Tempo livre

Férias: 'Brincar é uma forma de entender os próprios sentimentos', aponta especialista

Sara Aguiar, mãe e estudiosa da infância, conversou com o BdF Ceará sobre a importância pensar as férias da criançada

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |

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Apesar de ser o período favorito da criançada, férias escolares são um desafio para mães, pais e responsáveis - Camilla Lima

Chega julho e é tempo de férias escolares para a criançada. Alegria para os pequenos e, muitas vezes, desespero para mães, pais e responsáveis. Conciliar o trabalho e a atenção aos filhos é um desafio ainda maior nesse período. Como lidar com o tempo livre diante das telas sempre disponíveis, e sem a convivência social que a escola oferece? Qual a importância de proporcionar a convivência com a natureza e o brincar ao ar livre?

O Brasil de Fato Ceará conversou com Sara Rebeca Aguiar, professora, jornalista, mãe e mestra em educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Ela aborda a importância da brincadeira para o desenvolvimento infantil e também dá dicas de atividades a serem realizadas com as crianças.

Confira os principais trechos da entrevista:

Brasil de Fato Ceará: Qual a importância das brincadeiras, jogos e do acesso à cultura para o desenvolvimento das crianças?

Sara Rebeca Aguiar: Eu acho que é a maneira mais cheia de essência de ser criança. Não existe a criança sem a brincadeira, porque é a maneira que elas têm de interpretar o mundo, de ela ressignificar aquilo que elas também sentem, de entender os próprios sentimentos.

É pela brincadeira que a gente consegue fazer com que a criança receba esse mundo que ela está chegando, desde que aconteça de maneira livre, sem amarras. Às vezes, os adultos ficam ali tentando conduzir isso em alguns momentos, é legal, mas é muito bom para essas crianças que essas brincadeiras e os jogos aconteçam de maneira muito à vontade e no tempo delas, para que elas possam interpretar esse mundo por meio das brincadeiras. É assim que elas também interagem com os outros, com os pares, com os adultos também, e é assim que elas conseguem trazer para dentro das brincadeiras e compreender os próprios sentimentos.

Acredito também que os jogos trazem, por exemplo, a questão das regras, a questão da integração com os pais, e a questão da compreensão dos sentimentos, e isso vale para a cultura também. A cultura também é importante como ferramenta de construção social da criança, para ela entender o papel da cultura dentro desse processo de formação de identidade, do pertencimento.

Por isso, é muito importante que desde cedo a gente possa levar as nossas crianças aos espaços de promoção da cultura. E não apenas os espaços de promoção de cultura, mas também parques públicos, praças, que elas conheçam as pessoas que moram em volta delas, e se sintam pertencentes àquele espaço e compreendam que aqueles espaços também pertencem a elas. Por exemplo, eu [a criança] passo pela pracinha do meu bairro onde eu brinco com os meus colegas, com os meus amigos, eu reconheço que aquilo dali é meu também. Tudo isso vai criando uma cidadania que já é exigida das crianças, como sujeito de direitos que elas são, hoje, claro, mas, mais para frente também vai ecoar de uma maneira muito positiva.

E qual é o impacto das tecnologias no desenvolvimento da criança?

Eu acho que existem vários. Desde o momento em que você tira a criança do real e bota ela no virtual, já há um grande impacto. Um segundo impacto é o dela com o mundo virtual, e há também questões adjacentes a essas duas maiores, que é a questão da educação.

A linguagem da tecnologia é uma linguagem que a criança já ouviu, porque falamos com essa mesma linguagem de forma cotidiana, então não é o caso de tirar completamente a criança do meio virtual. A linguagem digital é algo que a criança já está habituada, porque ela já convive com os pais, até mesmo nós adultos também, que trabalhamos pelo celular, pelo computador o tempo todo. Se a gente pensa que a educação de uma criança é moldada pela maneira como os pais agem, pelos exemplos que ela tem dentro de casa, a gente não tem como extirpar a tecnologia.

Partindo desse pressuposto, a gente não fala aqui de anulação completa e, sim, de contenção de excesso. A partir do momento que a criança fica de maneira excessiva nas telas, o primeiro impacto que ela vai enfrentar é o da visão, que pode ficar comprometida. Em seguida, existem outras problemáticas, como o isolamento, quando essas crianças deixam de interagir com o mundo lá fora e ficam numa relação só com a tela, então isso já é um limiar entre vida real e vida virtual que tira dela uma riqueza gigantesca: a interação com o outro de maneira presencial.

Essa ausência de interação social faz com que a criança perca as riquezas de trocas emocionais, de compreensão dos próprios sentimentos, porque lidar com o outro não é fácil, é a arte de compreender o outro, de respeitar as opiniões do outro, de respeitar a diversidade, que está faltando tanto para a gente. Acho que a gente vive em bolhas, que quando a gente é posto diante de diferentes opiniões e características físicas, há um estranhamento. Isso não pode acontecer!

Esse isolamento já coloca a criança dentro de um espaço em que ela não interage com o outro, e quando a gente vai para tela já existe uma outra imensidão de problemas: o excesso de cores nos jogos faz com que as crianças percam a criatividade, poder de imaginação; ainda os ritmos acelerados dos jogos colocam esses sujeitos em situações de ansiedade; a obesidade também é um dos problemas apontados por especialistas, uma vez que a criança deixa de estar fazendo atividades para estar ali no quarto jogando.

E o que fazer para diminuir o tempo de tela das crianças?

Quando pensamos no que fazer, pensamos também na rotina das famílias. O Movimento Desconecta, que ajuda as famílias a desconectarem as crianças do mundo digital, é muito legal, mas ainda assim é importante pensar a rotina da família como um todo. Já fui professora da rede pública e trabalhei por muitos anos lidando com famílias e mães que viviam em duras situações, sem rede de apoio, sendo mãe solo. Devemos pensar em um movimento que pense nas várias estruturas familiares, além da nossa própria bolha, em diversas bolhas, e de que maneira podemos envolver as crianças em outras atividades, seja ajudando nas atividades de casa, lavando uma louça, arrumando o guarda-roupa. É importante envolver as crianças em atividades dentro de casa para que não fiquem a mercê somente do mundo virtual.

Envolver as crianças em tarefas que ajudem na rotina familiar pode sim ser uma válvula de escape para que possam sair um pouco do mundo virtual e das telas. Mas é importante também que a família saiba qualificar os tempos que passam com seus filhos, jogando algum jogo de tabuleiro, estimulando a leitura da criança, comprando jogos de montagem, fazendo piquenique, levando para visitar museus, andando de bicicleta. Se você vai tirar algo da criança, é interessante que consigam suprir o tédio deles para que não voltem a querer se prender nas telas de celular e computador.


Sara Rebeca (de blusa branca), seus filhos e uma amiga no Museu Briquedim, em Pindoretama. / Foto: Arquivo pessoal

Quais  as políticas públicas que temos hoje no Ceará para o lazer das crianças, e existe algo voltado principalmente para as férias?

Hoje a gente tem um programa muito interessante no estado, que é o Ceará Mais Infância, que se consolidou como uma política de estado e contempla muitos espaços de fato, desde as brinquedocreches até as brinquedopraças. A gente tem a implantação de muitos espaços em vários municípios e que são montadas esses espaços para as crianças do município. E, durante as férias, o estado sempre promove iniciativas a partir desses espaços. Por exemplo, a gente pensa aqui em Fortaleza, nós temos a Cidade Mais Infância, que funciona no centro de eventos aqui do Ceará. Existem ainda outros espaços do governo que promovem atividades em parcerias com órgãos públicos, sobre questões de trânsito, sobre o meio ambiente, e aos poucos ensinam as crianças sobre a questão da educação em diversos âmbitos. 

É muito importante que tenhamos a participação ativa do estado dentro do processo de políticas para infância, atuando de forma próxima aos municípios, e executando projetos que sejam voltados para a garantia ao lazer, à cultura, à infância.

E quais dicas de programação você indicaria para Fortaleza neste mês?

É sempre legal acompanhar os sites do governo e da prefeitura do município onde você mora, são canais oficiais onde são sempre divulgadas as atividades. Por exemplo, o governo do estado tem um projeto muito legal que é o "Viva Parque", realizado em Fortaleza, Caucaia e Crato. O projeto é responsável por pensar programações para acontecerem nas três cidades do estado. As atividades acontecem no Parque do Cocó, no Parque Botânico do Ceará, na Floresta do Curió, na Chapada do Araripe. É muito legal, porque tem recreadores, práticas de arvorismo, pedalinhos.

E, além dos parques, existem também as praças públicas, que devem ser ocupadas e desfrutadas pela população para realização de atividades infantis e adultas. 

Outras possibilidades de atividades são também caminhar pela cidade, fazer piquenique, andar de bicicleta no parque, levar à praia, à lagoa ou ao rio. Deixar que as crianças possam explorar aquele espaço de natureza, é sempre tão bom e tão rico, porque fortalece o emocional e a saúde da criança, e acaba nos fortalecendo também.

Brincar com os parentes, fazer sessão de videogame e cinema, também são ótimas saídas para passar o tempo nessas férias e fazer com que as crianças não fiquem somente dependendo das telas para se divertirem.

Fonte: BdF Ceará

Edição: Camila Garcia