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‘Alimentação escolar é muito mais que lanche’: entidades enviam carta ao governo exigindo avanços no Pnae

Mais de 50 entidades se reuniram com indígenas e quilombolas para ouvir demandas de como aprimorar relação com governo

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Pnae existe há mais de 60 anos, mas entidades exigem avanços urgentes no programa - Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Com mais de 60 anos de história, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) é visto como grande trunfo para combate à fome no país e garantia do direito à educação, ao mesmo tempo em que é capaz de gerar renda para comunidades tradicionais na produção de alimentos.  

É a partir dessa convicção que entidades se reuniram com lideranças indígenas, quilombolas, pescadoras, ribeirinhas entre outras e elaboraram uma carta de recomendações ao governo federal, ao Congresso Nacional e ao poder judiciário para avançar no Pnae. 

“É muito importante a gente garantir uma alimentação adequada, saudável, cultural. Que seja relacionada e tenha práticas com a agricultura familiar local dentro dessas escolas, para a gente poder pensar na melhora da educação”, explica a nutricionista Luana de Lima Cunha, uma das responsáveis pela carta, em entrevista ao programa Bem Viver desta terça-feira (30). 

A especialista é assessora executiva e de pesquisa da Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), uma das 50 organizações que elaboram o documento. 

Participaram da construção da carta mais de 80 representantes de comunidades tradicionais, além de técnicos, nutricionistas, gestores e organizações da sociedade civil.

“A gente conseguiu identificar quais são esses gargalos de diversas frentes, identificamos muitos gargalos em questões de logística”, explica Cunha, citando como exemplo situações enfrentadas na região amazônica. 

 “No norte do país, a gente tem uma questão que são as escolas indígenas muitos distantes. Então, às vezes, o custo da logística dessa alimentação  é muito maior do que a própria compra dos alimentos”. 

Como alternativa, a nutricionista defende uma das resoluções propostas na carta, a de fortalecer “uma alimentação de autoconsumo, diminuindo um pouco as legislações e documentações e burocracias referentes à entrega dessa documentação”, cita, comentando as dificuldades que algumas comunidades têm de aderir formalmente ao Pnae ou também o PAA (Programa Nacional de Alimentação Escolar). 

“Então, imagina a gente estar numa reserva indígena e ali tem uma produção de alimentos, as crianças fazem aquela alimentação em casa, e aquela própria alimentação vai para a escola”.  

Além deste ponto, são mais 22 recomendações na carta, exigindo, por exemplo, orçamento fixo para políticas públicas dessa natureza e também uma maior valorização de nutricionistas e cozinheiras.  

“A gente vê também a necessidade muito grande de fortalecer quem está atuando dentro do programa, que são os nutricionistas e nossas cozinheiras, que muitas vezes são invisibilizadas também dentro desse processo”, comenta. 

“Antigamente, inclusive, a gente tratava muito como merendeiras, porque a gente tratava a alimentação escolar como uma merenda, como um lanche simples de ser servido, e a gente sabe que a alimentação escolar é muito mais do que um lanche”, finaliza. 

Confira a entrevista na íntegra:

Como funciona o Pnae?

É um programa vinculado ao Ministério de Educação com mais 60 anos de existência e muito responsável também pela segurança alimentar instrucional, pensando a alimentação de todos os estudantes das escolas públicas do Brasil.  

A gente fala que ele tem um caráter universal por estar presente nos 5.570 municípios brasileiros. Ele [o programa] chega em diversas crianças e adolescentes e também no público de jovens e adultos que estão na EJA, não podemos esquecer deles. 

Trata-se de um programa da educação, como eu comentei, mas acaba tendo esse caráter também de garantir a segurança alimentar, porque muitos jovens acabam encontrando na escola, na alimentação escolar, a principal ou única refeição do dia.  

É muito importante a gente garantir uma alimentação adequada, saudável, cultural, que seja relacionada, tenha práticas com a agricultura familiar local dentro dessas escolas para a gente poder estar pensando na melhora da educação. 

Embora seja um programa com mais de 60 anos, ele se transformou numa ferramenta de apoio à agricultura familiar recentemente, certo?

A gente tem um grande marco, a partir de 2009, que vai trazer realmente os marcos legais e dispositivos sobre como vai funcionar o atendimento da alimentação escolar aqui no Brasil.  

Depois dessa lei, a gente também vai ter uma outra resolução muito importante para o Pnae, que é a resolução de número 6, que trata das diretrizes da alimentação escolar, trazendo as obrigatoriedades da presença de porcentagens de aquisição de produtos da agricultura familiar, falando um pouquinho também sobre quais alimentos deve estar [na merenda]. 

Pensando que a gente cada vez mais restringe o acesso das crianças aos alimentos ultraprocessados, [que são] produtos alimentícios que diversos estudos já relacionam ao desenvolvimento de doenças crônicas. 

Como funciona esse apoio à agricultura familiar e de comunidades tradicionais?

A gente tem uma [renda] per capita diferenciada para as populações indígenas e quilombolas, que até o momento são as únicas inclusas dentro dessa legislação. Essas populações recebem uma per capita diferenciada por serem muito atingidas por segurança alimentar nutricional. 

Na nossa carta, a gente já traz uma recomendação nesse sentido.  

Hoje, no Brasil, a gente tem uma um grupo de populações -- citando ainda povos indígenas, diversos povos quilombolas e outros povos comunidades tradicionais como os pescadores, ribeirinhos, extrativistas -- que ainda não estão contempladas dentro dessa lei. 

Então, por enquanto, a gente tem essa diferenciação para as populações indígenas e quilombolas, mas ainda tem muito para avançar. 

Que outras propostas você cita da carta?

Nós ficamos dois dias reunidos, mais de 80 pessoas, mais ou menos 30 representantes de diversos povos e comunidades tradicionais de todo o Brasil. 

A gente pôde escutar realmente de quem tá na ponta, quem tá produzindo uma alimentação de qualidade pra gente, quais são os diversos entraves que eles ainda encontram para acessar esses programas de compras públicas. Funciona para a gente compreender por onde podemos avançar. 

A partir disso, a gente conseguiu identificar quais são esses gargalos de diversas frentes, identificamos muitos gargalos em questões de logística, por exemplo. 

No norte do país, a gente tem uma questão que são as escolas indígenas muitos distantes. Às vezes, o custo da logística dessa alimentação é muito maior do que a própria compra dos alimentos. 

Então, imagina a gente estar numa reserva indígena e ali tem uma produção de alimentos, as crianças fazem aquela alimentação em casa, e aquela própria alimentação vai para a escola. 

A gente consegue tratar essa alimentação com uma alimentação de autoconsumo, diminuindo um pouco as legislações e burocracias referentes à entrega da documentação. 

Um outro ponto que a gente percebeu de muita importância é a presença de nutricionistas. A gente vê também a necessidade muito grande de estar fortalecendo quem atua dentro do programa, que são os nutricionistas e nossas cozinheiras, que muitas vezes são invisibilizadas também dentro desse processo. 

A gente não tem ainda um número específico de cozinheiras para alimentação escolar, por exemplo.  

Antigamente, inclusive, a gente tratava muito como merendeiras, porque a gente enxergava a alimentação escolar como uma merenda, um lanche simples de ser servido. E a gente sabe que a alimentação escolar é muito mais do que um lanche. 

Ela garante um prato de qualidade, ela garante todos os grupos alimentares e deve garantir uma alimentação adicionalmente adequada para quem estuda. 


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Edição: Nathallia Fonseca