Coluna

Camboriú ou Champs-Elysée?

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É bem possível que a vitória parlamentar da esquerda francesa também reflita na política daqui - Emmanuel Dunand / AFP
No calendário, duas eleições podem ainda dar novo fôlego para a direita

Olá,
No Brasil e na França, a esquerda está viva, mas a direita não está morta.

.(L) Ula lá. Se nas semanas anteriores, a vitória contra o PL do Estupro soprou as velas do governo brasileiro para esquerda e deu ânimo para Lula partir pra cima do Banco Central, é bem possível que a vitória parlamentar da esquerda francesa também reflita na política daqui. Afinal, as urnas de lá frearam o crescimento da extrema-direita, mas principalmente rejeitaram com força a terceirização dos governos pelo mercado conduzida por Macron, a CEOcracia, como dizem os franceses. E, sim, a esquerda se uniu ao centro, mas sem abrir mão de seu programa. Obviamente, há quem force a barra para inverter a realidade, como O Globo, que sugere que o governo daqui se alie mais ao centro, deixando cada vez mais de lado seu programa. O fato é que a derrota ainda produziu uma curiosa autocrítica de Ciro Nogueira, ex-todo poderoso do governo Bolsonaro, e confirmou que o Planalto deve mudar de postura sobre os “temas conservadores”, enfrentando o PL das Drogas. Lula aproveitou ainda para turbinar seu discurso na Cúpula do Mercosul com indiretas a Javier Milei e “os falsos democratas”. A vitória da esquerda ainda suplantou a Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), em Camboriú (SC), onde o presidente argentino foi a estrela principal. Na verdade, o evento acabou se reduzindo ao que sempre foi, um grande showmício da família Bolsonaro, onde concorrentes como Zema ou Caiado não foram convidados e a única bandeira era reafirmar que Jair Messias é o Plano A (da própria família) para a campanha presidencial. E se o evento teve algum brilho, ele foi ofuscado em seguida pelas joias árabes do inquérito da PF que escancaram o que todo mundo já sabia: o único tipo de ideologia da família Bolsonaro é o enriquecimento ilícito, e se fartaram quando tiveram acesso a toda estrutura do governo para isso. Aliás, segundo Leonardo Sakamoto, o golpe de 8 de janeiro só fracassou porque os bolsonaristas são uma quadrilha “precária e mambembe”. Mas, Sakamoto também alerta que “se um governo de extrema direita minimamente mais organizado tomar o controle do Brasil, a democracia pode não sobreviver”.

.Selva! Por mais que os dias em liberdade de Bolsonaro pareçam contados, isso não significa nem de longe que a extrema-direita esteja derrotada no Brasil, e o Congresso está aí todos os dias para nos lembrar. No calendário, duas eleições podem ainda dar novo fôlego para a direita. Em novembro, ao que tudo indica, a volta de Donald Trump à Casa Branca parece inevitável. Mas, antes disso, nas eleições municipais daqui, dificilmente a esquerda reverterá as derrotas sofridas em 2016 e 2020, num quadro em que das 100 cidades mais populosas do país, apenas 13 têm prefeitos progressistas. O PT, por exemplo, não governa nenhuma capital e as melhores apostas de Lula são Eduardo Paes (PSD) no Rio e Guilherme Boulos (PSOL) em São Paulo. E, por mais que a rejeição a Bolsonaro seja alta, ainda há em torno de 20% dos eleitores das capitais paulista, mineira e carioca que votariam num candidato apoiado pelo capitão. A influência eleitoral de Lula está em patamares semelhantes, mas ainda há muito desconhecimento dos eleitores sobre quem são seus candidatos. Por sua vez, Lula tem tido sinais de melhora na aprovação, ainda pequenos mas promissores, como a recuperação da popularidade entre os mais pobres, uma espécie de trégua da classe média e melhora entre os evangélicos. E, principalmente, uma melhora na percepção da economia e a concordância de 66% com as críticas feitas à política de juros do Banco Central. A pesquisa revelou ainda que 67% acha que o governo não deve satisfações ao mercado e que as falas de Lula não são responsáveis pela alta do dólar. Ou seja, a influência da Faria Lima é menor do que o próprio mercado imagina e o governo vai melhor quando compra as brigas certas.

.Boa fase. Uma parte da recuperação da popularidade do governo talvez se deva à mudança na política de comunicação, com Lula priorizando longas entrevistas exclusivas, mas é provável que a perda da velocidade da inflação tenha contribuído. A desaceleração da inflação no mês de junho, além de colocar por terra o alarmismo de que a crise no Rio Grande do Sul traria alta no custo de vida, mostra que a estratégia de Lula de pressionar o Banco Central para reduzir os juros está correta e deve continuar. A segunda boa notícia da semana na área econômica veio com a regulamentação da reforma tributária no Congresso. No curto prazo, o resultado é mais simbólico do que prático, já que o período de transição para simplificação tributária iniciará somente em 2027 e se completará em 2033. Mas a medida aponta tanto para uma redução da carga tributária que recai sobre a população mais pobre - com isenção de remédios e de produtos da cesta básica - quanto para o equilíbrio fiscal, conforme o esperado pelo mercado. Apesar disso, a pressão pela austeridade deve continuar. O plano do governo é fazer uma operação cirúrgica de corte de gastos através da Junta de Execução Orçamentária, mas antes disso é preciso apaziguar os conflitos na base aliada, em especial, dentro do PT. Outra lição tirada pela tramitação da reforma tributária e pela aprovação da reforma do Novo Ensino Médio é a competência de Arthur Lira em entregar para o governo o prometido, desde que a remuneração em emendas esteja em dia. O problema agora vem de outro lugar: o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, atropelou a discussão do delicadíssimo problema da dívida dos estados com uma proposta que parece favorecer apenas Minas Gerais. A medida parece ser um artifício para prolongar o prazo de recuperação fiscal do estado mineiro, reduto eleitoral do próprio Pacheco. E a tarefa de desmontar a pauta-bomba e apaziguar as relações do Senado com o governo ficará a cargo de Davi Alcolumbre (União-AP) que é o relator da matéria, já esquentando a cadeira para suceder Pacheco na presidência do Senado.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

 

.O Trabalhismo venceu, mas não é um partido de esquerda. O prestigiado diretor e ex-militante trabalhista Ken Loach alerta para ilusões com o novo governo inglês.

.França — as esquerdas se uniram e venceram. O escritor Flávio Aguiar avalia os significados das eleições francesas.

.Como Balneário Camboriú se tornou 'capital conservadora' do Brasil. Como a imigração alemã e a especulação imobiliária moldaram a cidade-símbolo do bolsonarismo.

.Como pensa a extrema-direita. Veja como funciona o curso de formação de Eduardo Bolsonaro. No Brasil de Fato.

.Por que Brasil é central no plano bilionário da Arábia Saudita de investimentos na América Latina. Entenda como a estratégia saudita de se afastar do Petróleo colocou a América Latina na rota dos investimentos árabes.

.O PIB do agro é isso tudo?  O Fakebook destrincha os dados para desmontar a propaganda de que o agronegócio sustenta o país.

.Aqui os manicômios começaram a morrer. No Outras Palavras, Guilherme Arruda conta como o Hospital Colônia de Barbacena foi fechado depois da visita de um psiquiatra italiano.

.Juarez Transamazônico, o ‘bebê do futuro’, busca seu passado. A Sumauma foi em busca do primeiro bebê nascido na Transamazônica e transformado em garoto-propaganda da ditadura.

.Dez anos depois do 7x1, o Brasil ainda procura Dona Lúcia. Nada mudou depois do Mineirazzo, escreve Xico Sá.

 

Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

 

Edição: Nathallia Fonseca