O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participou nesta segunda-feira (8), da 64ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul e Estados Associados, em Assunção, no Paraguai. Em seu discurso, Lula reiterou a importância da proteção à democracia dos países da América do Sul, citando as recentes tentativas de golpes no Brasil (2023) e na Bolívia (2024).
“O Mercosul permaneceu mais uma vez unido em defesa da plena vigência do Estado de Direito consagrada no protocolo de Ushuaia. A reação unânime ao 26 de junho na Bolívia e ao 8 de janeiro no Brasil demonstram que não há atalho da democracia em nossa região”, declarou o presidente brasileiro, saudando as rápidas reações do Mercosul diante de ataques à democracia.
Lula também disse, sem mencionar nomes, que “falsos democratas tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários”, e avaliou que "nos últimos anos, permitimos que conflitos e disputas, muitas vezes alheias à região, se sobreponham a nossa vocação de paz e cooperação. Voltamos a ser uma região balcanizada e dividida, mas voltada para fora do que para si própria”.
Mais uma vez sem citar nomes, o presidente também criticou o que chamou de "medidas simplistas que tendem a agravar as desigualdades econômica e social nos países da região". E fez críticas diretas a iniciativas do governo argentino que obstaculizaram debates importantes no bloco. O chefe de estado argentino, Javier Milei, foi o único presidente ausente na cúpula.
“No mundo globalizado, não faz sentido recorrer ao nacionalismo arcaico e isolacionista, tampouco a justificativa para resgatar as experiências ultraliberais que apenas agravar a desigualdade de nossa região”, criticou.
“Apagar a palavra gênero de documentos só agrava a violência cotidiana sofrida por mulheres e meninas”, disse, em referência direta à diplomacia do governo argentino, que tem operado para impedir menções a paridade de gênero em resoluções internacionais.
Divisões
Roberto Goulart Menezes, professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB e coordenador do Núcleo de Estudos Latino-americanos, avaliou a postura de Lula na cúpula e destaca a importância de vincular o tema da democracia com a desigualdade social e a estabilidade política, além de afirmar o potencial do bloco diante das tentativas do governo argentino de Javier Milei de reduzir o papel do Mercosul a apenas um agente econômico.
“Isso é importante porque o presidente procura, com isso, mostrar que o Brasil não aceita retrocessos do Mercosul”, avalia.
Para o professor, “a estratégia do governo de [Javier] Milei é de inviabilizar o Mercosul”, tornando-o irrelevante.
“Eu acho que o que está em jogo nesse momento com o Milei é a viabilidade ou não do Mercosul”, disse. “Está claro que Milei quer apenas um aspecto comercial do bloco. Então coloca para o Brasil uma dificuldade que o Brasil tem, que é decidir o quanto de energia política ele continuará colocando no Mercosul”, conclui Menezes.
Para Cairo Junqueira, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS), a ausência do presidente da Argentina, segunda maior economia do bloco e principal parceira comercial do Brasil na região, não poderia passar despercebida. “O Mercosul, historicamente, sempre dependeu de boas relações entre Argentina e o Brasil”, destaca o professor.
“O peso econômico comercial do Brasil e da Argentina no Mercosul é evidente. Então qualquer movimento como a gente está vendo agora, de distanciamento diplomático, gera certa tensão”, avalia.
Ingresso da Bolívia ao bloco
A principal pauta da reunião desta cúpula é a formalização do ingresso da Bolívia como o 6º membro. Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela, que está suspensa, compõem o bloco. A cúpula marca a transmissão da presidência pro tempore que passa do Paraguai ao Uruguai.
Junqueira afirma que, para além do fortalecimento das relações comerciais entre a Bolívia e os países do Mercosul, a entrada do país andino no bloco tem um componente político importante para o projeto de integração regional.
"A Bolívia não é um país que o Brasil pode chegar e dizer o seguinte: 'olha, não estamos preocupados com o que acontece lá'. É um vizinho. A Bolívia faz fronteiras com quatro estados brasileiros", analisa o professor.
Desafios
O presidente falou ainda dos desafios práticos que o bloco tem por diante, como o acordo comercial com a China, o aprimoramento e o acordo com o Mercosul que, segundo ele, não foi concluído porque “os europeus ainda não conseguiram resolver suas próprias contradições internas”.
Lula defendeu que o Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (Focem) seja um instrumento para a redução das assimetrias regionais, e argumentou pelo fortalecimento do Instituto de Políticas Públicas e Direitos Humanos, no sentido de apoiar os países da região “na complexa tarefa de garantia de direitos e dignidade”.
O presidente ainda defendeu o fortalecimento "da Cúpula Social, que é uma das principais plataformas de interação com representantes da sociedade civil”.
Em eu discurso, Lula abordou o tema da emergência climática e seus efeitos. Citou as recentes tragédias no Rio grande do Sul, fez um chamado a um maior engajamento dos países do bloco no tema e saudou a iniciativa do Mercosul em firmar um memorando de entendimento sobre cooperação e gestão integral de risco.
Guerras
O presidente brasileiro mencionou a recente entrada em vigor, entre Brasil e Palestina, do Acordo de Livre Comércio com a Autoridade Nacional Palestina (ANP) no âmbito do Mercosul. E aproveitou para criticar a guerra.
“Nos orgulhamos de ser o primeiro país do bloco a ratificar um acordo de livre comércio com a Palestina. Mas não posso deixar de lamentar que isso ocorra num contexto em que o povo palestino sofre com as consequências de uma guerra totalmente irracional”, declarou.
Em outro momento, Lula justificou a insistência do Brasil em colaborar com os diálogos pelo fim da guerra na Ucrânia.
“Precisamos de um mundo de paz. Essa é a razão do nosso engajamento em prol de uma solução para o conflito entre Rússia e Ucrânia que efetivamente envolva as duas partes”, disse.
No final do discurso, o presidente saudou as recentes vitórias do que ele chamou de “forças progressistas” no Reino Unido e na França.
Durante a cúpula, o Brasil assina um convênio com o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata), responsável por promover o desenvolvimento harmônico e a integração entre os países membros, além de um acordo de coprodução cinematográfica, um memorando de entendimento sobre gestão de risco de desastres e uma declaração especial sobre combate ao crime organizado internacional.
De Assunção, o presidente Lula viaja para Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, para a primeira visita oficial ao país no seu terceiro mandato.
Edição: Nathallia Fonseca