Com uma elite preguiçosa e rentista, não há economia que cresça sem a mão bem visível do Estado
Olá,
daqui até novembro será tudo junto, disputas na economia, votações no Congresso, eleições municipais e a extrema-direita tentando virar o jogo.
.Amanhã a gente vê. O início do recesso parlamentar deixou a pauta do Congresso pendurada até agosto e, a partir daí, o tempo vai voar até as eleições. Depois disso, votação mesmo só em novembro. Por isso, a discussão agora gira em torno da definição das prioridades - do governo, das diferentes bancadas parlamentares, e do próprio STF. Na lista do governo encontram-se a reforma tributária, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, as desonerações e a regulação das big techs. Mesmo com o avanço da regulamentação da reforma tributária na Câmara, a Casa ainda precisa votar a segunda parte do texto, enquanto a primeira parte aguarda sem pressa a votação do Senado. O mesmo imbróglio vive o tema das desonerações que afetam grandes empresas e municípios e que se arrasta sem solução desde o ano passado. Neste caso, assim como na questão mal resolvida do Marco Temporal, o desfecho depende não só do governo e do Congresso, mas também da boa vontade do STF em estender os prazos das decisões judiciais e colaborar para um entendimento entre os poderes. Lula também quer dar andamento à regulação das big techs, tema que emergiu na eleição de 2018 e que até agora não saiu do papel. Do outro lado, temos no Senado a tentativa de ressuscitar a proposta do fim da reeleição no Brasil. As demais pautas ficam por conta dos lobbies. O da Faria Lima pretende avançar com a aprovação da autonomia financeira do Banco Central, que engatinha devido aos entraves - mesmo que tímidos - impostos pelo governo. Já do lado do agronegócio, mirando a disputa ideológica e as eleições, há um conjunto de medidas anti-MST aguardando no Senado, pauta porém considerada pouco propositiva por parte da própria bancada ruralista. Além das eleições, a vida no Congresso ainda deve ser contaminada pela sucessão dentro da Câmara. A estratégia de Arthur Lira é trazer o governo para seu lado e, por enquanto, deixar o terreno aberto para os três principais cotados - Elmar Nascimento (União-BA), Antonio Brito (PSD-BA), e Marcos Pereira (Republicanos-SP). Já para o governo, a margem de manobra é estreita, afinal, participar da sucessão acumula créditos com o futuro presidente da Câmara, mas também tem seus riscos e pode fragilizar ainda mais a já capenga articulação política dentro do Congresso.
.Make Bolsonaro Great Again. Com os inquéritos das joias sauditas e das fraudes na carteira de vacinação caminhando para um indiciamento e as investigações sobre a Abin Paralela revelando um misto de gangue com Gestapo, a melhor notícia para a família Bolsonaro foi o atentado contra Donald Trump. Como lembra Valério Arcary, convém não cair nas armadilhas das teorias conspiratórias, e como elenca Josué de Medeiros, há diferenças entre o cenário da facada de Bolsonaro e o tiro de Trump. Para além dos impactos que tenha na eleição norte-americana, o fato é que o episódio deu combustível para a retórica da extrema-direita e pode recolocar os EUA no centro deste movimento, que vinha sendo ocupado pela sua variante europeia. Fora as já esperadas fake news, como um falso vídeo de Trump comparando a situação com a facada e o delírio de Flávio Bolsonaro culpando a extrema-esquerda (se é que isso existe nos EUA), a questão é saber qual será o efeito sobre as hostes da direita aqui. O mais preocupante seria um aumento da violência política, uma marca estrutural da política americana, que o bolsonarismo deu cores tropicais à nossa tradição jagunça. Só este ano, já foram registrados 187 casos de violência política, incluindo 25 assassinatos. Por isso também, o governo deve voltar a insistir no Senado que a reforma tributária inclua as armas no “imposto do pecado”. Do ponto de vista eleitoral, uma hipótese é que o discurso de perseguição “política e global” fidelize o eleitor no campo bolsonarista, bloqueando outras alternativas de direita. E, enquanto Ciro Nogueira aposta numa estratégia pragmática de eleger o maior número de senadores para derrubar a inelegibilidade mais adiante, a família Bolsonaro sonha que, uma vez eleito, Trump pressione publicamente as autoridades brasileiras por uma anistia que permita ao ex-capitão concorrer em 2026.
.Férias frustradas. Depois de um semestre apanhando do próprio partido, do mercado e da mídia, e tendo a carteira batida toda semana pelas emendas do Congresso, ainda não será desta vez que Fernando Haddad terá paz e tranquilidade. Passado todo o barulho das últimas semanas, o mercado decidiu baixar a estimativa de inflação e aumentar a projeção do PIB, sem porém abrir mão de uma expectativa de Selic em 10,5% e o Dólar em R$5,22. Nem para agora e nem para o ano que vem. O que demonstra que a batalha pela política monetária está longe de terminar. Otimista e embalado pelo crescimento de 0,3% da economia em maio e da produção industrial em 1,7% no primeiro trimestre deste ano, Haddad até aposta em um PIB maior do que 2,5%. O otimismo não contaminou o FMI que crê no contrário, uma queda na previsão do PIB deste ano, ainda que preveja um 2025 um pouco melhor. Se não é o caso de pessimismo, ao menos de cautela na animação, como demonstram os cálculos de Luis Nassif de que a indústria ainda não pegou no tranco e que a neoindustrialização sequer começou. Isso sem contar que, apesar de ter conseguido a aprovação da reforma tributária aos trancos e barrancos, a máquina bolsonarista resolveu pôr na conta de Haddad os acordos com o Congresso. E o próximo abacaxi precisa ser descascado logo nos próximos dias: os bloqueios e contingenciamentos no orçamento. Com uma elite preguiçosa e rentista, não há economia que cresça sem a mão bem visível do Estado. E é justamente isso que Haddad vai ter que frear para garantir a sacrossanta meta fiscal. Como o bloqueio não deve atingir as despesas obrigatórias, os R$25,9 bilhões que o governo pretende congelar serão em investimentos, e os militares já se adiantaram para manter o seu quinhão. E nem assim, Haddad sai da linha de tiro do mercado, que exige cortes de R$60 bilhões.
.Ponto Final: nossas recomendações.
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Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
Edição: Nathallia Fonseca