotou medidas de estímulo ao consumo e não de retração como gosta tanto Campos Neto. Além disso, recomenda novamente Nassif, o mais prudente seria o BC intervir no câmbio. Mas de que vale a ciência econômica e a razão quando se trata de fundamentalismo cego, não é mesmo? Nada indica que a política do BC vá mudar e, o que assusta, é que os ecos da pregação já sejam repetidos pelo n.º2 do Ministério da Fazenda em defesa da autonomia do Banco Central e da sagrada meta fiscal.

.Fechando a torneira. Ao aceitar o veredito da austeridade pregada pela Igreja do Banco Central do Reino de Campos Neto, o Ministério da Fazenda começa a cortar a própria carne do governo em nome do equilíbrio fiscal. O problema é que o contingenciamento atingirá algumas vitrines de Lula: R$ 4,5 bilhões do PAC e mais R$ 1,2 bilhões do Ministério da Educação, que afetará o Programa Pé-de-Meia. Por outro lado, quem só pensa em gastar é Arthur Lira e sua turma, já que as emendas parlamentares se tornaram moeda de troca que fidelizam os currais eleitorais. Daí porque a ação do STF veio em boa hora para o governo. Desde a semana passada, o ministro da Corte, Flávio Dino, ameaça acabar com a festa no Congresso. Frente à constatação de que a decisão anterior do Supremo, que definiu a inconstitucionalidade do orçamento secreto, foi descumprida, Dino decretou a auditoria dos recursos distribuídos, além de instituir novas regras para garantir a transparência das emendas Pix. O movimento imediatamente ganhou o apoio da PGR e ameaça de retaliação do Congresso ao governo, visto como o articulador da ofensiva. O que se discute agora são os efeitos dessa decisão para o funcionamento do Congresso, incluindo a sucessão na Câmara e no Senado. O certo é que a decisão de Dino dá maior margem de manobra para o governo em suas negociações com o Congresso. Se a situação de Davi Alcolumbre é relativamente confortável no Senado, na Câmara, mexer com a distribuição de emendas pode bagunçar os planos de Arthur Lira de construir um nome que agrade tanto o governo quanto a oposição, e a disputa segue aberta. O segundo embate entre o STF e o Congresso é a definição sobre o Marco Temporal. Nesse caso, a indicação de integrantes da bancada ruralista para negociar a questão com o Supremo não é apenas provocação, mas principalmente uma mostra de que o agronegócio não arredará pé de sua posição. No momento em que os Guarani Kaiowá estão sofrendo um novo massacre no Mato Grosso do Sul, o termo “audiência de conciliação” ganha ares de eufemismo e, depois de tanta pressão e violência, ninguém mais acredita numa saída favorável à causa indígena. 

.Voto a voto. Ainda é cedo para bater o martelo, mas o clima geral dessas eleições está mais para “manter o que está e melhorar o que dá” do que para mudanças radicais e aventuras. Assim, não espera-se que haja uma nova onda de figuras como Alexandre Kalil, João Dória, Kim Kataguiri e Nikolas Ferreira que emergiram do mundo empresarial e das redes sociais para chegar à política na crise dos anos 2014 - 2018. Claro, sempre há um Pablo Marçal (PRTB) para tentar desmentir a regra, mas até agora as pesquisas eleitorais não apontam o coach no primeiro batalhão dos concorrentes  para a capital paulista. Aliás, a tendência é que o índice de reeleição no país seja alto. Por enquanto, cinco capitais têm possibilidade de confirmação dos atuais mandatários já no primeiro turno. Bruno Carazza avalia que, além de uma tendência de longo prazo que vem desde as eleições municipais de 2020, quando o eleitorado optou por um voto mais conservador, há também um fator econômico: o coronelismo à base de emendas estaria funcionando a todo vapor. Por isso, talvez estejamos passando de uma guerra de movimento para uma guerra de posições, com o lulismo e o bolsonarismo medindo forças com os olhos voltados para 2026. O resultado é um cálculo mais cuidadoso de alianças, com o PT optando por ser cabeça de chapa em apenas 13 das 26 capitais, e mais 5 como vice, e deixando as demais para aliados de ocasião, como o velho conhecido Eduardo Paes (PSD) no Rio de Janeiro. Na verdade, quem parece estar construindo algo novo é Bolsonaro, que além de tentar minar as bases regionais de Lula, precisa consolidar posições se quiser ter algum futuro político. Neste caso, a cara da política bolsonarista não é um outsider, mas um quadro orgânico da Abin que já foi braço direito de Bolsonaro, Alexandre Ramagem, e que está sobrevivendo o suficiente para angariar apoio dos principais grupos políticos para sua candidatura no Rio de Janeiro.


.Ponto Final: nossas recomendações.


.'Olimpíadas das mulheres pretas': o protagonismo das atletas negras do Brasil. A BBC discute a atualidade da questão étnico-racial nos Jogos Olímpicos.


.Quando os trabalhadores realizaram suas próprias Olimpíadas. Conheça a experiência proletária e socialista dos jogos de Viena, em reportagem publicada em 2021 na Jacobina.

.A jornada das atletas refugiadas que irão às Olimpíadas. A Revista Gama conta a impressionante história das 13 mulheres da equipe de refugiados.

.Ainda é maio no RS. No Nonada Jornalismo, como a periferia de Porto Alegre ainda vive as consequências da enchente histórica.

 

.Não existiu uma ‘Abin Paralela’. João Filho mostra que a espionagem ilegal e a perseguição política é o modus operandi normal da Agência Brasileira de Inteligência. No Intercept.


.O crime chocante que escancara o privilégio dos militares no Brasil. Reportagem do Tab Uol mostra a mamata das pensões militares que beneficiam inclusive assaltantes e estupradores impunes.


.Chega ao Brasil best-seller global sobre ultraprocessados. Livro narra o pioneirismo brasileiro na denúncia contra a indústria alimentícia. Em O Joio e o Trigo.


.O que Elon Musk quer com o Brasil?. A Agência Pública entrevista o repórter Jack Nicas, do NY Times, sobre as relações de Elon Musk com a extrema-direita e os interesses na América do Sul.

.Milton Nascimento & Esperanza Spalding. Assista a participação de Milton Nascimento nesta semana no prestigioso Tiny Desk Concerts, produzida pela NPR, rádio pública dos Estados Unidos.


Errata: Na edição passada, sobre as eleições venezuelanas, informamos incorretamente que a opositora Maria Corina Machado foi impedida de concorrer por ter dupla nacionalidade venezuelana e panamenha. Machado não pode disputar eleição por estar inabilitada por 15 anos por ocultação de renda. Em 2014, ela perdeu o mandato parlamentar ao assumir o cargo de embaixadora do Panamá na OEA violando a Constituição venezuelana.

Edição: Nathallia Fonseca