O Distrito Federal (DF) apresenta um dos processos de envelhecimento populacional mais acelerados do país, com taxas de crescimento em torno de 5% ao ano. A projeção do governo é de que, em 2030, 16% da população tenha alcançado 60 anos ou mais no DF. Paralelamente, os índices de violência contra pessoas idosas também crescem, desafiando o poder público e a sociedade a buscar soluções que garantam condições de envelhecimento saudável e ativo.
Abusos físicos, psíquicos e financeiros, negligência e abandono, em sua maioria praticados por filhos ou familiares próximos, são algumas das violações registradas nas 1.705 denúncias de violência contra idosos feitas ao Disque 100, no DF, entre janeiro e a primeira semana de junho de 2024. O número representa um crescimento de 30% comparado ao mesmo período do ano passado, quando 1.195 denúncias foram registradas.
Na avaliação do advogado e membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa da Ordem dos Advogados do Brasil no DF (OAB-DF), Mauro Freitas, o aumento no registro de violações é resultado de campanhas bem sucedidas de conscientização, que incentivam o uso dos canais de denúncia, aliadas ao crescimento da população idosa no DF. “Essa violência já vinha sendo praticada e agora está sendo mais exposta e é mais alvo de denúncia”, disse ao Brasil de Fato DF.
A violação de direitos sociais, como saúde, segurança, alimentação e moradia, também recebeu 121 casos no DF. Ainda segundo Freitas, a pobreza e a falta de rede de apoio social contribuem para o isolamento e a dependência dos idosos em relação à familiares ou cuidadores, o que pode torná-los mais suscetíveis a abusos.
88% dos casos denunciados ao Disque 100 aconteceram dentro de casa e quase 60% das agressões foram cometidas pelo filho ou filha da pessoa idosa, o que reforça o caráter intrafamiliar da violência contra esse grupo populacional. As mulheres são as mais afetadas, tendo sido vítimas em 68,3% das ocorrências.
“A violência contra a pessoa idosa segue o mesmo padrão da violência em geral, ou seja, as mulheres, as mulheres negras, as mulheres negras com baixo poder aquisitivo e o público LGBT+ é mais violentado”, explica Freitas. “E no Brasil, são as mulheres que cuidam mais, se envolvem em empréstimo de recurso financeiro, têm mais sensibilidade e cuidam de filhos problemáticos. Isso pode levar a ter maior conflito”, completa.
Hipervulnerabilidade
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) também aponta que a interseccionalidade entre diversos fatores sociais e culturais que acometem as pessoas idosas fragiliza ainda mais essa população, gerando uma condição de “hipervulnerabilidade”. O tema foi abordado no “Mapa da violência contra a pessoa idosa no Distrito Federal”, publicado pelo órgão em abril deste ano.
Em relação às mulheres idosas, o documento destaca que elas também têm maior probabilidade de enviuvar e ficar em situação socioeconômica desvantajosa, o que as torna mais dependentes de cuidadores e vulneráveis a violências. Por outro lado, as idosas participam mais que os homens de atividades fora de seus domicílios, como grupos de idosos, encontros religiosos, estudos e viagens. Isso pode ser um fator de proteção, já que o contato com pessoas fora do círculo familiar facilita a identificação e a denúncia de abusos.
“Os filhos estão bastante envolvidos nesses dramas familiares e é exatamente onde entra nossa maior preocupação, porque isso atrapalha muito a solução”, afirma o membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa da OAB-DF.
Geralmente, há uma relação de dependência mútua entre o agressor e a pessoa idosa, o que contribui para uma relação complexa e de difícil rompimento. O uso de drogas ou álcool pode afetar o comportamento e a capacidade de cuidar adequadamente do idoso.
“Quando a violência é denunciada, é comum que a vítima tente desfazer a denúncia e diminuir as consequências. Afinal, muitas pessoas idosas dependem exatamente dos agressores para algum tipo de contato com a vida externa, para sacar dinheiro, fazer compras, ou até mesmo tomar banho e ter mobilidade em casa”, relata.
Cerca de 80% (1.360) das denúncias registradas no Disque 100 no DF neste ano foram feitas por terceiros e 20% (344) pela própria vítima. Das vítimas que tiveram seu grau de instrução registrado na ocorrência, 186 tinham ensino fundamental incompleto ou eram analfabetas.
“Idosos com menor nível de escolaridade possuem maior vulnerabilidade a situações de violência, já que podem ter menos acesso a informações e recursos para se proteger”, destaca o TJDFT.
Os "descartáveis" que sustentam lares
Apesar do aumento da longevidade, favorecido por uma maior qualidade da vida, e de exemplos cada vez mais frequentes de pessoas acima de 60 anos ativas na comunidade, o imaginário social ainda é permeado por uma visão discriminatória que enxerga a velhice como “decadência” e as pessoas idosas como “descartáveis”, já que supostamente não contribuem economicamente.
No entanto, dados demonstram que essa concepção é contraditória e não corresponde à realidade. Segundo pesquisa publicada pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) em maio de 2024, 91% dos brasileiros com mais de 60 anos contribuem financeiramente para o orçamento da casa, sendo que 52% são os principais responsáveis pelo sustento.
Atualmente, o Distrito Federal tem 364.790 residentes com idade igual ou superior a 60 anos, o que representa cerca de 13% da população total, segundo dados do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022. Mulheres são maioria e correspondem a 58,15% desse total e homens a 41,85%.
A Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) projeta que, em 2023, 16,6% da população do DF terá alcançado 60 anos ou mais e que a proporção dessa faixa etária em relação ao contingente populacional com menos de 15 anos será de 95%, ou seja, a cada 100 jovens, haverá 95 idosos.
O órgão afirma ainda que, considerando os dados de 2020, a Região Administrativa do Lago Sul apresenta o maior número de idosos proporcionalmente ao número de habitantes (28%) e o inverso ocorre na RA do Pôr do Sol (5%).
Segundo o TJDFT, a diferença percentual pode ser resultado de múltiplos fatores interligados que incluem melhores condições de vida, acesso a serviços de saúde, infraestrutura, oportunidades econômicas e sistemas de saúde eficientes nas regiões mais desenvolvidas.
As Regiões Administrativas do Lago Norte e Lago Sul também foram as que registraram as maiores taxas de denúncia de violência contra idosos a cada 10.000 habitantes durante o primeiro ano da pandemia: 46,87% e 46,50%, respectivamente. No mesmo período, o DF registrou o segundo maior crescimento em casos de agressão contra essa população em comparação a outras unidades federativas, com uma taxa de 93% de aumento, ficando atrás apenas do Rio de Janeiro (106%).
“A nossa dificuldade vai ser oferecer saúde, moradia e previdência para essa população envelhecida. A violência e a cultura do país [negativa em relação ao envelhecimento] só vai agravar o problema, se a gente não acordar para o fato de que o envelhecimento acelerado está acontecendo em um país com condição ainda muito pobre e que tem reflexo direto na população mais vulnerável”, projeta o advogado Mauro Freitas.
Denuncie
A Constituição Federal atribui à família, à sociedade e ao estado o dever de amparar as pessoas idosas, garantindo-lhes dignidade e bem-estar. Todos devem denunciar a violência praticada contra essa população e os profissionais de saúde têm obrigação de notificar.
“As políticas públicas, hoje, têm que ser voltadas para a mobilidade urbana, saúde e segurança da pessoa idosa. É super importante que haja uma visão do Estado e da comunidade no enfrentamento da violência não como algo isolado, mas dentro de um contexto amplo de políticas, previsto na constituição. Estamos falhando muito, não permitindo que haja uma longevidade ativa, saudável e com dignidade no Brasil”, afirma Freitas.
As denúncias podem ser feitas ao Disque 100, que funciona 24h por dia. O canal pode ser acionado por meio de ligação gratuita, discando 100 em qualquer aparelho telefônico. Pela internet, as denúncias podem ser feitas no site da Ouvidoria, pelo WhatsApp (61) 99611-0100) ou Telegram.
No DF, há uma unidade policial especializada para atender a essa demanda, a Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou contra a Pessoa Idosa (Decrin), que funciona de segunda a sexta-feira, das 12h às 19h, no Departamento de Polícia Especializada (DPE), próximo ao Parque da Cidade. Outros canais disponíveis são o telefone 197 / Opção zero, o e-mail [email protected] e o WhatsApp (61) 98626-1197.
A Câmara Legislativa do DF (CLDF) conta com a Procuradoria Especial de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa, que também recebe denúncias.
Fonte: BdF Distrito Federal
Edição: Márcia Silva