Em apenas uma semana, povos indígenas sofreram e seguem sob ataques armados no Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul, Bahia e Ceará. Na maior parte dos casos, o modus operandi é o mesmo: o território é cercado por caminhonetes, de onde homens disparam com armas de fogo.
"Está ocorrendo um massacre dentro do Estado brasileiro", alerta o diretor-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinamam Tuxá.
"Os ataques estão relacionados à aplicabilidade da Lei 14.701/23", salienta Dinamam. Aprovada pelo Congresso no fim do ano passado, a norma impõe, entre outros ataques aos direitos indígenas, a tese ruralista do marco temporal. Segundo ela, só podem ser demarcadas terras ocupadas por povos originários até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
"Conseguimos identificar que é uma ação conjunta de tentativa de retirada dos povos indígenas com o subterfúgio da aplicabilidade da lei", alerta Dinamam Tuxá.
A bancada ruralista tenta, ainda, aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48, para prever o marco temporal também na Carta Magna. A votação deve acontecer em outubro. "A movimentação que está tendo no Congresso Nacional tem fomentado que pessoas se sintam legitimadas a praticar violência contra os povos indígenas", ressalta o diretor da Apib.
A avaliação é compartilhada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), segundo a qual "os referidos ataques são reflexo da Lei 14.701/2023". Além disso, "a vigência desta lei impacta diretamente na missão da Funai de promover os direitos territoriais dos povos indígenas", informou a autarquia ao Brasil de Fato.
Onda de ataques
Nesta quinta-feira (18), cerca de 25 homens encapuzados abriram fogo contra uma área retomada pelo povo Anacé no município cearense de Caucaia (CE). Barracos, plantações e até o cemitério das 46 famílias que residem na área há dois anos foram destruídos.
No Rio Grande do Sul, os ataques atingiram a comunidade Guarani Mbya de Pekurity e também a retomada Fág Nor, do povo Kaingang. No Paraná, a investida segue contra o tekoha Tatury, que integra a Terra Indígena (TI) Guasu Guavirá, do povo Avá Guarani.
No Mato Grosso do Sul, ataques a duas retomadas Guarani Kaiowá - uma na TI Amambaipeguá I, na cidade de Caarapó, e outra na TI Panambi Lagoa Rica, em Douradina - resultaram em dois indígenas baleados. As áreas seguem sob tensão.
No último domingo (14), no sul da Bahia, a indígena Pataxó Miscilene Conceição, de 44 anos, foi espancada e assassinada na aldeia Corumbauzinho, na cidade de Prado (BA).
"Queremos que governo seja mais contundente"
Em entrevista concedida na redação do Brasil de Fato, em São Paulo (SP), pouco antes de cerca de 60 movimentos populares se reunirem com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nesta sexta-feira (19), Dinamam Tuxá classifica como "insuficientes" as ações do governo federal diante das demandas indígenas.
"O presidente Lula anunciou um compromisso com os povos indígenas. Infelizmente ainda não conseguimos homologar as 14 terras indígenas anunciadas pelo próprio presidente como uma meta a ser alcançada nos primeiros 100 dias de governo", cobra o diretor da Apib.
Passados um ano e sete de meses de governo, foram demarcadas 10 terras indígenas. Para Dinamam Tuxá, ainda que o déficit das outras quatro demarcações prometidas seja suprido, ainda há muito o que fazer.
"Há mais de 25 terras, por exemplo, esperando a portaria declaratória no Ministério da Justiça que estão paralisadas, justamente sob o argumento da aplicabilidade da Lei, 14.701", diz a liderança indígena.
"Além das demarcações, estamos cobrando que o presidente Lula e o governo se mobilizem contra essa ofensiva do Congresso Nacional, referente à PEC 48, ao PL 709/2023, que tenta criminalizar movimentos que lutam por território", elenca.
"Queremos que o governo seja mais contundente, mais eficaz. Assim como é para a pauta econômica, que seja para a pauta dos movimentos sociais", cobra Dinamam Tuxá.
Edição: Martina Medina