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Depoimento

Artigo | Ausência de direitos: "Sou advogada e vítima de violência doméstica"

A advogada Suellen Rocha relata a perseguição que sofre de seu ex-companheiro, apesar várias medidas contra o agressor

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Cena de violência doméstica
Meu agressor descumpriu inúmeras vezes as medidas protetivas, disse ter pago a delegacia e a delegada para nunca ser preso - Agência Brasil/Reprodução

Embora reconheça todos os “esforços” e políticas de enfrentamento e combate a violência doméstica e familiar que objetivam amparo integral às vítimas de violência doméstica e familiar, não me sinto devidamente amparada pelas autoridades, enquanto vítima de violência doméstica e familiar.

Sou advogada e a situação se torna ainda mais delicada. Não é comum “mulheres advogadas” encaminharem para o Tribunal de Justiça as demandas que envolvam sua vida íntima e privada por vergonha, por medo e pela exposição de vida íntima e privada, no mesmo espaço onde depois terão de entrar para trabalhar e defender seus clientes. Isso torna ainda mais difícil para quem é de “carreiras jurídicas”. É evidente que é constrangedor.

O constrangimento narrado acima pode ser confirmado com o triste fato do feminicídio da juíza Viviane Vieira, do Tribunal de Justiça do Rio. Ela, infelizmente, foi assassinada por facadas na frente dos filhos, pelo seu ex-companheiro no ano de 2020. O que a impediu de denunciar? 

O fato da mulher ser conhecedora de leis ou ter acesso ao sistema de justiça, não retira delas a dor ou a vergonha de exposição.

Saber nomear as violências não retira as mulheres da situação de violência e não impede que sejam vítimas, tampouco é capaz de retirar as dores que vivenciam. Nenhum conhecimento é capaz de retirar a dor das mulheres, sejam elas de carreiras jurídicas ou não. 

Ao colocar fim em uma relação amorosa marcada por inúmeras violências vivenciadas, acreditei que pedindo as medidas protetivas e buscando por justiça e paz, o sistema de justiça seria capaz de cessar com todos os tipos de violência. As violências contra mim continuam. A demasiada demora para se fazer justiça, de aplicar o que a lei determina, deixa uma ausência de direitos e revela-se um sistema de injustiça praticadas contra mim. O sistema é qualificado para atuar nessas demandas.

Meu agressor descumpriu inúmeras vezes as medidas protetivas, disse ter pago a delegacia e a delegada para nunca ser preso por descumprimento de medidas protetivas no ano de 2021. Relatei o fato à Corregedoria do Ministério Público do Rio de Janeiro, de que meu agressor disse tudo isso gargalhando ao telefone em uma ligação pelo whatsapp. 

Em 2022, a Delegacia da Mulher do Centro do Rio de Janeiro foi denunciada por corrupção, com repercussão em vários jornais.  O processo está tramitando no Tribunal de Justiça da Comarca da Capital do Rio de Janeiro. Isso confirma o que dizia o meu agressor. 

Nos autos do processo judicial de violência doméstica e familiar que tramita na Comarca da Capital do Rio de Janeiro, enviei de forma incansável todas as comprovações de inúmeros descumprimentos de medidas protetivas e mesmo assim ele não foi preso. Não é um desejo, é que determina a lei determina. O que a lei não determina, pode ser aplicado? 

Na audiência realizada sem minha autorização e sem meu prévio consentimento, chamada de “conciliação” no contexto de violência doméstica e familiar, o agressor foi novamente advertido por descumprimento de medida protetiva, o que não está previsto na lei. A lei também não determina inúmeras “advertências” para o agressor que comete crime no contexto de violência doméstica e familiar. O agressor vem sendo beneficiado com inúmeras advertências ao invés de ser preso.

Reiterando suas práticas criminosas, meu agressor utiliza inúmeros terceiros para que fiquem me perseguindo.

Por último, “usou” um familiar para acessar seu processo judicial, onde foi identificado o acesso de terceiros O caso foi imediatamente encaminhado para a Delegada de Polícia Civil, que investiga a perseguição.

Além disso, sou achincalhada nos autos do processo em que sou vítima, mas tais comportamentos são proibidos por lei e ferem a dignidade da vítima. A Lei número 14.245 de 2021, conhecida como Lei Mariana Ferrer, proíbe atos atentatórios à dignidade da vítima, estabelecendo também causa de aumento de pena.

O agressor segue sem ser preso, desrespeitando todas as ordens judiciais, se ocultando para não receber oficial de justiça em sua casa e sem agravamento de pena. Eu, sigo vítima de violências em razão da perseguição contumaz e de um controle que mesmo parecendo distante, ela segue presente. 

O nome do meu agressor é Rubens. Ele prometeu me matar.

Ele continua praticando a mesma perseguição de quando tivemos uma relação, inconformado com a minha decisão irrevogável de término, mas agora impune apesar das diversas medidas. Eu luto para viver, bem distante dele e ter o meu direito respeitado, principalmente o irrenunciável direito de me manter viva, previsto na Constituição Federal do Brasil de 1988.

*Suellen Rocha é advogada e vítima de violência doméstica.

**Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato RJ.

Edição: Mariana Pitasse