EQUIDADE FISCAL

Imposto sobre grandes fortunas: a classe média também vai ter que pagar?

Três por Quatro discute proposta de reajuste tributário para taxação dos super ricos

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Foto que mostra Paraisópolis e prédio de luxo do Morumbi rodou o mundo e virou símbolo da desigualdade social - Foto: Tuca Vieira
Medida é crucial para combater a concentração de capital e promover justiça social

Embora a Constituição determine que a União deve instituir impostos sobre grandes fortunas por meio de lei complementar, após 36 anos, essa medida nunca foi implementada. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil conta com cerca de 413 mil milionários, entretanto, em 2022, voltou a aparecer no mapa da fome, evidenciando como o acúmulo de capital propicia a pobreza e a miséria.

Fernanda Melchionna e Silva, deputada do Partido Socialismo e Liberdade (Psol), salienta a importância de taxar as grandes fortunas, mas reforça que tais reformas não prejudicam "quem ganha um pouquinho a mais ou tem dois ou três imóveis", sublinhando que a classe média não corre risco de ser afetada ou penalizada.

Em um momento de crescente debate político e econômico, a taxação das grandes fortunas e dos super ricos se tornou um tema crucial. Esse assunto, muitas vezes confundido por segmentos da sociedade, merece uma compreensão clara e objetiva.

Para entender melhor o imposto sobre grandes fortunas no Brasil e a proposta de um imposto global sobre os super ricos, os jornalistas Nara Lacerda e Igor Carvalho conversam com a economista e professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Juliane Furno, que estreia como comentarista fixa na bancada do podcast Três Por Quatro, e com Melchionna. Ela apoia o Projeto de Lei 277/2008, que estabelece a taxação das grandes fortunas.

A proposta de taxação desses estoques de riquezas no Brasil, segundo a deputada, é progressiva e arrecadaria cerca de R$ 40 bilhões por ano. Esse montante, embora significativo, é apenas uma parte do que poderia ser arrecadado com outras ações. No entanto, a deputada enfatiza que o simbolismo dessa medida é crucial para "combater a concentração de capital e promover justiça social".

Atualmente, no Brasil, não existe equidade sobre a alíquota cobrada sobre o Imposto de Renda. Enquanto a classe média chega a pagar cerca de 27% em impostos sobre sua renda, a elite brasileira paga apenas de 6% a 7%. Logo, os mais ricos chegam a pagar quatro vezes menos tarifas do que as classes média e baixa do país.

Dessa forma, Melchionna destaca a necessidade de uma "revolução no imposto de renda", não apenas para diminuir os impostos e encargos para as parcelas menos favorecidas da população, mas como um "elemento de combate à desigualdade e à concentração (de capital) num momento em que a gente vê o aumento da concentração e da desigualdade no Brasil".

Em concordância, Furno ratifica que, apesar da proposta ser a tarifação das grandes fortunas em benefício das classes mais carentes, para a classe média "isso significa uma vitória, um avanço sobre uma pauta de caráter estrutural, que é a desigualdade, e que nos colocaria numa posição mais favorável do ponto de vista da luta de classes".

Imposto de (alta) renda

As abundantes quantias monetárias em posse de uma pequena parcela da população vão além dos seus respectivos resultados no setor econômico. Elas também são consequência de um processo de negligência social e política, que ainda hoje facilita cenários extremos de desigualdade.

Para enfatizar a importância de tarifar grandes fortunas, a deputada relembra que atualmente, no Brasil, o mais rico tem a riqueza global igual à dos 107 milhões mais pobres no Brasil. "Nós estamos falando que uma pessoa ou uma família tem a mesma renda dos 107 milhões de brasileiros mais pobres juntos", citando estudos realizados pelo Comitê de Oxford para o Alívio da Fome (Oxfam).

Melchionna salienta como a ausência de medidas públicas torna as parcelas mais pobres da população ainda mais carentes. Ela relembra o período em que o mundo todo sofria com a pandemia do covid-19, e como esta fase refletiu diretamente no bolso da população de forma desigual.

"Não só no Brasil, mas também no mundo, existem mais bilionários depois da pandemia do que antes, o que significou empobrecimento de grande parte do nosso povo. Quatro a cada cinco bilionários aumentaram o seu estoque de riqueza nos últimos anos", aponta.

Segundo a deputada, a classe média baixa, não só neste intervalo de pouco mais de três anos, mas até hoje "não consegue viver com um salário-mínimo, tem que pedalar, (e ainda) consome todo o salário, e fica devendo!"

Essa discussão não é exclusiva do Brasil. Recentemente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu a criação de um imposto global de 2% sobre a riqueza dos bilionários durante uma reunião do G20 no Rio de Janeiro. 

"O debate sobre a taxação de grandes fortunas é diferente do debate sobre renda", destaca Melchionna. "Estamos falando de uma reforma sobre a riqueza, sobre o estoque de patrimônio acumulado."

O fator ambiental

Da mesma forma como a insuficiência tributária afeta a faixa mais pobre da população, não só brasileira, mas também global, o meio ambiente também se torna vítima deste crescimento capitalista desenfreado e sem rédeas, cujo interesse principal é o faturamento próprio em detrimento não só dos cidadãos, mas também do meio em que estão inseridos.

No Brasil, um dos principais acúmulos de capital está em posse dos grandes empresários do "ogro negócio e da pecuária", como satiriza a deputada. Essas atividades econômicas, além de se valer da exploração da mão de obra da coletividade local, agride não só o solo, mas também a atmosfera.

Além de adequar os impostos sobre o montante patrimonial e seus eventuais rendimentos, as medidas de reajuste sobre arrecadação também visam implementar leis de incentivo à proteção e recuperação ambiental, de modo a reparar os resultados das atividades econômicas promovidas pelo agronegócio.

Furno reitera que, em meio a uma reforma tributária, "as questões climáticas são essenciais e elas tendem, como qualquer elemento numa sociedade capitalista, a prejudicar cada vez mais os mais pobres!"

A economista sugere que setores econômicos com maior impacto ambiental, como o agronegócio e a pecuária, sejam responsabilizados e incentivados a investir em tecnologias mais sustentáveis.

"No próximo capítulo da reforma tributária, tem que ter imposto seletivo sobre setores econômicos que têm um impacto ambiental maior para o país, e formas de incentivo para aqueles que são mais poupadores em energia, que são mais tecnicamente desenvolvidos do ponto de vista da otimização e da utilização de recursos", defende.

"A reforma tributária não é somente sobre capacidade fiscal do Estado ou sobre reduzir desigualdade, é uma forma de agir de modo a estimular setores econômicos para preservar o meio ambiente", conclui a economista.

Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país e do mundo.

 

Edição: Martina Medina