Alerta exige ação

Como preparar o SUS frente às previsões de aumento da obesidade em crianças e adolescentes

Pesquisa indica que, nos próximos 20 anos, prevalência do problema aumentará em todas as faixas etárias

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Se nada mudar nas próximas duas décadas, obesidade infantil vai crescer em todas as faixas etárias - © Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Como a obesidade é um problema complexo, vai exigir soluções complexas e políticas intersetoriais

Pesquisas nacionais lançadas recentemente indicam que a obesidade entre crianças e adolescentes representa uma carga financeira de cerca de R$ 225 milhões ao Sistema Único de Saúde (SUS). Se nada mudar, a situação tende a piorar nos próximos 20 anos em todas as faixas etárias de 5 a 19 anos.

Segundo um dos levantamentos divulgados no final de junho durante o Congresso Internacional sobre Obesidade, caso as tendências atuais entre crianças e adolescentes sejam mantidas, o problema vai aumentar em todas as idades até 2044. A prevalência para o grupo de 5 a 9 anos pode chegar a 24%. Já na população de 10 a 14 anos, o índice tem potencial de alcançar 15% e, para idades de 15 a 19 anos, 12%.  

Com base nos padrões observados no Brasil, de 1985 a 2019, os índices podem aumentar de 22,1% para 28,6% em meninos de 5 a 9 anos até 2044. Entre as meninas dessa faixa etária, o problema pode aumentar de 13,6% para 18,5% no mesmo período. 

Projeções para os próximos 20 anos / Dados: Instituto Desiderata/Fiocruz Brasília / Arte: Brasil de Fato
 

Outro estudo brasileiro, apresentado no mesmo evento, indica que os gastos hospitalares excessivos vinculados à obesidade infantil e adolescente no SUS ultrapassam os custos totais de hospitalização para todas as doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas do Código Internacional de Doenças (CID-10).

Eduardo Nilson, pesquisador do Programa de Alimentação, Nutrição e Cultura da Fiocruz Brasília e integrante das equipes que elaboraram os levantamentos, afirma que a mudança "intensa" nos hábitos alimentares brasileiros são o fator que mais impulsiona esse cenário.

“Por trás disso tudo, um dos principais fatores que as evidências apontam é o padrão alimentar sendo modificado na população brasileira. É uma substituição na nossa dieta tradicional - baseada em alimentos in natura, como feijão, arroz, salada, frutas, fontes de proteína - por produtos ultraprocessados, que, inclusive, não podem ser chamados de alimentos, porque são formulações industriais que substituem esses alimentos na nossa dieta."

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Em participação no podcast Repórter SUS, ele explicou que a ciência observa o avanço da obesidade em toda a população a partir das últimas décadas do século passado. Essa realidade passou a impactar populações mais vulneráveis, como crianças e adolescente, nos anos 1990.

Os estudos também apontam que a solução para o problema está na implementação de políticas públicas amplas, coletivas e de regulação da indústria e do comércio de alimentos com pouco valor nutricional e que fazem mal à saúde. 

Dados de 2022 do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/ USP) mostram que 28% do aumento da obesidade entre 2002 e 2009 no Brasil foi causado pelo consumo de ultraprocessados. 

"Como a obesidade é um problema complexo, ele vai exigir soluções complexas, que vão envolver múltiplas estratégias, políticas intersetoriais. Não é uma responsabilidade única do setor saúde", enfatiza Nilson. Segundo ele, é preciso desenvolver métodos mais adequados para chegar a dados mais amplos e próximos da realidade.

O pesquisador contou que, no período de 2013 a 2022, somente R$ 5 milhões estavam identificados como custos diretos da obesidade. "Sabíamos, com certeza, que não era isso. Vamos ter que desenvolver metodologias para identificar essa questão, porque a obesidade infantil e na adolescência está associada à questão da prematuridade das doenças crônicas."

Entre as consequências potenciais estão hipertensão, diabetes, doenças renais e, inclusive, o agravamento de condições não crônicas. Um exemplo é a covid-19, que traz mais riscos para pessoas obesas ou com sobrepeso. "Há evidências científicas que mostram que isso acontece, inclusive para um outro grande conjunto de doenças", alerta Nilson.

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Os mais de R$ 200 milhões investidos no SUS para responder a esse cenário custeiam internações, procedimentos e medicamentos. Mas combater o problema com efetividade exige ações de prevenção, educação, distribuição de renda e políticas capilarizadas. 

Os estudos brasileiros sobre o tema foram desenvolvidos por meio de parceria entre o Instituto Desiderata, o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens), da Universidade de São Paulo (USP), e o Programa de Alimentação, Nutrição e Cultura (Palin) da Fiocruz Brasília. 

*O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz)

 

 

Edição: Rodrigo Chagas