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Violência digital nos relacionamentos: por que é tão difícil de identificar?

Em 2022, Brasil ocupava a 2ª posição no ranking global de vítimas de stalkerware - nome dado a programas de perseguição

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Em 2023, casos de espionagem cresceram 358% no país - Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Na era da internet, o virtual e o real estão separados por linhas cada vez mais frágeis. É nesse contexto que a violência digital nos relacionamentos emerge. Ela acontece quando uma das partes da relação usa a tecnologia para atacar, censurar, intimidar, constranger, perseguir, controlar. 

Uma expressão dessa violência é o “stalkerware”. Nome dado aos programas de espionagem que são instalados no celular da vítima, sem que ela perceba. Com ele no aparelho, dados como localização, sites visitados, buscas feitas, mensagens trocadas, ligações, entre outras coisas, são, imediatamente, informados ao espião.

Foi o caso da estudante de pedagogia Gabriela Lessa. Na primeira noite morando junto com o marido em uma nova cidade, ela se viu pressionada a transar. Não queria, porque a filha de 4 anos estava no quarto. Inconformado com a negativa, ele começou uma briga. Assustada com a situação, ela desabafou com a mãe numa conversa pelo celular. Dias depois ela descobriu que a conversa não tinha sido privada. O então marido tinha acompanhou tudo por meio de um aplicativo. 

Perseguição não para de crescer

Em 2022, o Brasil ocupava a segunda posição no ranking global de vítimas desse crime. E os casos de stalkerware não param de crescer. Em 2023, esse tipo de espionagem aumentou 358% no país. As informações são de uma pesquisa feita pela Avast, empresa de segurança digital e privacidade.

Além do stalkware, a violência digital nos relacionamentos também ocorre de outras formas, algumas delas são:

  • o seu parceiro decide quem você pode ou não adicionar nas redes sociais. E também quem você deve excluir; 
     
  • exige as senhas do seu telefone, contas de e-mail e outros aplicativos;
     
  • controla quais são as fotos que você pode postar, vigia suas conversas e suas chamadas telefônicas;
     
  • insiste para mandar nudes e tenta te convencer a entrar em conversas eróticas pelo celular com ele;
     
  • cria contas falsas para te monitorar;
     
  • envia textos ou mensagens o tempo todo e fica irritado se você não responde no tempo que ele quer;
     
  • acessa suas contas bancárias e faz transações sem o seu consentimento;
     

No caso de Gabriela Lessa, a descoberta do programa espião aconteceu por causa de “problemas” inesperados no celular. Ao clicar nos aplicativos que usava com frequência, como Facebook e Whatsapp, o aparelho desligava. Foi quando ela viu no histórico de download um programa que ela não lembrava de ter instalado. Jogando o nome no Google, percebeu o que estava acontecendo. 

A violência não fica somente no digital

Mesmo que aconteça no meio digital, a advogada Gabriela Souza explica que esse tipo de violência pode avançar para muitas áreas da vida da vítima. “Ela tem um caráter híbrido, mistura as violências patrimonial (financeira), psicológica (assédio, ameaça) e moral (difamação)”. 

Uma pesquisa feita com mais de 2 mil estudantes nos Estados Unidos, em 2020, descobriu que 28% deles já foram vítimas de violências assim. Eles contaram que caso não respondessem rápido às mensagens de seus parceiros, eram punidos com violência física e xingamentos. Em alguns desses relacionamentos o acordo era baixar um aplicativo de GPS para mostrar onde estavam.

Muitas pessoas, no entanto, têm dificuldade de perceber quando estão sendo vítimas, porque entendem que a violência é algo físico. E, nesse caso, as agressões nem sempre estão presentes. 

Quando as vítimas são mulheres há, ainda, outro obstáculo: a ideia de que controle é cuidado. Que é tudo por ciúmes e amor. Muitas vítimas tendem a amenizar “por acharem que é pouca coisa”, diz a advogada. E isso atrasa o pedido de ajuda, aumentando a situação de vulnerabilidade. “Há uma crença de que só mulheres que apanham devem pedir socorro. Mas não é assim, os riscos desse crime (digital) também são grandes”, comenta Gabriela Souza. 

Cuidados necessários 

A advogada feminista Gabriela Souza acrescenta mais uma dica: desconfie se o celular ficou lento e pesado, repentinamente. E se o seu parceiro parece saber de coisas que só foram ditas em conversas privadas pelo celular. Ele também pode dar sinais disso, aparecendo em lugares que você está, mesmo que essa informação não tenha sido passada a ele. 

Caso identifique o aplicativo espião, a advogada recomenda não apagar ou desinstalar de imediato. O agressor pode ser avisado pelo app e reagir. O melhor caminho é procurar uma delegacia. Eles têm condições de fazer perícia e identificar se, de fato, há uma espionagem. Vá acompanhada se possível. 

No Brasil não há legislação específica para violência digital nos relacionamentos. Mas há leis para alguns crimes cibernéticos, como compartilhamento de imagens e perseguição, e é assim que esses casos são julgados e punidos.

No aplicativo de enfrentamento à violência doméstica d’AzMina, o PenhaS, você também encontra informação, orientação e acolhimento.