Ainda não era meia-noite do dia 5 de maio quando Justo Fernando Barrientos lançou uma bomba incendiária no quarto de hotel onde dormiam quatro mulheres lésbicas no bairro de Barracas, em Buenos Aires, capital da Argentina.
O ataque, que comoveu o país, causou a morte de Pamela Cobbas, horas depois, e de Roxana Figueroa, que faleceu na quarta-feira seguinte. Andrea Amarante deu entrada nos cuidados intensivos com 75% do corpo queimado e morreu quatro dias depois. Sofía Castro Riglos, a única sobrevivente, recebeu alta após quase um mês de internação e hoje está abrigada em um espaço conquistado por redes de solidariedade feminista e LGBTQIA+.
Os moradores da região relataram que o autor do crime, antes de lançar o coquetel molotov, já havia ameaçado de morte e insultado repetidamente as mulheres. “Monstros”, “gorda suja” eram os termos com que o homem se referia às vítimas que viviam no pequeno quarto do hotel Canárias.
O chamado "massacre de Barracas" é mais um dos 89 casos de feminicídios que a Argentina registrou desde janeiro. Segundo o Observatório MuMaLa, entre 1º de janeiro e 30 de maio de 2024 a cada 40 horas uma mulher foi assassinada por violência baseada em gênero. Além disso, foram registradas 216 tentativas de feminicídio na Argentina no mesmo período.
Já o coletivo Ahora Que Si Nos Ven aponta que entre junho de 2015 até este ano foram registrados 2.544 feminicídios, sendo que entre 1º de janeiro de 2020 e maio de 2024 foram notificados 31 casos de transfeminicídios.
Milei desmonta proteção a mulheres
Todos esses episódios de violência ocorrem em meio ao desmonte promovido pelo governo do presidente ultraliberal Javier Milei de políticas públicas de proteção e promoção dos direitos das mulheres.
O mandatário argentino, que já disse acreditar que "a luta ridícula e antinatural entre homem e mulher" resultou em uma "maior intervenção do Estado para dificultar o processo econômico", faz constantes cortes de verbas de órgãos públicos voltados a esse setor e chegou a desmontar o Ministério da Mulher, Diversidades e Gêneros, uma conquista dos movimentos feministas após anos de luta.
Antes de fechar a pasta, ele já havia cortado 26,8% do orçamento atribuído a este setor, que incluía recursos para segurança e manutenção da linha telefônica 144 para denunciar ou pedir assessoria e apoio em casos de violência simbólica, obstétrica, laboral, econômica e institucional contra a mulher.
Além disso, Milei proibiu a linguagem inclusiva e “tudo relacionado com a perspectiva de gênero” dentro do Estado, acusando a falsa "ideologia de gênero" de destruir "os valores da sociedade".
Para Cecilia Reyes, membro do Movimento Popular Nuestra América, o chamado "massacre de Barracas" é um reflexo do ódio e da violência que este governo exerce contra as mulheres e diferentes identidades de gênero. “Estes discursos de ódio estão se establecendo na sociedade e nos colocando mais em perigo, matando três mulheres por serem lésbicas, pela sua condição sexual, pela sua identidade de gênero”, disse ao Brasil de Fato.
Daniela Ruiz, ativista trans da Associação Civil 7 Cores, também falou sobre a vulnerabilidade da população trans, depois que o governo cortou o programa de cotas de trabalho para esse setor da sociedade. “Neste momento há colegas que estão em situação de prostituição, são meninas de 13 ou 14 anos que inevitavelmente ficam expostas a uma vida média entre 30 e 40 anos e isso tem que ser revertido", disse.
"Javier Milei é um inimigo declarado das mulheres", afirmou ao Brasil de Fato Mercedes Trimarchhi, deputada do Partido da Esquerda Socialista e referência do grupo de mulheres em luta Isadora. "Ele aproveita todas as oportunidades para ir contra as nossas conquistas feministas, como o direito ao aborto legal, seguro e gratuito, contra a educação sexual e contra o casamento igualitário", disse.
Edição: Lucas Estanislau