O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), anunciou e formalizou, na noite desta terça-feira (25), a criação da comissão especial que irá discutir na Casa a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2023, apelidada de PEC das Drogas. A novidade vem à tona horas depois de o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) formar maioria pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. O julgamento da Corte terá sequência nesta quarta (26), mas os primeiros resultados já ajudam a atiçar os ânimos no Legislativo.
De perfil conservador, a PEC 45 criminaliza a posse e o porte de drogas sem autorização e em qualquer quantidade, por isso bate de frente com o entendimento manifestado pelo STF até aqui. A medida já foi aprovada no Senado por ampla maioria e também recebeu aval da Comissão de Constituição & Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados no último dia 12.
O ato assinado por Lira data do dia 17, mas foi divulgado somente nesta terça. O documento aponta que a comissão especial que agora irá avaliar o tema deverá contar com 34 membros titulares e 34 suplentes. Agora, o próximo passo é a indicação dos parlamentares que irão compor o colegiado, o que deverá ser apontado por cada legenda de acordo com a proporcionalidade partidária presente na Casa.
"Invasão de competência"
A decisão tomada nesta terça pelo STF também repercutiu no Senado. Em uma nova menção ao tema, o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que a iniciativa da Corte de descriminalizar o porte de maconha seria uma "invasão de competência" sobre o Poder Legislativo. O Supremo enfrenta críticas por parte da ala reacionária do Congresso desde quando decidiu iniciar a análise do tema. Apesar de dialogar com o campo progressista em algumas agendas, Pacheco tem se tornado um vocalizador da defesa da criminalização e é o autor principal da PEC das Drogas.
"Temos sempre que, primeiro, prezar pelo respeito às decisões judiciais. Quaisquer que sejam elas, temos que respeitar. E, [para] eventuais discordâncias, há um caminho próprio das discussões, através de recursos, leis que possam ser votadas no Congresso, jamais qualquer tipo de hostilidade a decisões judiciais e àqueles que as proferem, mas eu discordo da decisão do STF. Já falei mais de uma vez sobre isto: uma descriminalização só pode se dar através do processo legislativo, e não por uma decisão judicial. Há razões inclusive expostas nesse sentido", disse Pacheco.
O julgamento atual da Corte analisa a constitucionalidade do artigo 28 da Lei nº 11.343/2006, a chamada Lei de Drogas, que criminaliza quem "adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar". O plenário do STF tem, até o momento, um placar de sete votos pela inconstitucionalidade do artigo 28 e quatro contrários. O julgamento continua na quarta (26), quando os ministros podem consolidar uma decisão também sobre os critérios que devem diferenciar usuários de traficantes.
"O Senado fez sua parte em relação a isso. O que eu acho inusitado é que, depois de 35 anos de vigência da Constituição Federal, agora se aponte uma inconstitucionalidade no artigo 28. Tudo isso vai ter que ser objeto de um amplo debate, de um amadurecimento inclusive com a sociedade", disse Rodrigo Pacheco à imprensa.
A batalha pela aprovação do texto tem como pano de fundo o cenário pré-eleitoral de 2024, uma vez que os parlamentares federais tradicionalmente se envolvem na disputa para tentar eleger correligionários nos seus municípios. O tema das drogas é uma das pautas costumeiramente utilizadas pela ala política para incentivar a polarização a partir de agendas tidas como "pautas morais" ou "pautas de costumes", no jargão legislativo.
O jogo no Congresso em torno da PEC 45 envolve também os interesses dos parlamentares com vistas ao pleito de 2026. No caso de Rodrigo Pacheco, por exemplo, o senador tenta costurar, nos bastidores, uma eventual candidatura ao governo de Minas Gerais para daqui a dois anos e por isso tem feito acenos à base mais conservadora do eleitorado mineiro. De outro lado, a PEC é também uma forma de intensificar os antagonismos entre o Legislativo e o Judiciário, que tem sido alvo constante de críticas de parlamentares por suposta invasão de competências ao analisar temas como a prisão do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), suspeito de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco, questões ligadas ao aborto e às drogas, entre outras agendas que geram faíscas no jogo político.
Edição: Nicolau Soares