Coluna

A taxa de câmbio da política

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A contenda entre o sistema financeiro e o governo não tem data para terminar
A contenda entre o sistema financeiro e o governo não tem data para terminar - Marcello Casal Jr/Agência Brasil
O mercado também quer ganhar a opinião pública contra Lula, mas seus métodos são bem piores

Olá!

Na trocação com o mercado, o governo perde no dólar, na Selic e na reforma tributária.


.No limite. Enquanto conta os dias para que finalmente possa substituir Campos Neto, o que Lula pode fazer é tentar ganhar a opinião pública para sua batalha pelos juros baixos. O mercado também quer ganhar a opinião pública, contra Lula, mas seus métodos são bem piores. Internacionalmente, há um movimento de valorização do dólar. Não apenas o Real, mas outras 84 moedas estão sofrendo desvalorização frente à moeda americana. Isto porque com a inflação alta nos Estados Unidos, o país está pagando “altas taxas de juros” nos seus títulos. Como a potência que fabrica o dólar dificilmente vai dar calote, investir em títulos americanos é sempre um bom negócio. Com ou sem declarações de Lula, o dinheiro iria para lá, mas o mercado financeiro aproveitou a onda para artificializar a valorização do dólar e culpar o presidente. O Valor Econômico, tradicional porta-voz do setor, reconheceu que o mercado de câmbio estava funcional, não faltavam dólares; que a saída de capital estrangeiro já vem acontecendo há mais tempo, não tem afetado a Bovespa e que o crédito está sendo oferecido normalmente. Ainda, no mesmo Valor, o economista Cristiano Oliveira reconhecia que o patamar de R$5,70 do câmbio estava “fora de lugar”. É claro que a Faria Lima, mais uma vez, contou com a mão amiga do Banco Central, que não interviu como poderia no câmbio, deixando a especulação correr solta. No final da quarta-feira, o mercado já dava sinais de que não ia conseguir manter a pressão no nível máximo, mas Lula também foi aconselhado a não pagar para ver até onde isto iria, porque o resultado da queda de braço seria medido na inflação ao consumidor. A subida do dólar perdeu fôlego e bastou uma declaração óbvia de Lula - “O Brasil jamais será irresponsável do ponto de vista fiscal” - para a mídia e o mercado atribuirem a queda à moderação de tom do Planalto.

.Próximo round. A contenda entre o sistema financeiro e o governo não tem data para terminar. E, na verdade, talvez se estenda até o final do mandato. O mercado quer que fique tudo como está na taxa de Selic, que o governo resolva seus problemas cortando investimentos para garantir o pagamento dos juros e que o próximo presidente do Banco Central continue subordinado à Bovespa. A Faria Lima ganhou os dois últimos combates - a reunião do Copom e a disputa do dólar - e de brinde ainda levou a promessa de que o governo vai cortar ou congelar R$ 26 bilhões para garantir a meta fiscal e o mercado ainda aposta que este valor pode chegar a R$32 bilhões. Lula recuou nas quedas de braço conformado em comer o prato frio da vingança em dezembro, quando nomeará - quem quer que seja a pessoa - o oposto da servilidade de Campos Neto. Mas Lula também tem pressa. Sua obsessão é saber porque a melhora na economia - ainda que não seja nenhum espetáculo de crescimento - não se reflete em aprovação ao governo. Por exemplo, ainda que timidamente, a inflação recuou nas sete capitais pesquisadas pela FGV. Dos economistas mais próximos, Lula ouviu que o preço dos alimentos nos mercados e a conta de luz, ambos acima da inflação, são o maior empecilho. Mesmo com o anúncio bilionário do Plano Safra, o cenário não deve mudar, já que os R$400 bilhões para o agronegócio devem virar soja e desmatamento no Cerrado e na Amazônia, ao invés de comida barata. Se o governo se contentar em gerenciar as contas, como querem o Congresso e o mercado, o que vai ser possível é fazer redução de danos no corte de investimentos, insistir no corte de subsídios e isenções na arrecadação e contar com cada centavo que entre, como a renegociação das dívidas dos estados

.v minúsculo. Uma parte dos problemas de Lula, como apontam Armando Boito e Danilo Martucelli, é que ele não conta mais com o dispositivo que um dia permitiu aos presidentes governar com base em Medidas Provisórias. Agora, além das pressões do Banco Central, as decisões econômicas passam pelo balcão do Congresso com seus interesses mais diversificados. E, nesse caso, a moeda de troca é o inverso da austeridade: as emendas, a exemplo do generoso montante de R$ 30 bilhões que o governo decidiu adiantar para os congressistas antes das eleições. A contrapartida é que Arthur Lira negocie a votação da regulamentação da reforma tributária na Câmara já para semana que vem. É bom lembrar que o plano original de Haddad era que a reforma fosse a moeda de troca para a redução dos juros. Mas, de lá para cá muita coisa mudou. Não só o suposto acordo de cavalheiros com o Banco Central foi pro espaço, como também o otimismo em relação ao alcance da reforma. A proposta de simplificar o sistema tributário continua de pé, mas houve flexibilizações, a introdução de exceções e uma transição que vai até 2033. Depois de tantas pressões de empresários, estados e municípios, o almejado objetivo do governo de usar a reforma tributária para aumentar a arrecadação e aliviar as contas públicas, se acontecer, ficará para a próxima década, se até lá a lei não mudar. Também surgem preocupações de que a reforma possa ter efeitos negativos sobre a arrecadação dos municípios, o que, em pleno ano eleitoral, não é uma boa notícia para o governo. Isso sem contar as emendas que ainda podem ser incluídas durante a votação na Câmara. Ou seja, pensada por Haddad para ser um dos pilares que substituiria o carcomido teto de gastos, a reforma tributária é servida à mesa de Lula fria, rala e com um gosto insosso de vitória.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Livro inédito detalha bastidores do WikiLeaks. Em trecho inédito do livro O Vazamento, Natália Viana conta quem é Julian Assange. Na Agência Pública.

.Por outra história do Real. No Outras Palavras, o economista Luiz Filgueiras lembra como o Plano Real abriu as portas para a financeirização da economia brasileira.

.Escravizar uma pessoa custa apenas R$ 4.115,89 no Brasil. O Intercept revela como, mesmo com a aplicação da lei, escravizar trabalhadores sai barato para as empresas.

.Bairros pobres no RS ainda vivem horror das enchentes. Dois meses depois, a catástrofe climática ainda não terminou para os pobres de Porto Alegre.

.Educação que liberta. Na Agência Tatu, como o ensino superior é ferramenta de ressocialização de detentos.

Seu Vital não tem zap, nem wifi, nem pix, mas o Poço da Panela gira em torno dele. No Marco Zero, a vida cultural em torno da Venda do Seu Vital, na zona norte de Recife.

Devagar, devagarinho e sempre. As memórias de Martinho da Vila em resenha na Quatro Cinco Um.


Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Nathallia Fonseca