Cooperação e luta

Diálogo de saberes: MAB e Fiocruz criam coletivos de saúde para populações atingidas por barragens

Impactos de grandes empreendimentos vão da saúde mental ao aumento de doenças crônicas e de interrupção de tratamentos

Ouça o áudio:

Tragédia de 2015 em Mariana (MG): Brasil tem cerca de 4 milhões de pessoas que já foram ou são impactadas pelas barragens - Pedro Stropasolas
Só o anúncio de uma barragem já causa danos à saúde de uma população e de uma comunidade

Uma parceria entre o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vai criar coletivos de saúde voltados para o atendimento de comunidades impactadas por esses empreendimentos e pelas mudanças climáticas. 

A ideia será implementada inicialmente em oito estados, com objetivo de desenvolver políticas e ações adaptadas às particularidades de cada território e população.  

Para isso, o projeto será permeado pelo diálogo entre saberes populares e científicos. A formação das lideranças terá foco na capacitação para atuar localmente, mas também para articular soluções com o poder público

O Brasil tem cerca de 4 milhões de pessoas que já foram ou são impactadas pelas barragens. Os casos mais emblemáticos ocorreram nas cidades mineiras de Mariana e Brumadinho, há oito e cinco anos respectivamente. 

:: MAB articula mobilizações para garantir implementação da Política de Direitos dos Atingidos por Barragens ::

As tragédias causaram centenas de mortes, destruíram diversas cidades e impactaram rios, cursos d’água, biodiversidade e modos de vida tradicionais. Mais recentemente, as barragens também foram um problema nas chuvas excessivas do Rio Grande do Sul. Houve risco de rompimento e algumas estruturas foram danificadas. 

"O primordial nessa cooperação é que a gente realmente está o tempo todo em parceria com o movimento. Temos pesquisadores de diversas unidades da Fiocruz e pesquisadores do MAB. Nós, realmente, trabalhamos em cooperação", ressalta Gabriela Lobato, assessora da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz. 

Antes da etapa de formação dos coletivos, as duas organizações precisaram superar um problema crônico de falta de informação oficiais sobre o tema. MAB e Fiocruz se reuniram para sistematizar dados e entender os efeitos da presença das barragens na saúde humana e no meio ambiente. 

Barragens de hidrelétricas estão marcadas por falhas de segurança

Foram analisados estudos e documentos publicados entre 1940 e 2022. Esse processo também ouviu as comunidades de atingidos e atingidas em diversas regiões do Brasil. A conclusão é de que os impactos dos grandes empreendimentos são sentidos não só na saúde mental, mas interferem até mesmo no aumento das doenças crônicas. 

"É importante explicitar que a população vê essas barragens nas mídias quando acontecem desastres. Mas o que aprendemos muito com o movimento é que o anúncio de uma barragem já causa danos à saúde de uma população e de uma comunidade", pontua Lobato. 

Os impactos observados passam por doenças infectocontagiosas e parasitárias e aumento de males crônicos como diabetes, hipertensão e cardiopatias e doenças respiratórias.  

Além disso, as consequências sociais ampliam a ocorrência de violência de gênero, assédio sexual e até gravidez na adolescência. Águas e territórios contaminados causam intoxicações e impedem a produção de famílias agricultoras.  

'Brumadinho não é um caso isolado: são bombas instaladas em nosso país', alerta MAB sobre situação das barragens no Brasil

Gabriela Lobato explica que a ocorrência das tragédias exige disponibilidade de cuidados emergenciais para pessoas feridas, por exemplo. Mas o trabalho não termina por aí.  

"Concluímos também que as doenças crônicas passam a aumentar demais. Por exemplo, as pessoas começam a ter acidente vascular cerebral (AVC) pouco tempo depois. Temos estudos que mostram que esses casos aumentaram de seis meses a um ano depois das tragédias." 

Ela também ressalta que as populações e profissionais da saúde precisam lidar com a limitação de acesso e o interrompimento de tratamentos anteriores aos desastres. "Um paciente HIV positivo, com hepatite ou um cardiopata, por exemplo, tem uma desregularização do tratamento, então a possibilidade dessa doença crônica piorar e trazer outras consequências é muito grande." 

*O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).

Edição: Martina Medina